O Acórdão emitido pelo STA, de processo
01403/02, de 13 de Março de 2007, está essencialmente ligado à questão da
aplicação do princípio da proporcionalidade num caso de uma expropriação por
utilidade pública, que vem ilustrar claramente a colisão entre um direito
particular de propriedade e um interesse público.
De uma forma resumida, o recurso interposto
por A vem no seguimento de um despacho do Secretário de Estado das Obras
Públicas, pelo qual foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação
das parcelas de terreno de que que fazem parte o prédio em ruínas de que A é
proprietário, situado em Guimarães, tendo como finalidade a construção da obra
da A 11-IP 9 – lanço Braga Guimarães – A 4-IP 4, sublanço Celeirós-Guimarães
Oeste, ligação EN 101.
Declarada a utilidade pública, com carácter de
urgência da expropriação de uma parcela do terreno de que A é proprietário, A
vem argumentar em defesa da prevalência do seu direito de propriedade sobre
determinado terreno em prejuízo do interesse público por detrás da obra que o
motiva, apresentando diversas razões para tal entendimento.
Assim, primeiramente, vem alegar que o acto de
declaração de utilidade pública estaria em violação do prescrito nos artº 62º/1
e 2, artº 266º/1 e no artº 268º/3 da CRP, porque, devendo aquele prédio ser tido em conta como “Imóvel a
Proteger”, carecia assim da fundamentação adequada e suficiente, quer fáctica
quer juridicamente, que pudesse justificar a sua eliminação física.
Para além disto, acrescenta-se ainda, segundo
A, o facto de o mesmo ato estar também em violação o princípio da proporcionalidade,
contrariando o previsto nos artº 3º/3 (Soberania e Legalidade), no artº 266º/2
(Princípios Fundamentais) e na alínea f) do artº 199º (Competência
Administrativa) da CRP, alegando que o traçado
das parcelas poderia ser realizado sem a destruição daquele imóvel e sem encargos
superiores aos que resultariam da expropriação da dita parcela de terreno.
Como já foi oportunamente
referido, o princípio da proporcionalidade goza de proteção legal expressa
tanto a nível constitucional como também no CPA, mais precisamente no art. 7º,
devendo ser tido em conta como um princípio central na atividade administrativa.
Ora, neste sentido,
torna-se não só relevante compreender a sua dimensão enquanto conceito
jurídico-administrativo, mas também a sua importância na fiscalização dos
poderes discricionários. Assim sendo, podemos decompô-lo em três níveis de apreciação,
tal como propostos pela doutrina:
a)
A exigibilidade do comportamento
administrativo, ou seja, que tenha natureza indispensável para a prossecução do
interesse público
b)
A adequação do comportamento
administrativo à prossecução do interesse público visado
c)
A proporcionalidade em sentido estrito,
que se traduz na existência de uma proporção entre as vantagens decorrentes da
prossecução do interesse público e os sacrifícios inerentes dos interesses
privados
Parece-me assim claro
que o princípio da proporcionalidade constitui uma fronteira da
discricionaridade administrativa, pelo que impõe aos órgãos administrativos que
a ação adequada para a prossecução do interesse público seja o menos lesiva
possível para os direitos particulares e é precisamente a este respeito que o
presente acórdão se mostra da maior relevância, sendo esta uma das vertentes a
ser analisada pelo Tribunal no caso em apreço.
De entendimento
diverso, as entidades recorridas defendem que, apesar do imóvel se encontrar
previsto como “Imóvel a Proteger”, são desconhecidas as razões de tal
qualificação e a sua prevalência face à ponderação dos interesses gerais das
populações, nomeadamente os de ordenamento, de desenvolvimento económico, de
segurança e comodidade, prosseguidos pela obra visada com o despacho recorrido,
alegando também que o ato em causa se encontra fundamentado nos termos legais
exigíveis.
Por fim, quanto à
alegada violação do princípio da proporcionalidade, concluem que tendo o
traçado da via sido escolhido em função de parâmetros técnico - ambientais, as
parcelas necessárias só podiam ser aquelas e não outras, porquanto o interesse
público não seria igualmente satisfeito com o mesmo grau de eficácia e
adequação, acreditando ser aquela atuação a menos lesiva para os direitos dos
particulares que satisfaça, simultaneamente, os interesses públicos em causa.
Assim, não se verificaria qualquer violação do princípio da proporcionalidade,
dado que o interesse público em presença justificaria perfeitamente a lesão dos
interesses privados pretensamente afectados.
Perante este litígio,
o Supremo Tribunal Administrativo não vem dar razão a A quando este alega que o
conflito de interesses deveria pender para o seu direito de propriedade. Em
suma, A defende que o seu direito subjetivo, que goza de protecção
constitucional (art. 62º/1 e 266º/1 da CRP), se deveria sobrepor, neste caso
particular, ao direito à expropriação, como decorre do art.º 62º/2, do art.º
268º/3, e que não existiria assim uma fundamentação de facto e de direito que
justificasse a expropriação. A verdadeira questão que importa colocar, todavia,
é se os fundamentos invocados e constantes da fundamentação são bastantes para
que o interesse público se possa sobrepor ao direito de propriedade privada?
Ora, no entendimente
do Tribunal, na minha opinão acertado, o interesse público subjacente à
expropriação é o da realização de uma estrada nacional, sendo a questão da
fundamentação, na verdade, uma questão de “validade
ou exactidão dos fundamentos para justificar juridicamente a decisão”, ou, por
outras palavras, para justificar a preponderância do interesse público sobre o
interesse privado, ao contrário do alegado pelo recorrente. Assim sendo, constitucionalmente,
nos termos do art. 62º/2 da CRP a expropriação por utilidade pública poderia
ser efectuada “com base na lei e mediante
o pagamento de justa indemnização”, sendo sempre verdade que, pela sua
própria natureza, a expropriação cria um conflito de interesses particulares
vs. públicos em que, ainda assim, a expropriação funciona como um meio jurídico
através do qual esse conflito é resolvido com a prevalência do interesse
público.
Afastado este
primeiro problema, apreciou também o Tribunal a questão da violação do
principio da proporcionalidade, constitucionalmente previsto no artº 3º/3, no artº
266º/2 e no artº 199º/f) da CRP, entendendo que, efetivamente, este princípio
impõe que a expropriação se dê dentro dos limites imprescindíveis à realização
do fim de utilidade pública, o que faz todo o sentido. No entanto, é relativamente
a este ponto que o recorrente entende que o princípio foi violado porque era
viável um traçado da estrada, mesmo em terrenos seus, que não implicasse a
demolição de um imóvel a proteger. Ora, na realidade o Tribunal conclui que não
ficou demonstrado que fosse possível contornar o prédio expropriado e manter a
funcionalidade da estrada, sem encargos superiores, não sendo, por conseguinte,
evidente a violação do princípio da proporcionalidade em qualquer uma das suas
vertentes já acima mencionadas.
Ainda a este respeito, parece-me igualmente
importante realçar a nota deixada pelo próprio Tribunal que clarifica que o
controlo da actividade administrativa sobre a potencial violação ou não do
princípio da proporcionalidade não permite que o tribunal se substitua à Administração
na ponderação das escolhas do traçado da estrada a construir, as quais integram
o “poder discricionário” de prossecução do interesse público assim exercido
dentro dos limites da sua livre margem de apreciação. De outra forma, a
respectiva violação deve ser clara, ou seja, devem existir elementos que
possibilitem uma “afirmação segura e positiva da existência de tal violação”, o que claramente não acontecia neste
caso.
Face ao exposto, o Tribunal vem decidir, e a
meu ver acertadamente, pela improcedência do recurso, determinando em primeiro
lugar que o “imóvel a proteger” de A não tem, efectivamente, qualquer protecção
legal especial e como tal, o seu estado de ruína não justifica uma especial
protecção do direito de propriedade; em segundo lugar, que não está minimamente
demonstrada a possibilidade duma alteração do projecto a que se destina o
imóvel, evitando a destruição das ruínas, sem agravamento de custo e manutenção
da sua funcionalidade, dito por outras palavras, não considerou violada a
proporcionalidade, como alegava A.
Bibliografia:
REBELO ,MARCELO DE SOUSA e SALGADO, ANDRÉ DE MATOS, “Direito
Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e princípios fundamentais”, 3ª
Edição, D. Quixote, 2008
JOÃO
CAUPERS/ VERA EIRÓ, “Introdução ao
Direito Administrativo”, 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016
Ricardo Gonçalves Ferreira
Nº 57016
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