Tuesday, April 10, 2018

Introdução aos Conceitos e Figuras do Ato, Contrato e Regulamento Administrativo e a sua Evolução


Introdução

Através de um conhecimento conceitual introdutório, contudo, ainda assim, aprofundado, é permitida uma abordagem mais esclarecida e simplificada dos conceitos abordados em matérias futuras, clarificando o real sentido da lei, do jurisprudente e do legislador. Além da importância conceitual, a instrução de alguns pontos da evolução histórica atende à necessidade de conhecer qual o contexto que levou a determinadas conceções hoje afastadas da doutrina e jurisprudência e, indo mais além, atende à necessidade de observar as circunstâncias em que nos encontramos e determinar a melhor solução para os casos concretos, partindo esta da criação de novas normas legislativas ou da mera alteração das normas atuais ou respetivos conceitos base. Sendo os atos, contratos e regulamentos administrativos fundamentais para o normal funcionamento da Administração, tanto nas suas relações internas como externas, é de primordial importância analisar aprofundadamente tais conceitos.


Regulamento Administrativo

Segundo o prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, até à reforma do Contencioso Administrativo de 1984/1985, onde ocorreu uma reação legislativa, vigorou, no que aos regulamentos diz respeito, um sistema de controlo muito limitado.
Na revisão de 1997 estabeleceu-se a garantia de tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares onde se integrou, nesse direito fundamental, o direito dos cidadãos a impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (texto correspondente ao disposto no artigo 268º/5 da CRP).
A criação de mecanismos processuais controladores da validade dos regulamentos e protetores dos direitos dos indivíduos por eles afetados, constitui a base de proliferação de normas jurídicas administrativas emanadas dos respetivos órgãos. Esta, é produto das transformações por que passaram as formas de atuação, em que a multilateralidade surge como a característica mais marcante da Administração do Estado Pós- Social. As decisões administrativas provenientes da Administração prospetiva ou prefigurativa, não dizem respeito a um relacionamento meramente bilateral entre os privados e os órgãos decisores, dizem sim, respeito, a um relacionamento multipolar, produzindo efeitos suscetíveis de afetar um grande número de sujeitos. Atuações de natureza individual não escapam à multilateralidade, ou seja, os atos administrativos de eficácia múltipla, mas que é característica de atuações genéricas, como os instrumentos de planeamento e os regulamentos administrativos.
Mas o que são então, para efeitos processuais, regulamentos administrativos?
Se do ponto de vista teórico a doutrina se divide entre a generalidade (multiplicidade de destinatários) e a abstração (multiplicidade de situações da vida) para caracterizar as normas jurídicas, também o legislador do CPA define o ato administrativo em função da produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (art.120º) não se aplicando as mesmas exigências aos regulamentos administrativos (114º). Assim, no ordenamento jurídico português, só os atos administrativos têm de gozar simultaneamente de individualidade e de concretude, ao invés de que, todas as disposições unilaterais que sejam só gerais ou só abstratas, ou ambas, são de considerar como regulamentos administrativos. Nesta classificação integram-se, também, segundo a lógica do CPA português, os planos.
O conceito de regulamento administrativo, tal como mais alguns conceitos pertencentes ao Direito Administrativo, compreende, então, determinada divergência doutrinária. Segundo o Prof. Diogo Freitas do Amaral, os regulamentos administrativos são normas, gerais e abstratas, que com fundamento na lei, a completam ou desenvolvem, viabilizando a sua aplicação ao caso concreto. São normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada, para tal habilitada por lei (apesar de serem o nível inferior do ordenamento jurídico administrativo, continuam como fontes de direito administrativo), estando previstos no art.135º e seguintes do CPA.
 É importante realçar ainda que os regulamentos podem ter uma forma especial de invalidade e têm um regime próprio suis generis, presente no art.144º do CPA. Esta figura pode ser modificada ou suspensa, cabendo tal, quer aos órgãos que a elaboram, quer aos órgãos hierárquicos superiores com poder de supervisão, quer ao legislador. O limite a esta introdução é o art.119º do CPA.
Os regulamentos podem cessar a sua vigência por caducidade, pelo seu possível cariz temporário, por transferência de atribuições da pessoa coletiva para outra autoridade administrativa, por cessação da competência regulamentar do órgão que fez o regulamento, quando haja revogação da lei que se destina a executar (sem que esta tenha sido substituída por outra) ou por revogação.

Relação dos Regulamentos com a Lei:
 - Regulamentos Complementares/de Execução – desenvolvem ou aprofundam uma disciplina jurídica constante da lei, completando-a e viabilizando a sua aplicação ao caso concreto. Dividem-se em espontâneos ou devidos.
- Regulamentos Independentes/Autónomos – são elaborados pelos órgãos administrativos no exercício da sua competência. Procuram assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem desenvolver ou completar nenhuma lei especial.

 Princípio da Inderrogabilidade Singular dos Regulamentos
Consistindo um limite à atuação da Administração, o Princípio da Inderrogabilidade Singular defende que o regulamento que derroga outro, para um caso concreto e individual, não é um regulamento: é um ato administrativo e, mais do que isso, é um ato administrativo ilegal por violação de regulamento. Este é um dos princípios mais importantes que a esta matéria diz respeito.



Ato Administrativo

Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, ato administrativo não é sinónimo de ato da Administração. Conceito de ato administrativo abrange um grupo de condutas administrativas dotadas de características essenciais idênticas e por isso sujeitas a um regime jurídico comum. Aspetos definidores deste conceito, presente no art.148º, constam do art.120º do CPA: ato administrativo é uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Ou seja, é a aplicação da lei e dos regulamentos às situações da vida real. Para o Prof. Diogo Freitas do Amaral, o ato administrativo é o ato jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada, para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
*É necessário referir que não são atos administrativos os atos jurídicos praticados pela Administração pública no desempenho de atividades de gestão privada, tal como não são atos administrativos, por não traduzirem o exercício do poder administrativo, os atos políticos, os atos legislativos e os atos jurisdicionais, ainda que praticados por órgãos da Administração

Origem e Evolução do Conceito de Ato Administrativo
O modelo do ato administrativo evoluiu a par da evolução dos modelos do Estado. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, a conceção clássica de ato administrativo deve ser rejeitada e o ato administrativo tem de ser reconstruído à luz da realidade atual.
Como se via, então, o ato administrativo em cada momento?

No Estado Liberal – Administração era vista como Administração Agressiva, com o paradigma do ato polícia. 
Otto Mayer: comparava o ato às sentenças (ato que definia o direito aplicável aos particulares no caso particular – definição de direito com forma coativa e que podia ser imposta ao particular).
Hauriou: comparava ato aos negócios jurídicos. O que caracterizava o ato eram os privilégios exorbitantes da Administração – privilégio decisório de definir o direito.
A realidade já não cabe na definição clássica do ato administrativo.

No Estado Social – Administração era vista como Administração Prestadora de bens e serviços, segundo a lógica do ato favorável, que atribui vantagens aos particulares. 

No Estado Pós-Social – Administração era vista como Administração Infraestrutural, uma nova transformação do ato no quadro das relações multilaterais com eficácia múltipla. Nesta fase, os particulares deixam de ser considerados terceiros e tornam-se sujeitos na relação jurídica multilateral, daí se dizer que o ato tem eficácia múltipla.

            Sumariamente, o conceito surgiu com base em necessidades jurisdicionais de fiscalização da atividade administrativa: numa primeira fase (revolução francesa), para subtrair os atos administrativos à jurisdição dos tribunais judiciais; numa segunda fase, ao serviço do sistema de garantias dos particulares.

Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o conceito de ato administrativo deve ser suficientemente amplo para abarcar todos as realidades de atos administrativos dos nossos dias: atos polícia, administração prestadora e administração infraestrutural. Na sua opinião, a noção ampla e aberta do CPA é adequada, sendo a produção de efeitos a chave fundamental do conceito. Atualmente, o conceito serve ainda para delimitar comportamentos suscetíveis de fiscalização contenciosa – art.268.º, nº4 da CRP – com função de garantia dos particulares. A par desta, cumpre ainda uma função procedimental e uma função substantiva (realização no caso concreto da medida geral e abstratamente estabelecida na norma jurídica, vinculada ou discricionariamente).


Natureza jurídica do Ato Administrativo
            Para alguns autores, o ato administrativo tem natureza de negócio jurídico, contudo, para outros, é um ato de aplicação do direito, semelhante a uma sentença judicial. Para um terceiro grupo, é ainda encarado como possuidor de natureza própria e carácter específico, enquanto ato unilateral de autoridade pública ao serviço de um fim administrativo. Esta última posição é a do Prof. Diogo Freitas do Amaral.

            Entre o negócio jurídico e o ato administrativo:
§  O 1.º é figura de Direito Privado, move-se no campo da licitude e assenta na autonomia da vontade, o 2.º de Direito Público, move-se no campo da legalidade e assenta numa vontade normativa.
Entre a sentença e o acto administrativo:
§  O 1.º prossegue um fim de justiça, tem função judicial e resolve conflitos de interesses, o 2.º prossegue um fim administrativo, tem função administrativa e prossegue o interesse público.
Ainda assim, o ato administrativo compreende atos discricionários, semelhantes ao negócio jurídico, e atos vinculados, semelhantes à sentença.


Estrutura do ato administrativo
            A estrutura do ato administrativo compreende quatro elementos:
§  Elementos subjetivos – existência de dois sujeitos de direito na relação: a Administração pública e um particular ou duas pessoas coletivas públicas/privadas.
§  Elementos formais – modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a conduta voluntária em que consiste o ato administrativo.
§  Elementos objetivos – conteúdo e objeto.
§  Elementos funcionais – Comportam a causa, os motivos e o fim.


Principal tipologia dos atos administrativos
Atos primários – versam pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida.
Impositivos - impõem a alguém uma certa conduta ou a sujeição a determinados efeitos jurídicos. Dividem-se em: atos de comando, punitivos, ablativos e em juízos.

Permissivos - possibilitam a alguém a adoção de uma conduta ou omissão de um comportamento que de outro modo lhe estariam vedados. Dividem-se em atos que conferem ou ampliam vantagens (autorização, licença, concessão, delegação, admissão e subvenção) e atos que eliminam ou reduzem encargos (dispensa e renúncia).

Atos secundários versam diretamente sobre um ato primário anterior e, portanto, indiretamente, sobre a situação real subjacente ao ato primário. Dividem-se em atos integrativos, que visam completar atos administrativos anteriores (homologação, aprovação, visto, ato confirmativo e ratificação-confirmativa), saneadores e desintegrativos.


Principais classificações dos atos administrativos
- Quanto ao autor
           Decisões – todos os atos administrativos (art.120.º do CPA).
Deliberações – as decisões tomadas por órgãos colegiais.
Atos simples - provêm de um só órgão administrativo
Atos complexos – atos cuja feitura intervêm dois ou mais órgãos administrativos
            - Quanto aos destinatários
Atos singulares
Atos coletivos
Atos plurais  
Atos gerais
            - Quanto aos efeitos
Atos de execução instantânea - cumprimento esgota-se num ato ou facto isolado
Atos de execução continuada - a sua execução perdura no tempo, tratando-se de uma atividade contínua, de um comportamento constante, de uma série de atos sucessivos.
- Quanto à respetiva localização no procedimento e hierarquia administrativa
Atos definitivos – atos que têm por conteúdo uma decisão horizontal e verticalmente final.
Atos não-definitivos – atos que contenham uma resolução final ou que não sejam praticados pelo órgão máximo de certa hierarquia ou por órgão independente.


Distinção entre regulamento e ato administrativo
            Tanto o ato administrativo como o regulamento administrativo são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade: mas o regulamento, como norma jurídica, é uma regra geral e abstrata e o ato administrativo é individual, reportando-se a uma pessoa, ou algumas pessoas, em concreto.



Contratos Administrativos

Os contratos administrativos estão regulados no art.178º, º1 e 2 do CPA, sendo este conceito bastante distinto do apresentado por Marcello Caetano no CPA de 1936-1940. Sumariamente, esta figura consiste num acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa. Define-se, atualmente, em função da sua subordinação a um regime jurídico de Direito administrativo: serão administrativos os contratos cujo regime jurídico seja traçado pelo direito administrativo.
Na Conceção Tradicional, os contratos administrativos eram diferentes dos contratos de direito privado, contudo, na Conceção Nova, não faz sentido a dicotomia entre contrato de direito público e contrato de direito privado, defendendo-se a criação dum regime comum a toda a contratação. Tal alteração já foi seguida pela maioria dos Estados da União Europeia e, no caso português, o legislador transpôs as diretivas e criou o Código dos Contratos Públicos, onde incluiu os contratos administrativos, e, assim, todos os contratos públicos são regulados pelo CCP e são da competência dos Tribunais Administrativos.
            Qual é, então, a distinção entre contratos administrativos e contratos públicos?
Os contratos administrativos são todos os contratos que, à luz do direito administrativo, criam, modificam ou extinguem relações jurídico-administrativas. Por outro lado, os contratos públicos são os contratos celebrados pela Administração Pública (quer sejam regulados pelo direito administrativo ou pelo direito privado) que a lei submeta a um especial procedimento de formação. Esse procedimento é regulado por normas decorrentes do DUE.
            Porém, a Administração tem ainda formas de atuação que não têm dimensão jurídica. Algumas dessas atuações são, por exemplo, limpar ruas, vigiar a existência de fogos, limpeza de praias, entre outras. São, então, todo um conjunto de atuações que correspondem ao exercício da função administrativa. São realidades que não produzem efeitos jurídicos, mas são juridicamente relevantes.
De tal forma, nota-se claramente que a atuação administrativa não é apenas uma atuação jurídica e que são necessários procedimentos técnicos que regulem tais atividades. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o CPA só se preocupou com atuações jurídicas e não com atuações materiais e a atuação extrajudicial da Administração, sendo essa umas das suas principais críticas.

Principais espécies de contratos administrativos
- Empreitada de obras públicas
- Concessão de obras públicas
- Concessão de serviços públicos
- Concessão de exploração de domínio público
- Concessão de uso privativo do domínio público
- Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar
- Fornecimento contínuo
- Contratos de Urbanização
- Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública, entre outras.

Principais classificações dos contratos administrativos
- Contratos entre a administração e particulares, entre entidades públicas, e entre particulares
- Contratos de subordinação e de cooperação
- Contratos primários e secundários
- Contratos constitutivos, modificativos e extintivos
- Contratos administrativos típicos e atípicos
- Contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo e com objeto passível de contrato de direito privado

Princípios gerais mais importantes
            - Princípio da legalidade
            - Princípio da proporcionalidade
            - Princípio da igualdade
            - Princípio da imparcialidade
            - Princípio da boa-fé
            - Princípio da concorrência
            - Princípio da publicidade
            - Princípio da transparência

            É necessário referir que estes princípios não apontam imperativamente soluções concretas aos órgãos decisórios, mas orientam-nos no percurso que conduz à celebração do contrato. Todos têm o mesmo valor normativo, embora possam “pesar” de diferentes formas e podendo ter de se abdicar de um em prol de outro.


Conclusão
           
Em suma, através do conhecimento mais explícito dos conceitos básicos do Direito Administrativo permite-se uma abordagem mais esclarecida, detalhada e correta das diferentes formas de atuação da Administração Pública, tal como as relações e distinções entre si e a sua evolução ao longo do tempo. O ato, contrato e regulamento administrativo são unidades básicas da Administração, tendo relações, importância e regimes distintos entre si. Assim, com uma delimitação conceitual mais precisa, torna-se possível formular, a partir desta mesma base, novas conclusões mais elaboradas e entender, não só a sua fundamentação, como a sua margem de eventual aplicação no Direito Português, a sua possível relação e interligação com as normas administrativas e com o modo de funcionamento dos tribunais administrativos.
           



Bibliografia

- Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de Matos, André. 2006. Direito Administrativo Geral: Tomo III. Lisboa, D. Quixote
- Freitas do Amaral, Diogo. Curso de Direito Administrativo: Volume II
- Pereira da Silva, Vasco. O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise




Trabalho realizado por:
Carolina Matroca
Nº 56795
Subturma 14 – Turma B

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