Sunday, April 29, 2018

Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte; Processo 01414/10.3BEPRT; Data:21/12/17; Relator: Ana Patrocínio; Direito do Contraditório e Nulidade Processua



O caso em julgado é relativo à pessoa coletiva X, que  interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 17/05/2017, que julgou improcedente a Oposição à execução fiscal n.º 1902200901102109, instaurada por dívidas de IVA e de juros compensatórios dos anos de 2005 a 2007. A recorrente alegou a ilegalidade da liquidação do imposto a inexistência ou falsidade do título executivo, pois assenta apenas em documentos que não foram notificados à recorrente, pelo que, a mesma considera que tal gera nulidade processual. Continua a mesma dizendo que a Fazenda Pública não demonstrou que notificou a recorrente da liquidação do imposto sob apreciação e que este não foi pago voluntariamente no prazo legal, nem foi apresentada reclamação ou impugnação, e tal facto competia ao Órgão, de forma a justificar a extração de certidão para a execução. Só assim se poderia concluir se a certidão de dívida teria sido, ou não, extraída após o decurso do prazo legal para o pagamento voluntário do imposto. Uma vez que não houve contra-alegações, o Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, cumprindo ao Tribunal em causa apreciar e decidir.

O mesmo afirma que “antes de a mesma ter sido proferida, ter ocorrido violação do princípio do contraditório por, alegadamente, não terem sido notificados à Recorrente os documentos que acompanharam a informação oficial e que se encontram juntos aos autos.” O princípio do contraditório tem consagração constitucional (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e significa que “nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. “No que respeita especificamente à produção de provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial”. No Direito Administrativo, este princípio é exposto através da Fase da Audiência dos Interessados, arts. 11º e 12º do CPA e arts. 121º a 125º, e também elencados no art. 267º/5 da CRP. Esta fase é obrigatória em todos os tipos de procedimento, uma vez que nos deparamos co um modelo de Administração participada, em que o interessado é associado ao órgão administrativo competente na tarefa de preparar a decisão final. Como afirma, e bem, o Acórdão 358/98 do Tribunal Constitucional “cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade”. Ao nível do processo tributário, e também por respeito ao princípio do contraditório, o artigo 115.º, n.º 3 do CPPT impõe a notificação das informações oficiais ao impugnante logo que juntas. Tal norma é igualmente aplicável ao processo de oposição. Destes normativos legais resulta, sem dúvida, a obrigatoriedade legal de notificação da apresentação de documentos e do teor de informações oficiais em processo judicial tributário, de forma a ser assegurado o princípio do contraditório.

Uma vez que a Recorrente sustenta que a motivação da factualidade provada assenta apenas em documentos que não lhe foram notificados, seria gerada a nulidade processual, como consequência da falta da fase anteriormente referida. Importa então averiguar se foi cometida a nulidade processual invocada pela Recorrente e, em caso afirmativo, quais as respectivas consequências. O Tribunal considerou que, permanecendo a dúvida quanto à notificação à Recorrente do teor dos documentos, seria de considerar que não foram notificados à Recorrente os referidos documentos, que estiveram na base da decisão recorrida e que tal omissão configura uma violação clara do princípio do contraditório. Foi, assim, preterida uma formalidade que a lei prescreve, mas que só produz nulidade quando a lei o declare. Conclui o Tribunal que “ se verifica a nulidade processual invocada, a qual não se encontra sanada, porquanto se reporta a um acto que não se realizou na presença da Recorrente nem do seu mandatário e, por outro lado, a nulidade em causa apenas chegou ao conhecimento da Recorrente com a notificação da decisão recorrida, sendo, assim, tempestiva a sua arguição no recurso jurisdicional de tal decisão.” Tal nulidade processual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes que do acto omitido. A nulidade, prevista no art. 161º e o seu regime no art. 162º do CPA, importa a forma mais grava de invalidade. A mesma é insanável pelo decurso do tempo, art. 162º/1, nem ratificação, art. 164º/1.

A meu ver, a decisão proferia pelo Tribunal foi a mais correta e sensata, pois, com apoio na lei, e de acordo com a interpretação que faço dos professores Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Pereira da Silva, e com incidência na legislação em vigor.

Bibliografia: Amaral, Diogo de Freitas do. (2001) Curso de Direito Administrativo Vol.II. Almedina ediora; Rebelo, Marcelo. Direito administrativo geral -Introdução e princípios fundamentais. Dom Quixote editora

Mariana Deus Vieira, nº 56756, Subturma 14

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