Sunday, April 8, 2018

A relação entre o Poder Vinculado e o Poder Discricionário


Segundo o princípio da legalidade, a Administração está sujeita à lei. No entanto, o poder discricionário representa a liberdade de apreciação concedida a um órgão administrativo, permitindo que este escolha, numa série de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça mais adequado à satisfação da necessidade pública específica prevista na lei.

“Para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão.” (1)

O Professor Diogo Freitas do Amaral começa por referir que existem duas perspetivas diferentes adoptadas pela doutrina, para definir os dois conceitos: a perspetiva dos poderes da Administração e a perspetiva dos actos da Administração.

Em relação à perspetiva dos poderes, refere que o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respetivo titular, a escolha da solução concreta mais adequada; e será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adoptar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.

Quanto à perspetiva dos atos, afirma que de uma forma mais simplificada se fala em atos vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados, e em atos discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.

O Professor Freitas do Amaral faz uma consideração importante quando refere que, não existem atos totalmente vinculados, nem atos totalmente discricionários, ou seja, os atos administrativos são sempre uma mistura ou combinação dos dois, sendo vinculados em relação a certos aspetos e discricionários em relação a outros.

O professor dá o exemplo no caso do ato tributário, como a liquidação do imposto. Quando a lei atribui um prazo à Administração pública para a Administração fiscal fazer a liquidação direta dos impostos e declarar ao contribuinte qual o montante que ele tem de pagar, a título de um determinado imposto, estamos perante um caso de discricionariedade parcial e não total, uma vez, que como referi acima, não existem atos totalmente discricionários, ou seja, neste caso concreto, o ato tributário estará sempre parcialmente vinculado aos ditames previamente estabelecidos pela lei.

O Professor Vasco Pereira da Silva critica a concepção do Professor Freitas do Amaral, uma vez que este último continua a caracterizar o poder discricionário como um poder livre, o que não corresponde à realidade. A Administração não tem liberdade, a Administração atua de acordo com as regras de competência e atua nos termos que são definidos no quadro das diferentes leis. A decisão administrativa tem de respeitar diversos princípios gerais do Direito, vinculativos da atividade da Administração, como a proporcionalidade, igualdade, imparcialidade, entre outros. Portanto a discricionariedade nunca poderá ser total.

“Na discricionariedade, a lei não dá ao órgão administrativo competente, liberdade para escolher qualquer solução que respeite a competência e o fim legal, antes o obriga a procurar a melhor solução que satisfaça o interesse público de acordo com os princípios jurídicos que condicionam ou orientam a sua atuação” (2)

Hoje o poder discricionário não é um poder inato e sim, um poder derivado da lei: só existe quando a lei o confere, só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribui, só pode ser exercido para o fim estabelecido previamente pela lei e deve ser exercido de acordo com certos princípios jurídicos de atuação, não tão intensos como aqueles através dos quais se controla o exercício dos poderes vinculados, como refere o Professor Freitas do Amaral, mas ainda assim, suficientemente intensos para se puder falar num controlo jurisdicional consistente do exercício do poder discricionário.

Quanto aos limites ao poder discricionário, os principais limites são mesmo os limites legais, ou seja, os limites que resultam da própria lei. Além disso, também os princípios constitucionais relativos ao exercício da actividade administrativa (artigo 266, nº1 da CRP) limitam qualquer decisão administrativa discricionária.

Relativamente ao controlo da actividade da Administração, podemos encontrar 4 tipos de controlo primordiais, entre os quais:

- Controlo da legalidade- aquele que visa determinar se a Administração respeitou ou violou a lei;

- Controlo de mérito- aquele que visa avaliar o bem fundado nas decisões da Administração, independentemente da sua legalidade e, portanto apurar se foram financeiramente convenientes, socialmente oportunas e tecnicamente corretas.

- Controlo administrativo- realizado por órgãos da Administração;

- Controlo jurisdicional- aquele que é efetuado por tribunais.

A impugnação de um ato discricionário pode ter como fundamento, a incompetência; o vício de forma; a violação da lei, tal como a violação de princípios constitucionais (tais como a igualdade, proporcionalidade, boa fé, justiça e imparcialidade, como vimos acima) e ainda com o fundamento em quaisquer erros da vontade. Podemos concluir que o “desvio de poder” não é, pois, como normalmente se diz, a única ilegalidade possível no exercício de poderes discricionários, é sim, apenas a ilegalidade típica de poderes discricionários.

Bibliografia:

[1] Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral, 2ª Edição, 2011, pg. 88

[2] Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral, 2º Edição, 2011, pg. 91

Maria Margarida Testos, nº27798

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