Monday, April 9, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 01403/02, de 13 de Março de 2007


O Acórdão emitido pelo STA, de processo 01403/02, de 13 de Março de 2007, está essencialmente ligado à questão da aplicação do princípio da proporcionalidade num caso de uma expropriação por utilidade pública, que vem ilustrar claramente a colisão entre um direito particular de propriedade e um interesse público.
De uma forma resumida, o recurso interposto por A vem no seguimento de um despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, pelo qual foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação das parcelas de terreno de que que fazem parte o prédio em ruínas de que A é proprietário, situado em Guimarães, tendo como finalidade a construção da obra da A 11-IP 9 – lanço Braga Guimarães – A 4-IP 4, sublanço Celeirós-Guimarães Oeste, ligação EN 101. 
Declarada a utilidade pública, com carácter de urgência da expropriação de uma parcela do terreno de que A é proprietário, A vem argumentar em defesa da prevalência do seu direito de propriedade sobre determinado terreno em prejuízo do interesse público por detrás da obra que o motiva, apresentando diversas razões para tal entendimento.
Assim, primeiramente, vem alegar que o acto de declaração de utilidade pública estaria em violação do prescrito nos artº 62º/1 e 2, artº 266º/1 e no artº 268º/3 da CRP, porque, devendo  aquele prédio ser tido em conta como “Imóvel a Proteger”, carecia assim da fundamentação adequada e suficiente, quer fáctica quer juridicamente, que pudesse justificar a sua eliminação física.
Para além disto, acrescenta-se ainda, segundo A, o facto de o mesmo ato estar também em violação o princípio da proporcionalidade, contrariando o previsto nos artº 3º/3 (Soberania e Legalidade), no artº 266º/2 (Princípios Fundamentais) e na alínea f) do artº 199º (Competência Administrativa) da CRP, alegando que o traçado das parcelas poderia ser realizado sem a destruição daquele imóvel e sem encargos superiores aos que resultariam da expropriação da dita parcela de terreno.
Como já foi oportunamente referido, o princípio da proporcionalidade goza de proteção legal expressa tanto a nível constitucional como também no CPA, mais precisamente no art. 7º, devendo ser tido em conta como um princípio central na atividade administrativa.
Ora, neste sentido, torna-se não só relevante compreender a sua dimensão enquanto conceito jurídico-administrativo, mas também a sua importância na fiscalização dos poderes discricionários. Assim sendo, podemos decompô-lo em três níveis de apreciação, tal como propostos pela doutrina:
a)      A exigibilidade do comportamento administrativo, ou seja, que tenha natureza indispensável para a prossecução do interesse público
b)     A adequação do comportamento administrativo à prossecução do interesse público visado
c)      A proporcionalidade em sentido estrito, que se traduz na existência de uma proporção entre as vantagens decorrentes da prossecução do interesse público e os sacrifícios inerentes dos interesses privados

Parece-me assim claro que o princípio da proporcionalidade constitui uma fronteira da discricionaridade administrativa, pelo que impõe aos órgãos administrativos que a ação adequada para a prossecução do interesse público seja o menos lesiva possível para os direitos particulares e é precisamente a este respeito que o presente acórdão se mostra da maior relevância, sendo esta uma das vertentes a ser analisada pelo Tribunal no caso em apreço.

De entendimento diverso, as entidades recorridas defendem que, apesar do imóvel se encontrar previsto como “Imóvel a Proteger”, são desconhecidas as razões de tal qualificação e a sua prevalência face à ponderação dos interesses gerais das populações, nomeadamente os de ordenamento, de desenvolvimento económico, de segurança e comodidade, prosseguidos pela obra visada com o despacho recorrido, alegando também que o ato em causa se encontra fundamentado nos termos legais exigíveis.
Por fim, quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, concluem que tendo o traçado da via sido escolhido em função de parâmetros técnico - ambientais, as parcelas necessárias só podiam ser aquelas e não outras, porquanto o interesse público não seria igualmente satisfeito com o mesmo grau de eficácia e adequação, acreditando ser aquela atuação a menos lesiva para os direitos dos particulares que satisfaça, simultaneamente, os interesses públicos em causa. Assim, não se verificaria qualquer violação do princípio da proporcionalidade, dado que o interesse público em presença justificaria perfeitamente a lesão dos interesses privados pretensamente afectados.
Perante este litígio, o Supremo Tribunal Administrativo não vem dar razão a A quando este alega que o conflito de interesses deveria pender para o seu direito de propriedade. Em suma, A defende que o seu direito subjetivo, que goza de protecção constitucional (art. 62º/1 e 266º/1 da CRP), se deveria sobrepor, neste caso particular, ao direito à expropriação, como decorre do art.º 62º/2, do art.º 268º/3, e que não existiria assim uma fundamentação de facto e de direito que justificasse a expropriação. A verdadeira questão que importa colocar, todavia, é se os fundamentos invocados e constantes da fundamentação são bastantes para que o interesse público se possa sobrepor ao direito de propriedade privada?
Ora, no entendimente do Tribunal, na minha opinão acertado, o interesse público subjacente à expropriação é o da realização de uma estrada nacional, sendo a questão da fundamentação, na verdade, uma questão de “validade ou exactidão dos fundamentos para justificar juridicamente a decisão”, ou, por outras palavras, para justificar a preponderância do interesse público sobre o interesse privado, ao contrário do alegado pelo recorrente. Assim sendo, constitucionalmente, nos termos do art. 62º/2 da CRP a expropriação por utilidade pública poderia ser efectuada “com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”, sendo sempre verdade que, pela sua própria natureza, a expropriação cria um conflito de interesses particulares vs. públicos em que, ainda assim, a expropriação funciona como um meio jurídico através do qual esse conflito é resolvido com a prevalência do interesse público.

Afastado este primeiro problema, apreciou também o Tribunal a questão da violação do principio da proporcionalidade, constitucionalmente previsto no artº 3º/3, no artº 266º/2 e no artº 199º/f) da CRP, entendendo que, efetivamente, este princípio impõe que a expropriação se dê dentro dos limites imprescindíveis à realização do fim de utilidade pública, o que faz todo o sentido. No entanto, é relativamente a este ponto que o recorrente entende que o princípio foi violado porque era viável um traçado da estrada, mesmo em terrenos seus, que não implicasse a demolição de um imóvel a proteger. Ora, na realidade o Tribunal conclui que não ficou demonstrado que fosse possível contornar o prédio expropriado e manter a funcionalidade da estrada, sem encargos superiores, não sendo, por conseguinte, evidente a violação do princípio da proporcionalidade em qualquer uma das suas vertentes já acima mencionadas.
Ainda a este respeito, parece-me igualmente importante realçar a nota deixada pelo próprio Tribunal que clarifica que o controlo da actividade administrativa sobre a potencial violação ou não do princípio da proporcionalidade não permite que o tribunal se substitua à Administração na ponderação das escolhas do traçado da estrada a construir, as quais integram o “poder discricionário” de prossecução do interesse público assim exercido dentro dos limites da sua livre margem de apreciação. De outra forma, a respectiva violação deve ser clara, ou seja, devem existir elementos que possibilitem uma “afirmação segura e positiva da existência de tal violação”, o que claramente não acontecia neste caso.
Face ao exposto, o Tribunal vem decidir, e a meu ver acertadamente, pela improcedência do recurso, determinando em primeiro lugar que o “imóvel a proteger” de A não tem, efectivamente, qualquer protecção legal especial e como tal, o seu estado de ruína não justifica uma especial protecção do direito de propriedade; em segundo lugar, que não está minimamente demonstrada a possibilidade duma alteração do projecto a que se destina o imóvel, evitando a destruição das ruínas, sem agravamento de custo e manutenção da sua funcionalidade, dito por outras palavras, não considerou violada a proporcionalidade, como alegava A.

Bibliografia:
REBELO ,MARCELO DE SOUSA e SALGADO, ANDRÉ  DE MATOS, “Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e princípios fundamentais”, 3ª Edição, D. Quixote, 2008
 JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, “Introdução ao Direito Administrativo”, 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016

Ricardo Gonçalves Ferreira
Nº 57016

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