Princípios constitucionais como limitação do elemento discricionário da atuação da Administração Pública
A
discussão sobre a existência, ou falta de uma, atuação livre por parte da
Administração Publica é um debate que se vem a prolongar ao longo do tempo. Por
outro lado, não é uma questão controvertida para o Direito de que a
Administração está, de facto, sujeita ao princípio da legalidade. No entanto, é
impossível de ser negado o facto de que o legislador não é capaz de prever
todas as situações em que a Administração Pública pudesse intervir e, mesmo nas
situações em que o legislador conseguiu formular algum tipo de regulação sobre
a matéria incidente, a tarefa de determinar todos os aspetos e caraterísticas
da situação em questão não seria possível. É de certa forma nesta temática que
surgem os conceitos de atos administrativos vinculados e atos administrativos discricionários.
Para
prosseguir à análise do acórdão é necessário um entendimento prévio da sobre
esta matéria e uma contextualização histórica do conceito de legalidade e a sua
consequente evolução. Durante o período histórico do liberalismo a atuação da
Administração Pública era circunscrita aos limites impostos pelas leis emanadas
pelo órgão parlamentar. No entanto, em tudo o que não fosse regulado pela lei
em sentido formal, a atuação da administração seria livre – e neste momento é possível
formular uma distinção entre atos administrativos vinculados e discricionários,
em função da existência de liberdade de atuação. Nos atos administrativos
vinculados a atuação da administração é regida pelos parâmetros que provêm da
lei esta atuação é passível de controlo jurisdicional, enquanto que nos atos
administrativos discricionários operam critérios de juízo, livres de qualquer
restrição legal ou controlo por parte dos tribunais. Em Portugal, o Professor
Marcello Caetano, apologista desta corrente ideológica, entendia a discricionariedade
da administração pública como uma exceção ao princípio da legalidade (uma
atuação livre do Direito).
No
entanto, esta construção tradicional é na atualidade uma realidade bastante
anacrónica na medida em que, tanto o conceito de legalidade como o de
discricionariedade sofreram grandes alterações a nível doutrinário. No que diz
respeito ao princípio da legalidade, que estava concebido numa lógica bastante
formal durante o liberalismo, foi sujeito a uma expansão do seu escopo, deixando
de estar apenas restrito às leis emanadas pelo Parlamento e passando a estar
sujeito a todo o universo do Direito (Constituição, Direito Europeu, Direito
Internacional e Princípios da Ordem Jurídica Interna). Dá-se a transição para
um conceito de legalidade material (ou de juridicidade).
Em simultâneo
o conceito da atuação discricionária da Administração também sofreu alterações,
na medida em que já não de entende como uma atuação livre do Direito. Em
primeiro lugar cabe apresentar o contributo do professor Freitas do Amaral que
aboliu a ideia de atos discricionários e atos vinculados, na medida em que
nenhum ato administrativo é na sua totalidade apenas vinculado ou discricionário.
O professor Freitas do Amaral afirma que num ato discricionário existem
elementos vinculados e discricionários, permitindo um controlo jurisdicional na
vertente vinculada do ato em questão. Com avanços doutrinários, nomeadamente
pelo Professor Sérvulo Correio e posteriormente o professor Vasco Pereira da
Silva, é possível dividir o poder discricionário em três momentos, teoricamente
distintos, mas que na vida pratica podem coincidir no mesmo momento: o momento
de interpretação da lei, o de margem de apreciação e por fim o de margem de decisão.
A
interligação dos dois conceitos remonta para a ideia de que a atuação da
Administração nunca é verdadeiramente livre. Mesmo em situações em que a
Administração pública exerce o seu poder discricionário a sua atuação é condicionada
por princípios constitucionais, por não estar apenas condicionada às leis do
órgão parlamentar, mas sim restrita a todo o ordenamento jurídico. Por isso a
atuação da administração nunca se poderá caracterizar enquanto livre, como
outrora havia sido, porque mesmo existindo uma margem de decisão da
Administração essa escolha terá sempre de estar em conformidade com o sistema jurídico.
Em
questão está um acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referente a um
recurso contencioso onde previamente o Conselho Superior de Magistratura tinha,
no exercício do seu poder discricionário, recusado a concessão de uma licença,
devido à interpretação do conceito indefinido de “interesse público”. O
problema colocou-se devido ao facto de a concessão de licença no caso em questão
não teria sido concedida apesar de anteriormente em casos semelhantes, a mesma
licença haveria sido concedida. A decisão de conceder a licença cabe no escopo
de situações onde a Administração Pública tem, de facto, um poder
discricionário, mas com foi anteriormente referido, esta faculdade não é uma decisão
livre. Sendo o Conselho Superior de Magistratura um órgão do Estado com funções
administrativas, está sujeito às regras que pautam a Administração Pública. Ao
exercer o seu poder discricionário a Administração está ainda sujeita a princípios,
na medida em que o propósito da atuação da Administração é a concretização é a
concretização da vontade do legislador e da ordem jurídica e do Direito enquanto
todo. Neste caso foi considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça que houve
claramente uma violação do Princípio da Igualdade, mediante a falta de uma
justificação plausível para a não concessão da licença que havia sido requerida
e do Princípio da Proporcionalidade, na medida em que a administração neste
caso poderia ter optado por medidas menos gravosas ao recorrente.
Apurados
os factos, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça foi no sentido de
considerar a atuação do Conselho Superior de Magistratura, de mau uso do poder
discricionário, inconstitucional por violação do art.266º da Constituição da República
Portuguesa e ilegal devido à violação do disposto no art.5º/1 do Código de
Procedimento Administrativo. Estes desvalores levaram a que o ato praticado tenha
sido anulado, não podendo substituir-se no papel da Administração. No entanto o
Supremo Tribunal de Justiça apela à reapreciação do requerimento feito e que, o
Conselho Superior de Magistrados proceda ao deferimento de concessão da licença.
Bibliografia:
SÉRVULO –Legalidade e
Autonomia Contratual nos
Contratos Administrativos, Almedina, 2013
FREITAS
DO AMARAL, DIOGO –Curso
de Direito Administrativo, volume
II, Almedina, 2016, 3a Edição
MELO
RIBEIRO, MARIA TERESA
DE –O princípio da
imparcialidade da Administração
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SOUSA,
MARCELO REBELO DE
/ MATOS, ANDRÉ
SALGADO DE –Direito
Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, 2004
Álison Costa nº56943
2º ano - Turma B / Subturma 14
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