Antes de passar
à apreciação crítica do Acórdão penso que seja pertinente fazer uma breve
caracterização deste conceito. Deste modo, um Acórdão é um termo jurídico
utilizado para definir uma decisão final enunciada pelos órgãos coletivos de um
Tribunal, obrigando a que todos ou a maioria estejam de acordo para que a
decisão seja aprovada. Acrescento também que sempre que uma decisão foi
enunciada por uma instância superior irá servir como modelo para resolver
situações análogas. Concluímos assim que, um Acórdão é um acordo entre vários
julgadores para chegar a um resultado final e decisivo.
Posto isto, o
acórdão em que vai incidir esta exposição é o Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo (STA), processo nº 01357/15, de 28-04-2016. Os descritores são Carreira
Diplomática, Exoneração e Embaixador. Este acórdão expõe a questão relativa à
pretensão por parte de “A” (recorrente) em anular o Decreto do Presidente da
República, proferido em 21/07/2015, que o exonerou do cargo de Embaixador de
Portugal, instaurando uma ação administrativa especial contra a Presidência da
República Portuguesa e a Presidência do Conselho de Ministros.
O recorrente alegou que o ato estava
ferido, em primeiro lugar, por vício de forma devido à falta de fundamentação,
em segundo lugar, por violação do princípio da proteção constitucional do
direito à fundamentação e, em último lugar, por falta de notificação.
Ao longo do seu
discurso alegatório, o recorrente concluiu que, o ato de exoneração deve ser
considerado como um ato de natureza mista, ou seja, de natureza política, na
parte que interessa às razões políticas que o determinam, mas também de
natureza administrativa na parte que respeita aos direitos do funcionário
diplomático afetado, lesado, profissional e familiarmente por aquele ato, mais
concretamente, “apesar de publicado sob a forma de decreto e daí poder resultar
numa natureza política do ato, a verdade é que
este ato de exoneração, no que se refere ao Autor, enquanto funcionário
diplomático e, portanto, funcionário público é também um ato administrativo com
efeito positivo, na medida em que altera a situação jurídica do Autor”. Concluiu
também que na notificação pessoal deveria existir uma fundamentação de modo a
afastar a situação de incompetência por parte do diplomata, pois, resultaria
numa lesão ao bom nome e reputação do diplomata. Refere também que deveria ter
sido notificado pessoalmente ao abrigo do artigo 160º do Código do Procedimento
Administrativo (CPA), em virtude de o ato culminar numa alteração da vida
pessoal, familiar e profissional do funcionário diplomático. Por fim, refere
que, a natureza do ato se afere pelo seu conteúdo e objeto e não pela sua
forma, pelo que deverá ser reconhecia uma natureza mista, consoante os
destinatários do efeito do ato, ao ato de exoneração de um Embaixador.
Por outro lado,
a Presidência do Conselho de Ministros
contestou estas alegações sustentando que, em primeiro lugar, os atos de
exoneração dos embaixadores revestem-se de natureza política, em segundo, os atos
não careciam de fundamentação e, em último, ainda que os mesmos se
considerassem atos administrativos não existiam quaisquer interesses legalmente
protegidos, pelo que sempre inexistia o dever de fundamentação.
Nestas
circunstâncias, o recorrido contra-alegou concluindo da seguinte forma que, a
promoção de embaixadores e, naturalmente, também a sua exoneração, são efetuadas
através de decreto, ou seja, através de uma forma solene de expressão de certos
atos políticos, atos de autoridade, que não são objeto de qualquer procedimento
administrativo, designadamente de audiência prévia dos interessados, nem
carecem de fundamentação. Referiu também que, nos termos da Constituição, os
decretos (de promoção e de exoneração a Embaixador) são emanados pelo Governo e
assinados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro competente em razão da
matéria, de acordo com o artigo 201°/3 da CRP e os decretos, após assinados
pelo Governo, são assinados pelo Presidente da República, como refere o artigo
134°/b) da CRP, mais especificamente, que a exoneração de um embaixador traduz
o “exercício de uma de uma competência política e que, por conseguinte, se
trata de um ato que não está subordinado ao dever administrativo de
fundamentação, porque tais decisões são tomadas no exercício de competências
constitucionais, exercidas por órgãos políticos, de definição e prossecução do
interesse geral da política externa e não de mera execução do mesmo.” Deste
modo, são considerados atos de pura discricionariedade que não têm de ser
precedidos de qualquer procedimento administrativo o que determina que a sua
validade não esteja dependente de fundamentação.
Tendo em conta,
os vícios apresentados pela recorrente e a respetiva fundamentação, o Supremo
Tribunal Administrativo, decidiu julgar a ação totalmente improcedente.
Posto isto,
analisando os factos e os fundamentos da decisão, considero que a decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo foi uma decisão correta, pelas razões que irei, posteriormente, apresentar.
Ao longo da
leitura do acórdão podemos concluir que, os grandes tópicos que estão em
litígio são os de saber se o decreto que foi emitido pelo Presidente da
República é um ato de natureza política, ou um ato de natureza administrativa,
ou até mesmo um ato de natureza mista; sendo um ato administrativo, teria de
ser acompanhado de uma notificação e consequente fundamentação.
O recorrente
defende que estamos perante um ato de natureza mista, tendo que ser considerado
um ato administrativo, em virtude de produzir efeitos na sua esfera jurídica
pessoal e profissional, pois para além de funcionário diplomata, também é um
funcionário público, como refere o artigo 148º do Código do Procedimento
Administrativo (CPA). Parece-me pertinente que, perante as circunstâncias, se
proceda a uma breve caracterização do conceito de ato administrativo. Deste
modo, seguindo a perspetiva do Professor Diogo Freitas do Amaral, “um ato administrativo é o ato jurídico
unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por
lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. É certo
que, à primeira vista, o Decreto do Presidente da República se enquadra no
conceito de ato administrativo, em virtude da sua decisão vir a produzir
efeitos numa situação individual e concreta, que se concretiza na exoneração do
embaixador. Contudo, este não é o melhor entendimento que se pode retirar e
esta aproximação é facilmente refutável.
Em primeiro
lugar, de acordo com o artigo 21º do DL n.º 121/2011, de 29/12, (Lei Orgânica do Ministério dos Negócios
Estrangeiros), refere que “a nomeação
e a exoneração dos titulares dos
cargos de embaixador, de outros chefes de missão diplomática e de enviados
extraordinários são efetuadas por decreto do Presidente da República, nos
termos da Constituição” (n.º 1) e que “a promoção
à categoria de embaixador é efetuada, por decreto do Governo, no exercício da
função política nos termos da Constituição e da lei.” (n.º 2).
A grande
conclusão que se pode retirar é que, os atos de nomeação e de exoneração são de
natureza distinta do ato de promoção. Se estes três atos fossem da mesma
natureza, não faria sentido que a competência para a promoção, nomeação e
exoneração dos embaixadores pertencesse à mesma entidade e não a entidades
distintas. Se assim fosse pertenceria ao Governo, por ser ele que dirige a
política externa do país.
No mesmo sentido
aponta o artigo 135º/a) da CRP
(Competência nas relações internacionais), na medida em que, a nomeação e,
por conseguinte, a exoneração dos embaixadores são efetuadas por decreto do
Presidente da República, sob proposta do Governo. Mais uma vez, é reforçada a
ideia de que “exonerar” e “promover” são de natureza distinta, sendo facilmente
refutável, o argumento que aponta neste sentido.
Para além disto,
a política externa é um assunto de bastante importância para um país, como
Portugal. Posto isto, no que toca à representação do país no estrangeiro, a
Constituição, no seu artigo 135º/a), faz intervir não um, mas sim dois órgãos
de soberania para assim melhor precaver o êxito de tais funções de
representatividade externa, resultando numa melhor condução da política externa
do país.
Podemos aferir
que o ato de exoneração se trata de um ato de natureza política pura. Acrescento
também que, nem a Constituição da República Portuguesa nem a Lei Orgânica do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, apresentam qualquer tipo de
condicionalismo ou balizamento, no que toca à prática de atos de nomeação ou de
exoneração. Deste modo, estes atos são praticados no exercício de uma pura
discricionariedade, ficando afastada a possibilidade de os caracterizar como
atos administrativos, pois, estes estão sujeitos a requisitos e
condicionalismos por parte da lei.
Afirmo também
que, não existe qualquer norma legal ou constitucional que limite os critérios
norteadores do ato de nomeação e exoneração, chegando à conclusão que se tratam
de “critérios” de oportunidade e de estratégia de política externa, excluídos
assim do controlo jurisdicional. Assim, em primeiro lugar, o Governo indica o
embaixador e, posteriormente, o Presidente da República tem o poder de aceitar
ou não essa indicação, é uma realidade pela qual os embaixadores não podem
evocar desconhecimento e que têm de se sujeitar quando ingressam a carreira
diplomática, deste modo, tratando-se de um ato de natureza política e não
administrativa, não está sujeito a qualquer tipo de fundamento, nem
justificação.
Posto isto, o
argumento relativo à lesão do bom nome e reputação da carreira profissional do recorrente, não é de todo atendível, na
medida em que a exoneração do cargo de embaixador, acaba por ser uma
consequência do seu ingresso na carreira diplomática, perdendo a sua força como
um argumento. Deste modo, sendo o Decreto do Presidente da República que
culminou na exoneração do recorrente,
não é alvo de um dever de fundamentação que, se encontra previsto nos artigos
151º/1/ d); 152º e 153º do CPA, em virtude de não serem aplicado a atos de
natureza política. Acrescento também que, assumindo a decisão de exoneração a
forma de despacho, tem publicação obrigatória no Diário da República, como
consequência não existe também um dever de notificação, que se encontra nos
artigos 114º e 160º do CPA. Assim, estes dois argumentos enunciados pelo recorrente, acabam por perder a sua
relevância e plausibilidade.
Em suma, tendo
em conta os argumentos utilizados, reforço a ideia que a decisão tomada pelos Juízes
que compõem este Tribunal (STA), foi a mais correta, de acordo com as
circunstâncias.
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
Pedro Maria Morgado da Conceição nº 56884
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
Pedro Maria Morgado da Conceição nº 56884
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