O acórdão emitido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de processo 0934/07, trata a questão relativa à possibilidade de anulação do ato administrativo com o fundamento da usurpação de poderes, incompetência absoluta e violação da lei por ofensa ao disposto no artigo 62 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 55 e 59 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) relativo ao desvio de poder e vícios de forma por incumprimento.
Com o fim de proceder a uma correcta análise do acórdão, serão inicialmente expostos os factos relevantes para a decisão em causa, assim como a enunciação das questões de direito e critica pessoal relativamente à decisão do acórdão.
A 14 de janeiro de 1998, o fiscal municipal, ao deslocar-se à Herdade verificou que tinha ocorrido um corte de caminho, destruindo-o parcialmente, inviabilizando por isso a utilização do caminho que liga as diversas Herdades e o acesso a estradas nacionais.
Estas acções foram emitidas pelo sócio gerente da sociedade A, uma vez que o vereador ordenou a notificação do mesmo, com a finalidade de repor o caminho que se encontrava antes da prática dos referidos aptos, visto (ser considerado um caminho publico).
A entidade recorrida alega que o respectivo caminho deverá ser considerado enquanto propriedade privada, porém o serviço de fiscalização elencou um conjunto de critérios no sentido de averiguar se o caminho seria efectivamente público ou privado.
O primeiro critério baseava-se na averiguação de utilização do aspecto e das características do caminho, onde foi concluído que este apresentava sinais de utilização permanente.
O segundo critério pretendia determinar se as pessoas consideravam que tal caminho estaria ao livre acesso do público em geral. Após um inquérito realizados às pessoas da redondeza, foi concluído e confirmado que o caminho sempre existiu e foi utilizado livremente pelo público em geral.
Por fim, foi averiguado se esta utilização seria recente, ou se já advinha de tempos imemoriais, onde foi considerado que este caminho e a sua respectiva utilização sempre ocorreu (“excede já a memória dos vivos”).
Consequentemente, este caminho deveria ser considerado como sendo um caminho público e não um caminho privado como a recorrente alegava, pertencendo por isso ao domínio estadual.
A 28 de Janeiro de 1998 a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo deliberou e aprovou e deliberou relativamente à natureza jurídica do caminho em apreço, onde o abrigo do disposto no artigo 51º/4 alínea e) da Lei das Autarquias Locais e do disposto no artigo 38º da Lei 2110 de 19 de Agosto de 1961 declarou que tal caminho pertencia ao domínio público, sendo por isso necessário integrá-lo no cadastro das vias municipais.
A recorrente impugnou a deliberação da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo alegando que a decisão padecia de determinados vícios.
A integração, do referido caminho, no cadastro das vias municipais sofre de vícios de incompetência absoluta, usurpação de poderes, violação da lei por ofensa ao disposto no artigo 62 da Constituição da Republica Portuguesa, e devido ao erro nos pressupostos de facto e de direito.
Tendo em conta os factos verificados anteriormente, será necessário verificar a matéria de direito, subjacente à impugnação da recorrente da deliberação realizada pela Câmara Municipal.
A recorrente alega que a decisão da natureza do respectivo caminho não deverá pertencer à Câmara Municipal ou à administração pública, visto que traduz o exercício de um poder decisório, onde são implicados conflitos de interesses, só podendo ser dirimida pelo Tribunal.
Acrescenta, que a referida questão invadiu a esfera de atribuições do tribunal sucedendo-se, a necessária, nulidade do ato, devido ao vicio subjacente de usurpação de poderes.
Por fim, invoca que as normas às quais a Camara Municipal recorreu para invocar a competência de declaração da natureza do caminho, as quais considera que não detêm o repetido alcance, sendo que não são normas de atribuição de competência para dirimir litígios relativos à natureza do respectivo caminho.
Tendo em conta, os vícios apresentados pela recorrente e a respectiva fundamentação, o Supremo Tribunal Administrativo, declarou como sendo nula a deliberação da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo de 28 de Janeiro de 1998.
Analisando os factos e os fundamentos da decisão, considero que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo foi uma boa decisão, pelas razões que irei adiante elencar.
Relativamente ao poder de decisão, e de dirimir do conflitos de interesses, será necessário averiguar a quem compete este ato, se cabe à função administrativa ou jurisdicional.
Tendo em conta a diversa jurisprudência, esta questão é distinguida pelos interesses em questão e a finalidade prosseguida pela própria decisão. Sendo que a função jurisdicional resolve conflito de interesses, entre partes privadas, a função administrativa pelo contrário embora tendo em conta os interesses alheios resolve questões relativas à prossecução do interesse público.
No referido caso, ocorre a necessidade de resolução de um conflito entre a recorrente o sócio gerente da sociedade A. – o seu vizinho – e a câmara Municipal de Montemor-o-Novo relativamente à natureza do caminho, sendo que a recorrente considera que este é privado e o sócio gerente e a câmara municipal o consideram como sendo público. No qual tendo em conta a jurisprudência anteriormente elencada esta competência de averiguação da natureza do caminho deverá pertencer à função jurisdicional e não uma competência administrativa, devido aos interesses envolvidos no caso, visto que a Administração dirimiu os conflitos decidindo de forma unilateral e autoritariamente a questão da natureza jurídica do caminho como o elencado no artigo 202 da Constituição da Republica Portuguesa, impedindo por isso a resolução por parte dos tribunais da respectiva exclusividade de competência.
A usurpação de poderes, como definida pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, consiste “na prática por um órgão da administração de ato incluído nas atribuições de poder legislativo ou judicial”.
Considerando que a pratica do ato de determinação da natureza do caminho não pertencia à administração mas à função jurisdicional, ocorrendo por isso uma intromissão da administração na esfera de competência dos Tribunais. Tendo em consideração que o vício que se encontra subjacente a este ato deverá ser enquadrado enquanto usurpação de poderes determina a nulidadeda deliberação da Administração, como o que se encontra estabelecido no artigo 133º/2 alínea a) do Código de Procedimento administrativo.
O último argumento elencado, é relativo á possibilidade de enquadramento das normas invocadas pela Administração da lei das Autarquias Locais e da Lei nº 18/91 de 12 de Junho, como fonte de atribuição de competência à Câmara Municipal. Porém estas normas apenas determinam que deverá ser deliberado pela Administração publica tudo o que estiver relacionado com o interesse à “segurança e comodidade do trânsito nas ruas e demais lugares públicos, e não se insira na competência de outros órgãos”.
Assim, tendo em conta que esta seria uma competência que pertencia à função jurisdicional, ocorre uma intromissão na competência dos tribunais, o que acaba por violar o disposto neste mesmo artigo.
Bibliografia:
. REBELO ,MARCELO DE SOUSA e SALGADO, ANDRÉ DE MATOS, “Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e princípios fundamentais”, 3ª Edição, D. Quixote, 2008;
. JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, “Introdução ao Direito Administrativo”, 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016;
. FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol I, 4ª ed., 2015, Almedina;
António Baltazar Mendes, 57072
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