Sunday, April 8, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; Processo 57/14.7YFLSB de 16/02/2014


Princípios constitucionais como limitação do elemento discricionário da atuação da Administração Pública

A discussão sobre a existência, ou falta de uma, atuação livre por parte da Administração Publica é um debate que se vem a prolongar ao longo do tempo. Por outro lado, não é uma questão controvertida para o Direito de que a Administração está, de facto, sujeita ao princípio da legalidade. No entanto, é impossível de ser negado o facto de que o legislador não é capaz de prever todas as situações em que a Administração Pública pudesse intervir e, mesmo nas situações em que o legislador conseguiu formular algum tipo de regulação sobre a matéria incidente, a tarefa de determinar todos os aspetos e caraterísticas da situação em questão não seria possível. É de certa forma nesta temática que surgem os conceitos de atos administrativos vinculados e atos administrativos discricionários.  
Para prosseguir à análise do acórdão é necessário um entendimento prévio da sobre esta matéria e uma contextualização histórica do conceito de legalidade e a sua consequente evolução. Durante o período histórico do liberalismo a atuação da Administração Pública era circunscrita aos limites impostos pelas leis emanadas pelo órgão parlamentar. No entanto, em tudo o que não fosse regulado pela lei em sentido formal, a atuação da administração seria livre – e neste momento é possível formular uma distinção entre atos administrativos vinculados e discricionários, em função da existência de liberdade de atuação. Nos atos administrativos vinculados a atuação da administração é regida pelos parâmetros que provêm da lei esta atuação é passível de controlo jurisdicional, enquanto que nos atos administrativos discricionários operam critérios de juízo, livres de qualquer restrição legal ou controlo por parte dos tribunais. Em Portugal, o Professor Marcello Caetano, apologista desta corrente ideológica, entendia a discricionariedade da administração pública como uma exceção ao princípio da legalidade (uma atuação livre do Direito).
No entanto, esta construção tradicional é na atualidade uma realidade bastante anacrónica na medida em que, tanto o conceito de legalidade como o de discricionariedade sofreram grandes alterações a nível doutrinário. No que diz respeito ao princípio da legalidade, que estava concebido numa lógica bastante formal durante o liberalismo, foi sujeito a uma expansão do seu escopo, deixando de estar apenas restrito às leis emanadas pelo Parlamento e passando a estar sujeito a todo o universo do Direito (Constituição, Direito Europeu, Direito Internacional e Princípios da Ordem Jurídica Interna). Dá-se a transição para um conceito de legalidade material (ou de juridicidade).
Em simultâneo o conceito da atuação discricionária da Administração também sofreu alterações, na medida em que já não de entende como uma atuação livre do Direito. Em primeiro lugar cabe apresentar o contributo do professor Freitas do Amaral que aboliu a ideia de atos discricionários e atos vinculados, na medida em que nenhum ato administrativo é na sua totalidade apenas vinculado ou discricionário. O professor Freitas do Amaral afirma que num ato discricionário existem elementos vinculados e discricionários, permitindo um controlo jurisdicional na vertente vinculada do ato em questão. Com avanços doutrinários, nomeadamente pelo Professor Sérvulo Correio e posteriormente o professor Vasco Pereira da Silva, é possível dividir o poder discricionário em três momentos, teoricamente distintos, mas que na vida pratica podem coincidir no mesmo momento: o momento de interpretação da lei, o de margem de apreciação e por fim o de margem de decisão.
A interligação dos dois conceitos remonta para a ideia de que a atuação da Administração nunca é verdadeiramente livre. Mesmo em situações em que a Administração pública exerce o seu poder discricionário a sua atuação é condicionada por princípios constitucionais, por não estar apenas condicionada às leis do órgão parlamentar, mas sim restrita a todo o ordenamento jurídico. Por isso a atuação da administração nunca se poderá caracterizar enquanto livre, como outrora havia sido, porque mesmo existindo uma margem de decisão da Administração essa escolha terá sempre de estar em conformidade com o sistema jurídico.
Em questão está um acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referente a um recurso contencioso onde previamente o Conselho Superior de Magistratura tinha, no exercício do seu poder discricionário, recusado a concessão de uma licença, devido à interpretação do conceito indefinido de “interesse público”. O problema colocou-se devido ao facto de a concessão de licença no caso em questão não teria sido concedida apesar de anteriormente em casos semelhantes, a mesma licença haveria sido concedida. A decisão de conceder a licença cabe no escopo de situações onde a Administração Pública tem, de facto, um poder discricionário, mas com foi anteriormente referido, esta faculdade não é uma decisão livre. Sendo o Conselho Superior de Magistratura um órgão do Estado com funções administrativas, está sujeito às regras que pautam a Administração Pública. Ao exercer o seu poder discricionário a Administração está ainda sujeita a princípios, na medida em que o propósito da atuação da Administração é a concretização é a concretização da vontade do legislador e da ordem jurídica e do Direito enquanto todo. Neste caso foi considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça que houve claramente uma violação do Princípio da Igualdade, mediante a falta de uma justificação plausível para a não concessão da licença que havia sido requerida e do Princípio da Proporcionalidade, na medida em que a administração neste caso poderia ter optado por medidas menos gravosas ao recorrente.
Apurados os factos, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça foi no sentido de considerar a atuação do Conselho Superior de Magistratura, de mau uso do poder discricionário, inconstitucional por violação do art.266º da Constituição da República Portuguesa e ilegal devido à violação do disposto no art.5º/1 do Código de Procedimento Administrativo. Estes desvalores levaram a que o ato praticado tenha sido anulado, não podendo substituir-se no papel da Administração. No entanto o Supremo Tribunal de Justiça apela à reapreciação do requerimento feito e que, o Conselho Superior de Magistrados proceda ao deferimento de concessão da licença.

Bibliografia:
SÉRVULO –Legalidade   e   Autonomia   Contratual   nos   Contratos Administrativos, Almedina, 2013
FREITAS  DO  AMARAL,  DIOGO –Curso  de Direito  Administrativo,  volume  II, Almedina, 2016, 3a Edição
MELO   RIBEIRO,   MARIA   TERESA   DE –O   princípio   da   imparcialidade   da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1996
SOUSA,  MARCELO  REBELO  DE  /  MATOS,  ANDRÉ  SALGADO  DE –Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, 2004


Álison Costa nº56943
2º ano - Turma B / Subturma 14

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