Sunday, April 29, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo; Processo: 0542/08; Data: 15-10-2008; Relator: Miranda de Pacheco – Direito de audição



O presente acórdão refere-se a um litígio entre uma sociedade que se dedicava como atividade principal à compra, venda e revenda de bens imobiliários e como atividade secundária à promoção de imóveis, e o serviço de finanças, tendo como conteúdo o pedido de não sujeição à contribuição autárquica de determinados lotes, sendo o mesmo indeferido pelo Chefe do serviço de finanças em virtude de prescrição do prazo, no seu decurso, a impugnante projeta um despacho de indeferimento de reclamação graciosa (no âmbito do procedimento tributário, confrontado com um ato de liquidação da Autoridade Tributária com o qual não se concorde, o contribuinte pode reagir contra o mesmo apresentando a competente reclamação graciosa. Este procedimento impugnatório é meramente administrativo, desenrolando-se entre o contribuinte e a Administração Tributária, visa obter a anulação dos atos tributários com fundamento na sua ilegalidade), de seguida foi notificada para o exercício do direito de audição (artigo 121º CPA), tento deduzido recurso hierárquico, no qual não exerceu o direito de audiência prévia.

Segundo os professores João Caupers e Vera Eiró, a fase da audiência dos interessados, artigo121º CPA, pode ocorrer em qualquer fase do procedimento, constituindo um verdadeiro direito dos interessados que tem de ser assegurado pela Administração antes da tomada de decisão final, a sua falta gera a invalidade da decisão final. Contudo esta invalidade não é pacífica a nível doutrinal, segundo os professores Sérvulo Correia, Vasco Pereira da Silva, Paulo Otero e Marcelo Rebelo de Sousa, a decisão será nula: forma mais grave da invalidade (artigos 161º e 162º CPA), considerando tal como um direito subjetivo público de participação procedimental, um direito fundamental atípico (artigo 161º/2 d) CPA e 17º CRP). Segundo o professor Freitas do Amaral esta não seria reconduzida ao regime da nulidade mas antes de anulabilidade: forma menos grave de invalidade que a nulidade, pois não qualifica o direito subjetivo público de participação procedimental à luz do artigo 17º CRP, no mesmo sentido, o professor Aroso de Almeida, não considera o presente direito como sendo um direito fundamental.

O direito de audição prévia é constitucionalmente protegido no artigo 267º/5, segundo os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, este possui a exigência que as decisões administrativas sejam justas tanto no produto final como no seu procedimento, existindo uma vinculação legal da atividade administrativa nos seus vários momentos de desenvolvimento, sendo que ao lado do controlo judicial, são previstos procedimentos a priori, com o objetivo de evitar a tomada de decisões ilegais ou injustas, constituindo a colaboração ativa dos cidadãos no procedimento administrativo um fator de democratização das decisões. A garantia da participação dos interessados na formação das decisões administrativas implica uma intervenção no processo de formação das mesmas, antes destas serem tomadas, são desta forma inválidas as decisões tomadas sem que os interessados tenham sido chamados a prenunciar-se sobre elas.

Segundo o professor Freitas do Amaral, a participação dos particulares na formação das decisões que lhes dizem respeito (artigo 267º/5 CRP, 12º CPA) constitui um dos princípios fundamentais do procedimento administrativo, este direito genérico de participação manifesta-se sob várias formas sendo a mais relevante o direito de audiência prévia dos particulares relativamente à tomada de decisão que lhes diga respeito (artigo 121º CPA).

Como é igualmente referido no presente acórdão, “A audiência dos interessados” como figura central do procedimento decisório de primeiro grau, representa o cumprimento daquela diretiva constitucional através do direito de audição prévia, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações recursos ou petições. Torna-se assim evidente a importância da participação procedimental dos particulares para a própria determinação do interesse público concreto.

Segundo Lima Guerreiro, o direito de audição é exercido, geralmente uma única vez: finda a instrução e antes da decisão, não podendo ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. Contudo, nos recursos hierárquicos, como procedimentos de 2° grau, só haverá lugar à audiência prévia quando o ato secundário (como aquele que decide o acórdão) se baseie em matéria de facto nova, não considerada na decisão primária.

A justificação do Tribunal foi no sentido de admitir a existência de uma violação que preteriu numa formalidade essencial do procedimento, deste modo, o recurso hierárquico possuía um vício de ilegalidade e como tal deverá ser anulada (artigo 168º CPA), a ocorrência do vício de forma, procedimental, ocorreu em momento posterior à efetivação da liquidação e daí a impossibilidade desse vicio projetar efeitos invalidantes sobre um ato tributário que o antecede. Tal vício poderá anular a decisão administrativa proferida na reclamação, mas o efeito permanecerá, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspeto, ao proferimento de nova decisão na reclamação, sanado o cometido vício procedimental, mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada, pois já tinha sido realizada.

Na minha ótica, o ato da administração deveria ser considerado nulo por violação de uma formalidade essencial do procedimento administrativo, sendo esta um dos seus princípios fundamentais. Concordando com a posição dos professores Sérvulo Correia, Vasco Pereira da Silva, Paulo Otero e Marcelo Rebelo de Sousa, a fase da audiência prévia sendo um direito, é um direito fundamental, não só protegido pelo CPA como pela Constituição, deste modo, o desrespeito por esta fase do procedimento, conduz que o ato não só sofra de ilegalidade como de inconstitucionalidade.

Bibliografia 
 
Almeida, Mário Aroso de. (2015) Teoria geral do Direito administrativo – O novo regime do código do processo administrativo. Almedina editora
Amaral, Diogo de Freitas do. (2001) Curso de Direito Administrativo Vol.II. Almedina ediora
Canotilho, J. J. Gomes; Moreira, Vital. (2010) Constituição da República Portuguesa Anotada Vol. II. Coimbra editora
Eiró, João Caupers Vera. (2016) Introdução ao Direito Administrativo. Âncora editora
Rebelo, Marcelo. Direito administrativo geral -Introdução e princípios fundamentais. Dom Quixote editora

Webgrafia

http://www.deloitte-guiafiscal.com/mrfc/reclamacao-graciosa/

Discente: Marta Barão nº 57219 Turma 2B Subturma 14





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