Estamos
perante um acórdão que tem por objeto o recurso da decisão judicial do TCA-Sul
de 06/04/2006 que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A,
no qual anulou o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, onde é
homologada a lista de classificação final do concurso aberto para preenchimento
de 5 lugares do cargo de Diretor de Finanças-Adjunto, da Direção de Finanças do
Porto, da DGCI, ao qual A se candidatara, ficando posicionada em 9º lugar.
Por
sua vez, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais – agora recorrente –
recorre jurisdicionalmente para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando as
suas conclusões.
O
Acórdão ora recorrido anulou o ato impugnado por considerar que o mesmo padecia
do vício de incompetência por invalidade de delegação de poderes e do vício de
forma invalidante, fundado na preterição de formalidade essencial destinada a
garantir a concretização e observância do princípio da imparcialidade
administrativa.
Neste
sentido, contrariamente ao entendido pelo Tribunal “a quo”, quanto ao vício de
competência, o requerente contrapõe afirmando que não se verifica qualquer
invalidade na delegação de competências do Ministro das Finanças no SEAF
(Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais), por observância do artigo 47º/1
CPA, no seu despacho nº 17933/01. Também, segundo o DL nº 3/80, de 7 de
Fevereiro, os Secretários de Estado exercem, em cada caso, a competência que
lhes for delegada pelo Ministro, tendo essa delegação de poderes ser feita por
despacho publicado pelo Diário da
República (artigo 5º/3 desde DL). No que diz respeito a essa delegação de
poderes, segundo o artigo 47º/1 CPA exige-se a especificação dos poderes a
delegar. Ora, uma vez que se tratam de competências do Ministro das Finanças,
este pode delegar no SEAF as competências que lhe são legalmente conferidas, de
natureza geral, no que diz respeito aos atos a praticar em matéria de gestão de
recursos humanos, da Direção-Geral dos Impostos, de forma a estar devidamente
especificada a delegação efetuada. Assim, a especificação dos poderes
transferidos é, pois, a necessária e suficiente e consubstancia-se no facto de
se dizer que são os de natureza geral, em matéria de gestão de recursos humanos
e da DGCI, do qual resulta claramente especificada a categoria de poderes que o
SEAF passa a poder exercer.
No
que diz respeito a esta matéria, para existir delegação de poderes há três
pressupostos – lei de habilitação (sob pena de nulidade – artigos 36º/2 e 44º/1
CPA): esta lei irá permitir que o delegante possa delegar uma competência ao
delegado. O segundo pressuposto corresponde à exigência de dois elementos subjetivos,
dos quais um seja o delegante e outro o delegado. Importa saber que o ato de
delegação de poderes não corresponde a uma alienação de poderes, uma vez que o
delegante pode orientar e revogar os poderes exercidos pelo delegado (49º/1 e
50º/a) CPA). Logo, o delegante não perde os seus poderes. Terceiro pressuposto é
o ato de delegação propriamente dito.
A
natureza jurídica da delegação de poderes levanta divergência doutrinária,
existindo teses que a tentam explicar. A tese da alienação (conceção mais
antiga, defendida por Rogério E. Soares) diz que a titularidade dos poderes
passa, por força da lei de habilitação, para a esfera de competência do
delegado. A tese da autorização (foi primeiro defendida por André Gonçalves
Pereira e, posteriormente, perfilhada por Marcello Caetano) defende que as
competências do delegante não são alienadas nem transmitidas, sendo a lei de
habilitação o pressuposto que confere competências condicionais ao delegado. O
delegante permite, apenas, ao delegado o exercício dessas competências. Por
último, a tese da transferência de exercício defende que a e delegação
constitui a transferência, não da titularidade dos poderes, mas do exercício
dos mesmos, sendo que a competência do delegado vem da delegação e não da lei
de habilitação.
Ora,
esta última tese é defendida pelo Professor Freitas do Amaral, tendo sido alvo
de algumas críticas, nomeadamente por parte do Professor Paulo Otero afirmando
que, se toda a competência resulta da lei, não é admissível que um órgão
administrativo exerça poderes que lhe são confiados por um ato de natureza
administrativa. Segundo esta doutrina, a lei de habilitação produz dois
efeitos: confere a titularidade e o exercício dos poderes ao delegante e
confere, igualmente, a titularidade ao delegado, sendo essa titularidade vazia,
na medida em que só se torna perfeita com a delegação de poderes.
O
recorrente contencioso não apresentou uma contra-alegação e o Exmo. magistrado
do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu o seu parecer no qual
deverá o recurso merecer provimento, revogando-se, nesta parte, o douto Acórdão
recorrido, na medida em que o Ministro das Finanças delegou na autoridade ora
recorrente os poderes para a prática de todos os atos em matéria de gestão de
recursos humanos, no âmbito da DGCI.
Conclui
que, desta forma, o ato de delegação identifica com precisão suficiente a
extensão e o objeto da delegação de poderes, não havendo, como tal, invalidade
por falta de especificação dos poderes conferidos.
Relativamente
ao vício de forma invalidante, fundado na preterição de formalidade essencial
destinada a garantir a concretização e observância do princípio da
imparcialidade administrativa imposto por lei, o recorrente alega não existirem
exigências de critérios de apreciação da avaliação curricular e respetiva grelha
de ponderação à data do Aviso de abertura do concurso, segundo o artigo 5º/2b)
do DL 204/98, de 11/7 e do artigo 10º/1d) da Lei nº 49/99. Alega ainda que, de
acordo com o último artigo mencionado da Lei nº 49/99, não decorre, de forma
indireta e necessária, a exigência da existência prévia à data limite da
formalização das candidaturas dos critérios de apreciação e ponderação de
avaliação curricular, bem como, do sistema de classificação final, incluindo a
respetiva fórmula. Deste modo, defende não existir qualquer violação ao
princípio da imparcialidade administrativa ou da igualdade.
O
recorrente contencioso não apresentou contra-alegação e o Exmo. Magistrado do
Ministério Público emitiu o seu parecer no sentido em que considerou
improcedente o recurso quanto ao alegado erro de julgamento relativo ao
verificado vício de violação do princípio da imparcialidade, por ofensa do
disposto nos artigos 5º/2b) e 27º/1f) e g), ambos do DL nº 204/98, de 11 de
julho e do artigo 10º/1d) da Lei nº 49/99, de 22 de junho. Deste parecer,
retira-se a conclusão de que o sistema de classificação final, bem como os
critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular, deverão constar
do aviso de abertura do concurso, antes de o júri ter conhecimento do currículo
e demais elementos apresentados pelos candidatos. Para além disso, a violação
do princípio da imparcialidade não depende apenas da prova concreta de atuação
destinada a favorecer alguns dos candidatos, em detrimento dos outros, mas
também de um perigo de lesão de interesse de particular e de atuação parcial.
Conclui,
o Ministério Público, que a atuação do júri do concurso infringiu o princípio
da imparcialidade e as regras concursais constantes dos supra referidos preceitos
legais.
O
Supremo Tribunal Administrativo vem tornar procedentes as conclusões relativas
à delegação de poderes da alegação, na medida em que considera que o ato
contenciosamente impugnado contém suficiente clareza no que diz respeito ao objeto
e extensão da delegação de poderes, não violando o artigo 37º/1 CPA. Por outro
lado, torna improcedentes as conclusões referentes ao princípio da imparcialidade
e às regras concursais.
Relativamente
a esta última parte, o STA decide que, apesar de os critérios de valoração e
ponderação da avaliação curricular, bem como a fórmula de classificação final
terem sido estabelecidos antes da valoração dos elementos apresentados pelos
candidatos, para respeitar o princípio da imparcialidade administrativa,
deveriam tê-lo sido antes do conhecimento da identidade dos candidatos e,
consequentemente, da abordagem dos respetivos currículos, sob pena de o júri
poder fixar critérios e parâmetros de avaliação após o conhecimento das
situações concretas.
O
artigo 5º/1b) do DL nº 204/98 prevê, designadamente, os princípios da
transparência e da imparcialidade administrativa. E, este artigo em conjugação
com o artigo 10º/1d) da Lei nº 49/99 e o artigo 27º/1 da mesma Lei visam
assegurar a isenção, transparência e imparcialidade da atuação administrativa,
de forma a cumprir os princípios enunciados no artigo 266º/2 CRP.
Deste
modo, não basta que o júri se vincule a esses critérios classificativos que
definiu antes das provas que os candidatos terão de prestar, pois, sob pena de
suspeição falta de transparência e de parcialidade, não pode o órgão
estabelecer essas regras e critérios depois de conhecer as candidaturas dos
concorrentes, sendo este último fundamento suficiente para a anulação, mesmo que
se desconheça em concreto a efetiva violação dos interesses de algum dos
concorrentes.
O
princípio da imparcialidade corresponde a um princípio constitucional e está
presente no artigo 266º/2 CRP e no artigo 9º CPA. Trata-se de um limite ao
poder discricionário da Administração, significando que a mesma deve
comportar-se sempre com isenção perante todos os particulares, não privilegiando
nem discriminando ninguém. Apenas cabe à Lei conferir privilégios e impor discriminações,
e não à Administração Pública.
O
princípio da imparcialidade tem uma dimensão
negativa, onde proíbe a Administração de tomar em consideração e ponderar
interesses públicos ou privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam
irrelevantes para a decisão; e uma dimensão
positiva, no qual impõe que, previamente à decisão de um caso concreto, a
Administração tome em consideração e pondere todos os interesses públicos e
privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam relevantes para a decisão.
Da combinação destas duas dimensões resulta que no exercício da sua margem de
livre decisão, a Administração só pode, exclusivamente, ter em conta todos os
interesses públicos e privados que sejam relevantes para a decisão.
A
violação do princípio da imparcialidade tem como traços característicos a
dificuldade de prova e, sobretudo na sua dimensão negativa, o facto de depender
frequentemente de circunstâncias relativas, não à Administração em sentido orgânico,
mas às pessoas singulares que, em concreto, são agentes ou titulares de órgãos
administrativos. Deste modo, existem mecanismos – garantias preventivas de
imparcialidade – que têm como objetivo assegurar que os titulares de órgãos e
agentes administrativos não influenciarão as decisões tomadas em procedimentos
nos quais seria especialmente de recear que se comportassem de modo parcial.
As garantias
de imparcialidade implicam o impedimento
dos titulares de órgãos e agentes quanto à participação em determinados
procedimentos administrativos e na formulação das respetivas decisões. Esta
matéria vem abordada no artigo 69º e ss do CPA.
Em
razão da diferente intensidade do perigo de violação do princípio da
imparcialidade é possível verificar uma diferença no regime jurídico dos
impedimentos que dão origem. Assim, a situação presente no artigo 69º CPA (“casos
de impedimento”) envolve um impedimento absoluto do titular de órgão ou agente.
Já nas situações do artigo 73º CPA (“fundamento da escusa ou suspeição”), não envolvem
uma proibição absoluta, mas apenas relativa, de intervenção do titular de órgão
ou agente no procedimento, tratando-me de um impedimento relativo.
Em
suma, o Supremo Tribunal Administrativo, e a meu ver lógica e satisfatoriamente,
negou o provimento ao recurso jurisdicional, confirmando o acórdão impugnado na
parte em que decidiu pela anulação do ato por violação do princípio da
imparcialidade.
Bibliografia
FREITAS
DO AMARAL, Diogo. Curso de direito
administrativo. Volume II, Lisboa, 1988;
REBELO
DE SOUSA, Marcelo; MATOS, André Salgado. Direito administrativo
geral:introdução e princípios fundamentais. 3ª edição. Lisboa: Dom Quixote,
2008;
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