Monday, April 9, 2018

Análise e comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo Nº 0899/06 de 11/01/2007


Estamos perante um acórdão que tem por objeto o recurso da decisão judicial do TCA-Sul de 06/04/2006 que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A, no qual anulou o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, onde é homologada a lista de classificação final do concurso aberto para preenchimento de 5 lugares do cargo de Diretor de Finanças-Adjunto, da Direção de Finanças do Porto, da DGCI, ao qual A se candidatara, ficando posicionada em 9º lugar.
Por sua vez, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais – agora recorrente – recorre jurisdicionalmente para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando as suas conclusões.
O Acórdão ora recorrido anulou o ato impugnado por considerar que o mesmo padecia do vício de incompetência por invalidade de delegação de poderes e do vício de forma invalidante, fundado na preterição de formalidade essencial destinada a garantir a concretização e observância do princípio da imparcialidade administrativa.
Neste sentido, contrariamente ao entendido pelo Tribunal “a quo”, quanto ao vício de competência, o requerente contrapõe afirmando que não se verifica qualquer invalidade na delegação de competências do Ministro das Finanças no SEAF (Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais), por observância do artigo 47º/1 CPA, no seu despacho nº 17933/01. Também, segundo o DL nº 3/80, de 7 de Fevereiro, os Secretários de Estado exercem, em cada caso, a competência que lhes for delegada pelo Ministro, tendo essa delegação de poderes ser feita por despacho publicado pelo Diário da República (artigo 5º/3 desde DL). No que diz respeito a essa delegação de poderes, segundo o artigo 47º/1 CPA exige-se a especificação dos poderes a delegar. Ora, uma vez que se tratam de competências do Ministro das Finanças, este pode delegar no SEAF as competências que lhe são legalmente conferidas, de natureza geral, no que diz respeito aos atos a praticar em matéria de gestão de recursos humanos, da Direção-Geral dos Impostos, de forma a estar devidamente especificada a delegação efetuada. Assim, a especificação dos poderes transferidos é, pois, a necessária e suficiente e consubstancia-se no facto de se dizer que são os de natureza geral, em matéria de gestão de recursos humanos e da DGCI, do qual resulta claramente especificada a categoria de poderes que o SEAF passa a poder exercer.

No que diz respeito a esta matéria, para existir delegação de poderes há três pressupostos – lei de habilitação (sob pena de nulidade – artigos 36º/2 e 44º/1 CPA): esta lei irá permitir que o delegante possa delegar uma competência ao delegado. O segundo pressuposto corresponde à exigência de dois elementos subjetivos, dos quais um seja o delegante e outro o delegado. Importa saber que o ato de delegação de poderes não corresponde a uma alienação de poderes, uma vez que o delegante pode orientar e revogar os poderes exercidos pelo delegado (49º/1 e 50º/a) CPA). Logo, o delegante não perde os seus poderes. Terceiro pressuposto é o ato de delegação propriamente dito.
A natureza jurídica da delegação de poderes levanta divergência doutrinária, existindo teses que a tentam explicar. A tese da alienação (conceção mais antiga, defendida por Rogério E. Soares) diz que a titularidade dos poderes passa, por força da lei de habilitação, para a esfera de competência do delegado. A tese da autorização (foi primeiro defendida por André Gonçalves Pereira e, posteriormente, perfilhada por Marcello Caetano) defende que as competências do delegante não são alienadas nem transmitidas, sendo a lei de habilitação o pressuposto que confere competências condicionais ao delegado. O delegante permite, apenas, ao delegado o exercício dessas competências. Por último, a tese da transferência de exercício defende que a e delegação constitui a transferência, não da titularidade dos poderes, mas do exercício dos mesmos, sendo que a competência do delegado vem da delegação e não da lei de habilitação.
Ora, esta última tese é defendida pelo Professor Freitas do Amaral, tendo sido alvo de algumas críticas, nomeadamente por parte do Professor Paulo Otero afirmando que, se toda a competência resulta da lei, não é admissível que um órgão administrativo exerça poderes que lhe são confiados por um ato de natureza administrativa. Segundo esta doutrina, a lei de habilitação produz dois efeitos: confere a titularidade e o exercício dos poderes ao delegante e confere, igualmente, a titularidade ao delegado, sendo essa titularidade vazia, na medida em que só se torna perfeita com a delegação de poderes.

O recorrente contencioso não apresentou uma contra-alegação e o Exmo. magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu o seu parecer no qual deverá o recurso merecer provimento, revogando-se, nesta parte, o douto Acórdão recorrido, na medida em que o Ministro das Finanças delegou na autoridade ora recorrente os poderes para a prática de todos os atos em matéria de gestão de recursos humanos, no âmbito da DGCI.
Conclui que, desta forma, o ato de delegação identifica com precisão suficiente a extensão e o objeto da delegação de poderes, não havendo, como tal, invalidade por falta de especificação dos poderes conferidos.

Relativamente ao vício de forma invalidante, fundado na preterição de formalidade essencial destinada a garantir a concretização e observância do princípio da imparcialidade administrativa imposto por lei, o recorrente alega não existirem exigências de critérios de apreciação da avaliação curricular e respetiva grelha de ponderação à data do Aviso de abertura do concurso, segundo o artigo 5º/2b) do DL 204/98, de 11/7 e do artigo 10º/1d) da Lei nº 49/99. Alega ainda que, de acordo com o último artigo mencionado da Lei nº 49/99, não decorre, de forma indireta e necessária, a exigência da existência prévia à data limite da formalização das candidaturas dos critérios de apreciação e ponderação de avaliação curricular, bem como, do sistema de classificação final, incluindo a respetiva fórmula. Deste modo, defende não existir qualquer violação ao princípio da imparcialidade administrativa ou da igualdade.
O recorrente contencioso não apresentou contra-alegação e o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer no sentido em que considerou improcedente o recurso quanto ao alegado erro de julgamento relativo ao verificado vício de violação do princípio da imparcialidade, por ofensa do disposto nos artigos 5º/2b) e 27º/1f) e g), ambos do DL nº 204/98, de 11 de julho e do artigo 10º/1d) da Lei nº 49/99, de 22 de junho. Deste parecer, retira-se a conclusão de que o sistema de classificação final, bem como os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular, deverão constar do aviso de abertura do concurso, antes de o júri ter conhecimento do currículo e demais elementos apresentados pelos candidatos. Para além disso, a violação do princípio da imparcialidade não depende apenas da prova concreta de atuação destinada a favorecer alguns dos candidatos, em detrimento dos outros, mas também de um perigo de lesão de interesse de particular e de atuação parcial.
Conclui, o Ministério Público, que a atuação do júri do concurso infringiu o princípio da imparcialidade e as regras concursais constantes dos supra referidos preceitos legais.

O Supremo Tribunal Administrativo vem tornar procedentes as conclusões relativas à delegação de poderes da alegação, na medida em que considera que o ato contenciosamente impugnado contém suficiente clareza no que diz respeito ao objeto e extensão da delegação de poderes, não violando o artigo 37º/1 CPA. Por outro lado, torna improcedentes as conclusões referentes ao princípio da imparcialidade e às regras concursais.
Relativamente a esta última parte, o STA decide que, apesar de os critérios de valoração e ponderação da avaliação curricular, bem como a fórmula de classificação final terem sido estabelecidos antes da valoração dos elementos apresentados pelos candidatos, para respeitar o princípio da imparcialidade administrativa, deveriam tê-lo sido antes do conhecimento da identidade dos candidatos e, consequentemente, da abordagem dos respetivos currículos, sob pena de o júri poder fixar critérios e parâmetros de avaliação após o conhecimento das situações concretas.
O artigo 5º/1b) do DL nº 204/98 prevê, designadamente, os princípios da transparência e da imparcialidade administrativa. E, este artigo em conjugação com o artigo 10º/1d) da Lei nº 49/99 e o artigo 27º/1 da mesma Lei visam assegurar a isenção, transparência e imparcialidade da atuação administrativa, de forma a cumprir os princípios enunciados no artigo 266º/2 CRP.
Deste modo, não basta que o júri se vincule a esses critérios classificativos que definiu antes das provas que os candidatos terão de prestar, pois, sob pena de suspeição falta de transparência e de parcialidade, não pode o órgão estabelecer essas regras e critérios depois de conhecer as candidaturas dos concorrentes, sendo este último fundamento suficiente para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efetiva violação dos interesses de algum dos concorrentes.
O princípio da imparcialidade corresponde a um princípio constitucional e está presente no artigo 266º/2 CRP e no artigo 9º CPA. Trata-se de um limite ao poder discricionário da Administração, significando que a mesma deve comportar-se sempre com isenção perante todos os particulares, não privilegiando nem discriminando ninguém. Apenas cabe à Lei conferir privilégios e impor discriminações, e não à Administração Pública.

O princípio da imparcialidade tem uma dimensão negativa, onde proíbe a Administração de tomar em consideração e ponderar interesses públicos ou privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam irrelevantes para a decisão; e uma dimensão positiva, no qual impõe que, previamente à decisão de um caso concreto, a Administração tome em consideração e pondere todos os interesses públicos e privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam relevantes para a decisão. Da combinação destas duas dimensões resulta que no exercício da sua margem de livre decisão, a Administração só pode, exclusivamente, ter em conta todos os interesses públicos e privados que sejam relevantes para a decisão.
A violação do princípio da imparcialidade tem como traços característicos a dificuldade de prova e, sobretudo na sua dimensão negativa, o facto de depender frequentemente de circunstâncias relativas, não à Administração em sentido orgânico, mas às pessoas singulares que, em concreto, são agentes ou titulares de órgãos administrativos. Deste modo, existem mecanismos – garantias preventivas de imparcialidade – que têm como objetivo assegurar que os titulares de órgãos e agentes administrativos não influenciarão as decisões tomadas em procedimentos nos quais seria especialmente de recear que se comportassem de modo parcial.
As garantias de imparcialidade implicam o impedimento dos titulares de órgãos e agentes quanto à participação em determinados procedimentos administrativos e na formulação das respetivas decisões. Esta matéria vem abordada no artigo 69º e ss do CPA.
Em razão da diferente intensidade do perigo de violação do princípio da imparcialidade é possível verificar uma diferença no regime jurídico dos impedimentos que dão origem. Assim, a situação presente no artigo 69º CPA (“casos de impedimento”) envolve um impedimento absoluto do titular de órgão ou agente. Já nas situações do artigo 73º CPA (“fundamento da escusa ou suspeição”), não envolvem uma proibição absoluta, mas apenas relativa, de intervenção do titular de órgão ou agente no procedimento, tratando-me de um impedimento relativo.

Em suma, o Supremo Tribunal Administrativo, e a meu ver lógica e satisfatoriamente, negou o provimento ao recurso jurisdicional, confirmando o acórdão impugnado na parte em que decidiu pela anulação do ato por violação do princípio da imparcialidade.

Bibliografia
FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de direito administrativo. Volume II, Lisboa, 1988;
REBELO DE SOUSA, Marcelo; MATOS, André Salgado. Direito administrativo geral:introdução e princípios fundamentais. 3ª edição. Lisboa: Dom Quixote, 2008;

Beatriz Fernandes Nº 57054

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