O comentário que pretendo levar a
cabo é respeitante ao acórdão emitido pelo Supremo Tribunal Administrativo,
referente ao processo 0934/07. Há uma requerente, (A) que pretende intentar a
anulação do ato administrativo, para tal recorre ao fundamento da usurpação de
poderes, seguido da incompetência absoluta e finalmente, da violação da lei por
ofensa ao artigo 62 da CRP, respeitante à propriedade privada, e às disposições
previstas no CPA relativas ao desvio de poder e aos vícios de forma por
incumprimento. Numa primeira fase irei apresentar os elementos que fazem parte
da componente fáctica, isto é, os factos que assumiram um relevo preponderante
na decisão proferida pelo tribunal. Posteriormente irei fazer uma alusão à
matéria de direito. Para finalizar irei proceder a uma análise crítica,
objetiva e assente numa reflexão face à decisão proferida no presente acórdão.
Reportamo-nos ao dia,14 de janeiro de 1998, que ficou marcado pela ida de um
fiscal municipal, à Herdade, já lá, este constatou que tinha havido um corte no
caminho, o que provocou, consequentemente a sua indisponibilidade para ser
utilizado como um “caminho ponte” face às restantes Herdades a par da
acessibilidade que conferia às estradas nacionais. O vereador da Câmara
Municipal de Monte-o- Mor ( recorrido) ordenou a notificação, figura prevista
nos ARTS 110 a 114 do CPA, do sócio gerente da sociedade A ( recorrente) com o
objetivo deste restabelecer as condições necessárias para assegurar a reposição
do caminho em termos do seu estado originário, isto é, o caminho existente
anteriormente à prática do corte visto que o mesmo era tido como sendo público.
A requerente (A) considera que o caminho se insere no âmbito da propriedade
privada. Apesar dessa afirmação dotada de plena convicção, o serviço
responsável pela fiscalização procedeu à elaboração de uma conjuntura de
critérios para averiguar se o caminho pertenceria ao domínio público ou domínio
privado. O serviço consagrou 3
critérios, nomeadamente:
1. Averiguação da utilização do caminho; aspeto fisiológico e das características
do caminho. A fiscalização chegou à conclusão que o mesmo era
frequentemente utilizado como um percurso regular. Assim sendo, afastava-se
consideravelmente a hipótese de estar sob a alçada do domínio da propriedade
privada, alegada pela requerente (A).
2. Determinar a opinião do público face a se estas tinham o caminho como
se este fosse livre e estivesse disponível ao acesso do público geral.
Após um inquérito realizado a uma generalidade de pessoas locais foi confirmado
que o caminho sempre existiu e foi tido pelos seus utilizadores como sendo de
livre acesso sem quaisquer restrições em termos de acessibilidade.
3. Durabilidade da utilização deste caminho. A conclusão veio
demonstrar que a sua utilização não era recente e que tudo apontava para que a
sua representividade no tempo fosse relevante.
Com base nos critérios
apresentados e comprovados, o serviço de fiscalização veio determinar que o
caminho deveria ser tido como pertencente ao domínio público, ao domínio
estadual e consequentemente estaria fora do foro privado. No dia 28 de Janeiro
de 1998 a Câmara Municipal de Montemor-o- Novo deliberou quanto à natureza
jurídica do caminho, e aprovou com base no disposto no artigo 51º/4 alínea e) da
Lei das Autarquias Locais e do disposto no artigo 38º da Lei 2110 de 19 de
Agosto de 1961, (corresponde atualmente à Lei nº75/2013 de 12 de Setembro).
Esta disposição determinava que o caminho pertencia ao domínio público, sendo
por isso necessário integrá-lo no registo das vias municipais. A recorrente
impugnou o sentido deliberativo da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo alegando
por isso, que a decisão padeceria de determinados vícios. Determinar o caminho
como inserido no domínio público e proceder ao seu registo nas vias municipais
demonstra uma incompetência absoluta, usurpação de poderes, violação da lei por
ofensa ao disposto no artigo 62 CRP, e devido ao erro nos pressupostos de facto
e de direito apresentados. Após a verificação dos factos é necessário verificar
a matéria de direito, diretamente ligada à impugnação da recorrente, (A) da
deliberação realizada pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo. A recorrente
alega que a decisão proferida acerca da natureza do caminho não pertence à
Câmara Municipal nem tão pouco à administração pública, na medida que está em
causa um poder decisório onde surgem implicitamente conflitos de interesses.
Assim sendo, caberá ao Tribunal, na qualidade de órgão competente dirimir o
litigio e optar pelo interesse que considere mais relevante. Alega ainda que a
referida questão levantada extravasou a esfera de atribuições do tribunal o que
consequentemente traduz a nulidade do ato que nas palavras do Professor Diogo
Freitas do Amaral compreende, “ a forma mais grave de invalidade que tem os
seguintes traços característicos, o ato é totalmente ineficaz desde o inicio, é
insanável, os atos podem ser alvo de reforma ou conversão ART 164/4 CPA, os
particulares e funcionários públicos têm o direito de desobedecer a ordens que
constem de um ato nulo e a sua impugnação não está sujeita a prazo ART 162/2
CPA e ART 58/1 do CPTA”, devido ao vício a que está associada a usurpação
de poderes, que nas palavras do mesmo professor pode ser definida como ” o
vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um ato incluído
nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador, ou do poder judicial,-
e, portanto excluído das atribuições do poder executivo” Para encerrar, a recorrente
(A) invoca que as normas utilizadas pela Câmara Municipal para invocar a
competência de declaração da natureza do caminho, não detêm o alcance necessário,
na medida em que não são normas de atribuição de competência, para dirimir os
litígios intimamente ligados à natureza do caminho em questão. Face aos, vícios
apresentados pela recorrente (A) paralelamente à argumentação apresentada por
esta, o Supremo Tribunal Administrativo, declarou nula a deliberação da Câmara
Municipal de Montemor-o- Novo no dia 28 de Janeiro de 1998.
REFLEXÃO FINAL
Tendo em consideração os factos e
os fundamentos por de trás da decisão, considero que o Supremo Tribunal
Administrativo se pronunciou da melhor forma. Relativamente ao poder de
decisão, e de dirimir do conflitos de interesses, será necessário averiguar a
quem compete este ato, se cabe à função administrativa ou jurisdicional. A
jurisprudência manifesta-se numa diversidade de sentidos pelo que para ser
possível determinar uma solução têm de ser valorados os interesses em questão e
a finalidade prosseguida pela própria decisão. Cabe à função jurisdicional
resolver os litígios entre os privados. Caberá à função administrativa , ainda
que esta tenha de ter em consideração os interesses alheios, dedicar-se a questões
que estejam diretamente conectadas com a prossecução do interesse público. Com
base na jurisprudência que anteriormente já se pronunciou sobre esta questão,
defendo que a competência para averiguar qual a natureza do caminho deverá
pertencer à função jurisdicional e não à função administrativa, devido aos
interesses presentes no caso. (ART 202 CRP). A prática do ato não pertencia à
administração mas sim à função jurisdicional, pelo que há uma intromissão da
administração na esfera de competência dos Tribunais. O vício subjacente a este
ato deverá ser tido como usurpação de poderes, assim sendo este determina a
nulidade da deliberação da Administração, como o que se encontra estabelecido
no artigo 133º/2 alínea a) CPA. O enquadramento das normas invocadas pela
Administração em relação à lei das Autarquias Locais e da Lei nº18/91 de 12 de
junho que compreende a fonte originária de atribuição de competência da Câmara
Municipal. Destas normas apenas extraímos que a deliberação deve ser feita pela
Administração Pública que tem como objetivo primordial a prossecução do
interesse público, como prevê o ART 4 CPA e o ART 266/1 CRP. Concluo portanto
que a razão está com o Supremo Tribunal Administrativo que formulou uma decisão
adequada visto que perante os elementos fácticos e de direito reunidos, é
claramente notório que houve uma usurpação de poderes, na medida em que a
Administração interferiu diretamente numa competência que pertencia à função
jurisdicional, o que viola o disposto no ART 3/1 CPA e o ART 266/2 CRP.
Ana Corte Real, aluna Nº 56945; Subturma 14, Turma B
Bibliografia:
II. Manual de Direito Administrativo, Professor Diogo Freitas do Amaral, edição 2015, volume I
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