No presente acórdão , deparamo-nos com um processo de contra-ordenação instaurado pela Câmara Municipal no qual foi pronunciada a decisão de condenar B pela afixação de propaganda política fora dos locais estabelecidos pela Câmara Municipal de acordo com o Código Regulamentar do Município do Porto, o qual determinou a fixação de uma coima a B no valor de €3.252,50.
Antes de prosseguir em profundidade à análise do acórdão , é necessário enquadrar uma autarquia local na organização da administração .
As autarquias locais estão previstas no artigo 235º da CRP dispondo que :
" 1.A organização administrativa do Estado compreende a existência de autarquias locais ;
2- As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas . "
Concretizando esse objetivo, o Prof. Marcello Caetano definiu as autarquias locais como pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respetivos habitantes.
A administração autónoma é composta por pessoas coletivas públicas independentes do Estado, ou seja, não são subordinadas ou controladas por este. Existe apenas a exceção da tutela exercida pelo Governo sobre elas (Art.199° alínea d) C.R.P.), que se trata apenas de um poder de fiscalização e não de controlo no sentido próprio. Os seus órgãos realizam as suas funções com independência, sem ter de obedecer a ordens provenientes da administração central.
Nos termos da LAL, é através da transferência de competências por via legislativa e da delegação de competências que se concretiza a descentralização administrativa , art.º 114 da LAL.
Assim sendo , indo em análise ao acórdão :
Inconformado, o arguido ( B ) apresentou recurso judicial da decisão para o Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto tendo sido julgado improcedente o recurso e mantida a decisão.
Posteriormente , o arguido recorreu para este Tribunal da Relação.
Na sua alegação ,proferiu que :
⦁ a primeira instância condenou o agora recorrente do recurso ao pagamento de uma coima de 3.200,00€ pela prática de 20 contra-ordenações . (D-3/51.°, n.° 1, ai. 1.1, H13, n.° 2, H129°, n°s. 1, ai. m) e 2, ai. c) e H15, n.° 2, do Código Regulamentar do Município )
⦁ não houve uma correta interpretação dos factos
⦁ os partidos políticos utilizam a propaganda , pois esta é um meio de dar a conhecer à população residente as suas propostas eleitorais
⦁ o impediemnto de afixação de tais informações política e eleitorias nas zonas definidas no regulamento, ou seja nos locais mais frequentados do Porto , é um obstáculo à difusão das actividades , dos programas eleitorais junto da comuidade ,prejudicando o desenvolviemnto da atividade político-partidária .
⦁ as autarquias locais dispõem de autonomia para a feitura dos seus regulamentos dentro dos limites estabelecidos na Constituição
⦁ o poder regulamentar das autarquias está limitado pela reserva da lei — absoluta (art° 164° CRP) ou relativa (art° 165°);nestas matérias , as autarquias só podem emitir regulamentos de execução
Quando o regulamento municipal expressamente proíbe a afixação de propaganda , isso leva a que haja uma colisão com o estabelecido constitucionalmente , violando o princípio da liberdade de expressão e informação .
Este regulamento está blindado pela constituição, visto que há uma reserva de lei para as matérias elencadas no artigo 164ºCRP ( absoluta ) e 165ºCRP ( matéria relativa ) . Assim ,não pode haver um diploma que contrarie o estabelecido nestes dois artigos sob pena de inconctitucionalidade orgânica, formal e material, sendo nulas as regulamentações da deliberação da Assembleia Municipal na parte em que aprovou tais normas e a , coima por ela estabelecida .
O regulamento viola, assim, os direitos à liberdade de expressão e informação consagrados na Constituição da República Portuguesa conjuntamente, com invasão da esfera competência reservada à Assembleia da República 165ºCRP
O Ministério Público pronunciou-se pela incogruência do recurso , proferindo :
⦁ a proibição de afixação da propaganda política e eleitoral , é uma matéria de competência reservada da AR , e conjuntamente viola os direitos à liberdade de expressão e informação .
Mais concretamente , a lei nº97/88 de 17/08 no artigo 3º nº1 diz expressamente : “A afixação de mensagens de propaganda é garantida, na área de cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais”.
Em seguida, o artigo 4º nº1 do mesmo diploma estabelece os critérios a prosseguir pelas câmaras , sendo que alguns deles se referem à preocupação com os monumentos nacionais , a afetação do ambiente , e o condicionamento da circulação ferroviária e rodoviária .
O regulamento muncipal, estabelece as áreas específicas de afixação de propaganda estabelece o art. D-3/51º, nº 1, al. 1.1 que :“salvo nos locais para o efeito disponibilizados pelo Município e devidamente identificados por via de edital, a afixação de propaganda política sem carácter eleitoral ou pré eleitoral não é permitida nas áreas lapizadas a amarelo e vermelho (…)”.
As normas do regulamento que delimitam expressamente as àreas onde a publicidade pode ser fixada , não restringem, de alguma forma, o direito de afixação de propaganda e o direito de liberdade de expressão e informação garantidos.
Contudo , e ao contrário dos argumentos utilizados pelo arguido , a própria lei geral e abstrata da AR a Lei 97/88, no seu art. 3º, nº 1, confere a autonomia às Câmaras Municipais os espaços onde pode haver a difusão de propaganda política . Todavia ,a escolha dos locais proibidos pela afixação de propaganda política está estabelecido na mesmo diploma , no artigo 4º .
Conclui-se assim que o município não se afastou dos critérios estabelecidos por esse diploma, uma vez que : a àrea lapizada a vermelho corresponderá às zonas referidas nas alíneas a) e b) do art. 4º, nº 1 da Lei 97/88 e a àrea lapizada a amarelo corresponderá às zonas referidas nas alíneas d) e f) do mesmo preceito legal.Há aqui uma compatibilidade na utilização dos dois diplomas .
Ao contrário do alegado pela arguida, a proibição de afixar propaganda política, no Município, nas áreas lapizadas a vermelho e amarelo, proibição esta que decorre dos supra citados preceitos do, não há inconstitucionalidade , visto que se trata de proibição consentida pelo disposto nos arts. 3º, nº 1 e 4º, nº 1 da Lei 97/88.
O presente recurso de contra-ordenação é improcedente.
E o que se discute é a nulidade da decisão por via do juízo de eventual inconstitucionalidade de determinadas normas do Código Regulamentar do Município, publicado no D.R. n.° 75, série II, de 19/04/20 10,
O artigo 37º da CRPconfigura a garantia fundamental do direito à Liberdade de expressão e informação. A propaganda politica é uma dimensão essencial da democracia, na medida em que sem a liberdade de exposição pública das ideias não se torna possível configurar um estado democrático.
Através da Lei n°97/88, de 17 de Agosto, estabeleceu-se um conjunto de regras de organização do espaço publico, levando em consideração o “equilíbrio urbano e ambiental” . Nesse sentido , de acordo com o artigo 3º da lei nº97/88 , permitiu-se aos munícipios estabelecer os locais onde poderia haver a fixação de propaganda política , sendo da autonomia das autarquias estabelecer essa restrição de acordo com a geografia da cidade , de acordo com razões ambientais e de segurança dos cidadãos .
Ora o Regulamento da Câmara quanto à questão, configurou condicionantes, no que respeita à afixação de propaganda politica e eleitoral, criando algumas normas, nomeadamente no seu artigo Artigo D -3/50 que vão muito além do que dispões a Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto. Diz-se, desde logo, e de acordo com o comando legal estabelecido naquela Lei, que «os critérios de localização e afixação de propaganda politica e eleitoral, relativamente à envolvente urbana, numa perspectiva de qualificação do espaço público, de respeito pelas normas em vigor sobre a protecção do património arquitectónico e do meio urbanístico, ambiental e paisagístico».
O que está normativizado no Regulamento não pode ser configurado como uma restrição que ultrapasse o comando legal da Lei n.º 97/98, de 17 de Agosto.
Contudo , o regulamento foi mais preciso na descrição das zonas que proibem a afixação de propaganda : "estabeleceu as restrições de zonas por períodos de campanha eleitoral ou pré eleitoral, a afixação de propaganda não é permitida, em qualquer das zonas em causa, sempre que a) provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem; b) prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas; c) causar prejuízos a terceiros; d) afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária; e) apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego; f) prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes., conforme dispõe o artigo D-3/51º, n.º 3."
Nas zonas a amarela na imagem infra apresentada não é permitida a afixação de propaganda política, visto que esta englobam grande parte das vias da cidade que integram as principais vias de circulação de tráfego urbano, rodoviário e ferroviário . Ora estas áreas concentram um grande afluxo de cidadãos .
Em conclusão , o regulamento municipal da cidade do Porto, foi muito para além da sua área de competência de estabelecimento de regulação do que a Lei 97/88 de 17 de Agosto admite e permite . A área da cidade do Porto onde não poderá haver a afixação de propaganda é efetivamente vasta, pondo em causa a divulgação das mensagens e iniciativas eleitorais junto das populações, sendo , pois um grande obstáculo da actividade político-partidária e, nessa medida, contrariando os limites que sobre esta matéria estão fixados na Lei. Devem haver limites à regulamentação, como diz José de Melo Alexandrino na obra citada, «Limites à Regulamentação...», a p. 33, de «uma disciplina inovadora e além disso restritiva da liberdade de propaganda», que padece de inconstitucionalidade.
Assim , entende-se que as normas do regulamento estão em desarmonia com o direito à informação e propaganda política , sendo inconstitucionais .
Declarou-se a inscontitucionalidade do art. D-3/57° do Código Regulamentar do Município, pelo facto de haver colisão com os artigos 37º e 18º nº 2 da CRP.
E, consequentemente , a contra-ordenação é nula .
Bibliografia
-Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
-João Caupers, "Introdução ao Direito Administrativo", 11ª edição, Âncora, Lisboa, 2013
-Rebelo de Sousa, Marcelo, Lições de Direito Administrativo, volume I
-Moreira ,Vital ,Administração Autónoma e Associações Públicas,Coimbra, Abril de 1997
Anna Verbytska nº2 56802 Subturma 14 Turma B
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