Monday, April 9, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 01357/15, de 28-04-2016


Antes de passar à apreciação crítica do Acórdão penso que seja pertinente fazer uma breve caracterização deste conceito. Deste modo, um Acórdão é um termo jurídico utilizado para definir uma decisão final enunciada pelos órgãos coletivos de um Tribunal, obrigando a que todos ou a maioria estejam de acordo para que a decisão seja aprovada. Acrescento também que sempre que uma decisão foi enunciada por uma instância superior irá servir como modelo para resolver situações análogas. Concluímos assim que, um Acórdão é um acordo entre vários julgadores para chegar a um resultado final e decisivo.

Posto isto, o acórdão em que vai incidir esta exposição é o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), processo nº 01357/15, de 28-04-2016. Os descritores são Carreira Diplomática, Exoneração e Embaixador. Este acórdão expõe a questão relativa à pretensão por parte de “A” (recorrente) em anular o Decreto do Presidente da República, proferido em 21/07/2015, que o exonerou do cargo de Embaixador de Portugal, instaurando uma ação administrativa especial contra a Presidência da República Portuguesa e a Presidência do Conselho de Ministros.

O recorrente alegou que o ato estava ferido, em primeiro lugar, por vício de forma devido à falta de fundamentação, em segundo lugar, por violação do princípio da proteção constitucional do direito à fundamentação e, em último lugar, por falta de notificação.

Ao longo do seu discurso alegatório, o recorrente concluiu que, o ato de exoneração deve ser considerado como um ato de natureza mista, ou seja, de natureza política, na parte que interessa às razões políticas que o determinam, mas também de natureza administrativa na parte que respeita aos direitos do funcionário diplomático afetado, lesado, profissional e familiarmente por aquele ato, mais concretamente, “apesar de publicado sob a forma de decreto e daí poder resultar numa natureza política do ato, a verdade é que este ato de exoneração, no que se refere ao Autor, enquanto funcionário diplomático e, portanto, funcionário público é também um ato administrativo com efeito positivo, na medida em que altera a situação jurídica do Autor”. Concluiu também que na notificação pessoal deveria existir uma fundamentação de modo a afastar a situação de incompetência por parte do diplomata, pois, resultaria numa lesão ao bom nome e reputação do diplomata. Refere também que deveria ter sido notificado pessoalmente ao abrigo do artigo 160º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), em virtude de o ato culminar numa alteração da vida pessoal, familiar e profissional do funcionário diplomático. Por fim, refere que, a natureza do ato se afere pelo seu conteúdo e objeto e não pela sua forma, pelo que deverá ser reconhecia uma natureza mista, consoante os destinatários do efeito do ato, ao ato de exoneração de um Embaixador.

Por outro lado, a Presidência do Conselho de Ministros contestou estas alegações sustentando que, em primeiro lugar, os atos de exoneração dos embaixadores revestem-se de natureza política, em segundo, os atos não careciam de fundamentação e, em último, ainda que os mesmos se considerassem atos administrativos não existiam quaisquer interesses legalmente protegidos, pelo que sempre inexistia o dever de fundamentação.

Nestas circunstâncias, o recorrido contra-alegou concluindo da seguinte forma que, a promoção de embaixadores e, naturalmente, também a sua exoneração, são efetuadas através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos atos políticos, atos de autoridade, que não são objeto de qualquer procedimento administrativo, designadamente de audiência prévia dos interessados, nem carecem de fundamentação. Referiu também que, nos termos da Constituição, os decretos (de promoção e de exoneração a Embaixador) são emanados pelo Governo e assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 201°/3 da CRP e os decretos, após assinados pelo Governo, são assinados pelo Presidente da República, como refere o artigo 134°/b) da CRP, mais especificamente, que a exoneração de um embaixador traduz o “exercício de uma de uma competência política e que, por conseguinte, se trata de um ato que não está subordinado ao dever administrativo de fundamentação, porque tais decisões são tomadas no exercício de competências constitucionais, exercidas por órgãos políticos, de definição e prossecução do interesse geral da política externa e não de mera execução do mesmo.” Deste modo, são considerados atos de pura discricionariedade que não têm de ser precedidos de qualquer procedimento administrativo o que determina que a sua validade não esteja dependente de fundamentação.

Tendo em conta, os vícios apresentados pela recorrente e a respetiva fundamentação, o Supremo Tribunal Administrativo, decidiu julgar a ação totalmente improcedente.
Posto isto, analisando os factos e os fundamentos da decisão, considero que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo foi uma decisão correta, pelas razões que irei, posteriormente, apresentar.

Ao longo da leitura do acórdão podemos concluir que, os grandes tópicos que estão em litígio são os de saber se o decreto que foi emitido pelo Presidente da República é um ato de natureza política, ou um ato de natureza administrativa, ou até mesmo um ato de natureza mista; sendo um ato administrativo, teria de ser acompanhado de uma notificação e consequente fundamentação.

O recorrente defende que estamos perante um ato de natureza mista, tendo que ser considerado um ato administrativo, em virtude de produzir efeitos na sua esfera jurídica pessoal e profissional, pois para além de funcionário diplomata, também é um funcionário público, como refere o artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Parece-me pertinente que, perante as circunstâncias, se proceda a uma breve caracterização do conceito de ato administrativo. Deste modo, seguindo a perspetiva do Professor Diogo Freitas do Amaral, “um ato administrativo é o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. É certo que, à primeira vista, o Decreto do Presidente da República se enquadra no conceito de ato administrativo, em virtude da sua decisão vir a produzir efeitos numa situação individual e concreta, que se concretiza na exoneração do embaixador. Contudo, este não é o melhor entendimento que se pode retirar e esta aproximação é facilmente refutável.

Em primeiro lugar, de acordo com o artigo 21º do DL n.º 121/2011, de 29/12, (Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros), refere que “a nomeação e a exoneração dos titulares dos cargos de embaixador, de outros chefes de missão diplomática e de enviados extraordinários são efetuadas por decreto do Presidente da República, nos termos da Constituição” (n.º 1) e que “a promoção à categoria de embaixador é efetuada, por decreto do Governo, no exercício da função política nos termos da Constituição e da lei.” (n.º 2).

A grande conclusão que se pode retirar é que, os atos de nomeação e de exoneração são de natureza distinta do ato de promoção. Se estes três atos fossem da mesma natureza, não faria sentido que a competência para a promoção, nomeação e exoneração dos embaixadores pertencesse à mesma entidade e não a entidades distintas. Se assim fosse pertenceria ao Governo, por ser ele que dirige a política externa do país.

No mesmo sentido aponta o artigo 135º/a) da CRP (Competência nas relações internacionais), na medida em que, a nomeação e, por conseguinte, a exoneração dos embaixadores são efetuadas por decreto do Presidente da República, sob proposta do Governo. Mais uma vez, é reforçada a ideia de que “exonerar” e “promover” são de natureza distinta, sendo facilmente refutável, o argumento que aponta neste sentido.

Para além disto, a política externa é um assunto de bastante importância para um país, como Portugal. Posto isto, no que toca à representação do país no estrangeiro, a Constituição, no seu artigo 135º/a), faz intervir não um, mas sim dois órgãos de soberania para assim melhor precaver o êxito de tais funções de representatividade externa, resultando numa melhor condução da política externa do país.
Podemos aferir que o ato de exoneração se trata de um ato de natureza política pura. Acrescento também que, nem a Constituição da República Portuguesa nem a Lei Orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, apresentam qualquer tipo de condicionalismo ou balizamento, no que toca à prática de atos de nomeação ou de exoneração. Deste modo, estes atos são praticados no exercício de uma pura discricionariedade, ficando afastada a possibilidade de os caracterizar como atos administrativos, pois, estes estão sujeitos a requisitos e condicionalismos por parte da lei. 

Afirmo também que, não existe qualquer norma legal ou constitucional que limite os critérios norteadores do ato de nomeação e exoneração, chegando à conclusão que se tratam de “critérios” de oportunidade e de estratégia de política externa, excluídos assim do controlo jurisdicional. Assim, em primeiro lugar, o Governo indica o embaixador e, posteriormente, o Presidente da República tem o poder de aceitar ou não essa indicação, é uma realidade pela qual os embaixadores não podem evocar desconhecimento e que têm de se sujeitar quando ingressam a carreira diplomática, deste modo, tratando-se de um ato de natureza política e não administrativa, não está sujeito a qualquer tipo de fundamento, nem justificação.

Posto isto, o argumento relativo à lesão do bom nome e reputação da carreira profissional do recorrente, não é de todo atendível, na medida em que a exoneração do cargo de embaixador, acaba por ser uma consequência do seu ingresso na carreira diplomática, perdendo a sua força como um argumento. Deste modo, sendo o Decreto do Presidente da República que culminou na exoneração do recorrente, não é alvo de um dever de fundamentação que, se encontra previsto nos artigos 151º/1/ d); 152º e 153º do CPA, em virtude de não serem aplicado a atos de natureza política. Acrescento também que, assumindo a decisão de exoneração a forma de despacho, tem publicação obrigatória no Diário da República, como consequência não existe também um dever de notificação, que se encontra nos artigos 114º e 160º do CPA. Assim, estes dois argumentos enunciados pelo recorrente, acabam por perder a sua relevância e plausibilidade.

Em suma, tendo em conta os argumentos utilizados, reforço a ideia que a decisão tomada pelos Juízes que compõem este Tribunal (STA), foi a mais correta, de acordo com as circunstâncias.


BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.

Pedro Maria Morgado da Conceição nº 56884




No comments:

Post a Comment