Monday, April 9, 2018

Princípio da Igualdade



O princípio da igualdade constitui um dos elementos estruturantes do constitucionalismo moderno. O constitucionalismo português teve desde o inicio perceção da importância fundamental do princípio da igualdade. É por isso que o artigo nº13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) o proclama expressamente: “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
O sentido do princípio da igualdade tem evoluído ao longo dos tempos. No constitucionalismo liberal do séc.XIX este princípio incidia na aplicação da lei como forma de impedir os privilégios de tratamento do período feudal. Assim, o princípio da igualdade era entendido numa perspetiva formal, segundo a qual alcançava-se a igualização dos cidadãos através da exigência de aplicação da lei a todos os cidadãos.
Progressivamente, o princípio evoluiu, sendo que hoje em dia, a igualdade perante a lei assenta numa ideia de igualdade na lei ou através da lei. A sua base material é a dignidade social dos cidadãos.
No Direito Administrativo alemão e francês ganhou especial importância a variante do princípio da igualdade na repartição dos cargos públicos pelos cidadãos. Na Alemanha, o princípio surgiu na distinção clássica do pós-2º Guerra Mundial entre “Administração de autonomia” e “Administração prestadora”, sendo um elemento estruturante da “Administração de autonomia”. Na França, a Escola de Bordéus deu os primeiros passos, sendo que o Conselho de Estado materializou este princípio em sede da teoria da responsabilidade da Administração por atos ilícitos.
            Em Portugal, atualmente, a limitação da administração decorre do art.13º CRP, anteriormente enunciado, e mais especificamente do art.266º/2 CRP: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade”. O Código de Procedimento Administrativo (CPA) expressa este princípio no art.6º:
“Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça e língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Este princípio estava anteriormente regulado no artigo 5º, juntamente com o princípio da proporcionalidade. Foram separados e autonomizados, sendo assim tratados com maior rigor e importância.
Na raiz do princípio da igualdade está a o conceito aristotélico de justiça distributiva: dar a cada um aquilo que lhe é devido. Postula assim que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente o que é juridicamente diferente.
Sendo a igualdade em sentido material um conceito relativo entre duas situações, importa que o elemento relacionador, característico de tais situações, nelas se encontre presente. Tais situações serão consideradas iguais (ou desiguais) consoante o elemento relacionador nelas se verifique ou não verifique.
O princípio da igualdade não pode ser interpretado de forma absoluta e abstrata. É preciso é que as situações sejam iguais nos aspetos relevantes à atuação administrativa e ao fim legalmente conferido à administração. Por isso, a igualdade não é só factícia, mas também de qualificação jurídica.
O princípio de igualdade funciona como limite interno da atividade discricionária da Administração, ou seja, é um princípio negativo de contro­le. É uma proibição de arbítrio sendo inadmissíveis quer a diferenciação de situações iguais ou identidade de trata­mento em situações desiguais sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios objetivos e constitucionais.
O princípio da igualdade tem dois sentidos:
Ø  Sentido positivo: que se trate de forma igual o que deve ser igual, impondo à administração o dever de agir no sentido de corrigir ou e evitar desigualdades.
Ø  Sentido negativo: que não se trate desigualmente o que dever ser igual, tendo a administração o dever de não agir de modo que introduza desigualdades.
Quanto ao conteúdo, o princípio da igualdade projeta-se fundamentalmente em duas direções: proibição de discriminação e obrigação de diferenciação.
a)      Proibição de discriminação – é proibido o tratamento igual ao que deve ser diferente e a diferenciação do que deve ser igual. Assim sendo, no sentido negativo, a administração tem o dever de não agir, ou seja, não introduzir desigualdades no que deve ser igual e não introduzir igualdades no que deve ser desigual. No sentido positivo, a administração estabelece identidade de tratamento no que deve ser igual e tem o dever de impedir que outrem trate desigualmente o que deve ser igual.
Para se verificar se uma medida administrativa é ou não discriminatória, esquematicamente o iter cognitivo é:
11)      Primeiro averiguar o fim da medida administrativa.
22)      Estabelecer os fatores objeto de tratamento idêntico ou diferenciado.
33)    Concluir se para a realização do fim pretendido é ou não razoável proceder àquela identidade ou distinção de tratamento: se for razoável não há violação do princípio da igualdade; se não há violação do princípio da igualdade.
b)     Obrigação de diferenciação – parte da ideia de que a igualdade não é absoluta e cega sendo preciso introduzir diferenciações necessárias para atingir a igualdade substancial. Daí a Constituição e as leis preverem a adoção de medidas administrativas especiais de proteção para os mais desfavorecidos e que merecem maior proteção (classe mais pobres, crianças, terceira idade, entre outros). A obrigação de diferenciação impõe sempre um dever de agir. Assim sendo, no sentido positivo, a administração tem o dever de tratar desigual, sendo igual, o que deve desigual; tratar desigualmente o quem sendo desigual, deve ser igual (discriminação positiva); impedir que outrem tratem igualmente o que deve ser desigual.
Deve a Administração utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios sem qualquer fundamento violadora do princípio da igualdade. Não será ilegal se existirem alterações na dimensão do interesse público prosseguido ou dos interesses dos particulares com eles comprometidos.
O ato vinculado que viole o princípio da igualdade deve ser decretada inválida, por erro nos respetivos pressupostos de direito, se as normas jurídicas que o enformam ou a interpretação que delas foi feita, violar o princípio constitucional da igualdade.
A invalidação de uma medida administrativa com fundamento na violação do princípio da igualdade depende de dois pressupostos: a igualdade ou disparidade entre duas situações entre os tratamentos que tenham recebido. A atividade administrativa, não sendo muito publicitada, torna difícil ter conhecimento duas situações iguais e demonstrar em tribunal que o princípio tenha sido violado.
A relevância prática do princípio da igualdade aumenta exponencialmente se estivermos perante discriminações ocorridas no mesmo contexto procedimental, sendo a maior parte das decisões dos tribunais administrativos de anulação de atos administrativos por violação do princípio da igualdade sobre discriminações em concursos públicos (Ac. STA 24/4/1991, Ac. STA 26/4/1989, Ac. STA 9/4/2002).
A jurisprudência nacional considera que a violação do princípio da igualdade gera a anulabilidade do ato, contudo parte da doutrina (com destaque L.S.Cabral de Moncada) tem defendido que gera a nulidade, pelo menos no casos de violação grosseira e evidente.

Bibliografia:
·         SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral: Introdução e princípios fundamentais, Tomo I. 3º Edição, Dom Quixote Editora, 2008.
·         AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo Vol.II 3º Edição, Almedina, 2017.
·         GONÇALVES, Fernando et al. Novo Código do Procedimento Administrativo - Anotado e Comentado, 5º Edição, 2017.
·         GARCIA, Maria da Glória F.P.D. et al. Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 2016.
Jurisprudência:
·         LISBOA, Tribunal Constitucional. Acórdão nº 549/97, 1 de Outubro de 1997.

Cláudia Monteiro, nº57271 (TB)
Direito Administrativo II

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