Sunday, April 8, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ; número de processo:048035 ; data do acórdão:01-10-2003; relator :J SIMÕES DE OLIVEIRA

No presente  acórdão ,persiste a existência de um concurso público ao qual concorrem vários concorrentes. 
 Antes de mais, importa salientar  que um concurso público espelha a necessidade de existência  de princípios concursais para a execução imparcial , transparente e igual dos candidatos que a ele concorrem  de modo a obterem uma classificação justa . 
O concurso público  constituiu o procedimento paradigmático da formação dos contratos administrativos.
Assim,  através da selecção dos candidatos por  concurso público permite-se,  que haja condições de igualdade, na celebração, em regra, de contratos de empreitada de obras públicas artigo 19.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos . 
 O artigo 1º nº1 do DL n.º 59/99, de 02 de Março dispõe que  "são consideradas obras públicas quaisquer obras de construção, (...), destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica, executadas por conta de um dono de obra pública". 
O artigo 6º  nº1 do mesmo diploma, dispõe que "  Os donos de obras públicas, titulares dos seus órgãos, membros das comissões de acompanhamento do concurso e da fiscalização da empreitada devem actuar com isenção e imparcialidade, sendo-lhes aplicáveis, sendo caso disso, as normas sobre impedimentos, escusa e suspeição dos titulares de órgãos públicos, bem como de funcionários e agentes da Administração Pública."
O artigo 1.º, n.º 4, do CCP dispõe que : «à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência».

Assim, indo em análise ao acórdão,  sucede que ,o Ministro do ambiente e ordenamento do território a par das empresas A...,S.A,...,e...,S.A, recorreram para o pleno da segunda secção do supremo tribunal  no âmbito de um  concurso público internacional para a construção da barragem de Ribeiradio . 
Cada um dos recorrentes, nas suas alegações apresentou argumentos em sua defesa . 
 O primeiro recorrente que foi  o ministro do ambiente e ordenamento do território alega que durante o procedimento concursal não houve uma ligação secreta e particular entre a INAG ( Instituto das águas) e a empresa ... que possa pôr em causa o acto de adjudicação .  Refere que durante o concurso não houve nenhuma prestação de informações especiais à empresa  que a  pudessem  colocar em vantagem .
Assim,  o concorrente que pediu uma mera retificação de um aspeto pontual , esta não pode ser vista como um aspeto que vise atentar à igualdade entre os vários concorrentes, pois a mesma foi dada a conhecer a todos os concorrentes do concurso . 
Num concurso público quando existe informação secreta  que possa privilegiar algum dos concorrentes , isto põe em causa a legalidade do concurso e ,simultaneamente, as regras de concorrência utilizadas no tratamento dos seus participantes . 
O concurso era composto por 6 concorrentes , sendo que os cinco concorrentes apresentaram argumentos  os quais ,aparentemente ,evidenciavam  a existência de benefícios  no procedimento concursal do concorrente nº2, dizendo que tais benefícios  punham  em causa a legalidade do concurso . 
Todavia ,  o concorrente 2º não foi o que ficou melhor posicionado de entre os outros, por isso  este alega que não havia um motivo claro , para que os seus concorrentes (restantes participantes ) possam afirmar que existiu, evidentemente ,uma violação dos princípios concursais por parte deste . 
Pois, o  2º concorrente não foi o melhor posicionado no concurso ficando em 4º lugar de entre os seis concorrentes a concurso . O concorrente defende que "os pequenos pormenores ", " as efetivas vantagens, " a que alude  o douto acórdão quando diz ," Em termos efetivos o concorrente nº2 gozou  (...) do conhecimento de pequenos pormenores que os elementos patenteados aos demais concorrentes nem sempre podem traduzir " e " efetivas vantagens " do vencedor . "
O princípio da imparcialidade para a actividade da administração  está consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 9º do CPA  e  põe em causa a existência de figuras dos impedimentos, escusas e suspeições. A imparcialidade deve ser entendida como um comando que toma em consideração os interesses públicos dos privados e dos públicos . 
O princípio da imparcialidade desdobra-se me numa dimensão negativa , segundo a qual proíbe que a administração, num caso em concreto ,está impedida de intervir nos contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou tenham uma relação económica especial,  sendo que a consideração  dos interesses públicos ou privados a prosseguir à luz do fim legal sejam irrelevantes para a decisão . 
Na dimensão positiva impõe que, previamente ,a um caso em concreto, a administração tome em consideração todos os interesses a prosseguir . As garantias de imparcialidade implicam o impedimento dos titulares de órgãos e agentes quanto à participação em determinados procedimentos administrativos e na formulação das respetivas decisões . 
 No  presente acórdão, não existiram  dados de facto que materializassem que ,efetivamente, existiu uma situação de vantagem do concorrente nº 2 pelo facto de ser assessorado pela ..., e para além disso  não se comprovou que existiu no acto de adjudicação anulado qualquer traço que este resultasse de uma situação de favorecimento pelo facto de serem assessoradas pela ... 
O concurso  continha somente uma simples descrição geral da obra e um conjunto de informações que diziam respeito à concepção da obra , as quais foram  apresentados  a todos os concorrentes . Estes esclarecimentos não podem demonstrar que existiu uma situação de privilégio entre o INAG e ..., .
 Contudo , a Instância "a quo " , julgou que o acto recorrido infringia os princípios da concorrência , da igualdade e da imparcialidade . 
O julgamento feito pelo acórdão é considerado erróneo no que diz respeito à existência de violação dos princípios de concorrência e da igualdade . 
Argumentos que consubstanciem : 
1 ) Não ficou provado que o concorrente nº2 gozava de vantagens ou de desigualdade ;
2) Mesmo que o concorrente nº2 tivesse alguma vantagem , esta era juridicamente irrelevante ;
3) O fundamento do acórdão é esvaziado de conteúdo , uma vez que não se demonstrou que o acto de adjudicação tenha sido o resultado de qualquer situação de vantagem . 
 Não basta, assim que haja uma mera violação da imparcialidade para que o ato seja anulado pela Administração , uma vez que deve haver indícios de violação dos princípios . 
A intervenção da  INAG na elaboração dos documentos patenteados, a concurso ,viola o princípio da concorrência, nos termos do artigo 58º do Decreto-Lei n- 55/99, de 2 de Março.
 A admissão ao concurso da recorrida particular e ora recorrente viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 6ª do CPA, pois o projecto de base por ela apresentado foi elaborado pela mesma entidade que, desde 1986, vinha estudando o aproveitamento hidroeléctrico de Ribeiradio por conta da entidade adjudicante.

Tal procedimento em que um concorrente se apresenta como o  projectista  e o dono da obra apresenta evidentes discrepâncias relativamente aos restantes concorrentes.
 O  art. 58º do Dec. – Lei 59/99 de 2 de Março dispõe que:
“1 – São proibidos todos os actos e acordos susceptíveis de falsear as regras de concorrência, sendo nulas as propostas, os pedidos de participação ou as decisões apresentadas, recebidas ou proferidas, devendo as mesmas ser rejeitadas e os concorrentes excluídos. “
Assim sendo o concorrente nº2 deteve informação do dono da obra por via da entidade que subscreve o projecto apresentado , a qual  colocava em vantagem sobre os restantes concorrentes . 
 A entidade revela que ao abrigo do contrato celebrado e por solicitação do INAG face a erros detectados, introduziu alterações, mas que essas alterações não violam o princípio da imparcialidade na relação dos concorrentes entre si . 
O acórdão recorrido anulou o acto de adjudicação no concurso público para a empreitada de construção da barragem de Ribeiradio, com fundamento na violação do disposto no art. 58º, nº 1, do Dec-Lei nº 59/99, bem como dos princípios da igualdade e da imparcialidade.
Na  anulação sentenciada está a circunstância de o consórcio vencedor, constituído pelas agora recorrentes, ter concorrido com um projecto elaborado pela empresa, ... e S.A, empresa esta que elaborara para o INAG (dono da obra) o estudo prévio para o concurso em questão.  E ao longo do concurso ,voltou a elaborar tarefas para o dono da obra, ao inserir, a pedido deste e face a pedidos de esclarecimento dos concorrentes, correcções em documentos  que havia anteriormente entregue.
 Esta mesma empresa veio depois a aparecer no concurso como autora do projecto-base integrado na proposta do concorrente nº 2.
A empresa que auxiliou na conceção do concurso ,  procedeu também à definição geral da obra, e elaborou peças escritas e desenhadas  estabelecendo dessa forma uma relação de extrema proximidade com a entidade adjudicante.
O artigo 55.º, alínea j),  do código dos contratos públicos dispõe que "não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que tenham prestado a qualquer título, directa ou indirectamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento "
A conceção nestas condições não pode deixar de estar viciada. Em causa está, naturalmente, o princípio da imparcialidade da Administração, a que a mesma está adstrita por força do disposto no art. 266º, nº 2, da CRP e no art. 6º do CPA.
Existe assim inconstitucionalidade do artigo 58º, por ofensa do disposto 61º nº1 da CRP . O artigo 58º é um exemplo de limitação que a lei estabelece de modo a harmonizar os interesses dos particulares entre si mesmos e estes com o interesse geral .
Deve haver  uma clareza  nos critérios e,  simultaneamente ,um  esclarecimento das condições de contratar ,de celebrar e publicitação dessas mesmas regras de procedimento .
  O princípio da transparência é afirmado como um dos princípios da contratação pública, no artigo 1.º, n.º 4, do CCP . 
Isto permite ao concorrente saber de antemão com grau de certeza qual vai ser o seu posicionamento na ordenação das propostas ou candidaturas. 
De certo modo , o princípio da igualdade consagrado no artigo 6º do CPA , também não foi cumprido uma vez que os seus pressupostos não foram preenchidos ( proibição da descriminação e obrigação de diferenciação ). A igualdade ou a desigualdade não são puramente fácticas , sendo qualificáveis juridicamente . 
Em suma , analisando o acórdão , pôde verificar-se que existiu uma certa relação de privilégio no procedimento concursal do 2º concorrente em relação aos restantes participantes , o que conduz à violação do princípio da legalidade e consequentemente à inconstitucionalidade do artigo 58º, por ofensa do disposto 61º nº1 da CRP.


Anna Verbytska nº56802 , subturma 14 ano 2º turma  B 

Bibliografia 
Amaral, Diogo de Freitas  (2001) Curso de Direito Administrativo Vol.II. Almedina editora

REBELO ,MARCELO DE SOUSA e SALGADO, ANDRÉ  DE MATOS, Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e princípios fundamentais, 3ª Edição, D. Quixote, 2008.

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