Introdução
Através de um conhecimento conceitual
introdutório, contudo, ainda assim, aprofundado, é permitida uma abordagem mais
esclarecida e simplificada dos conceitos abordados em matérias futuras,
clarificando o real sentido da lei, do jurisprudente e do legislador. Além da
importância conceitual, a instrução de alguns pontos da evolução histórica
atende à necessidade de conhecer qual o contexto que levou a determinadas
conceções hoje afastadas da doutrina e jurisprudência e, indo mais além, atende
à necessidade de observar as circunstâncias em que nos encontramos e determinar
a melhor solução para os casos concretos, partindo esta da criação de novas
normas legislativas ou da mera alteração das normas atuais ou respetivos
conceitos base. Sendo os atos, contratos e regulamentos administrativos
fundamentais para o normal funcionamento da Administração, tanto nas suas
relações internas como externas, é de primordial importância analisar
aprofundadamente tais conceitos.
Regulamento Administrativo
Segundo o prof. Dr. Vasco Pereira da
Silva, até à reforma do Contencioso Administrativo de 1984/1985, onde ocorreu
uma reação legislativa, vigorou, no que aos regulamentos diz respeito, um
sistema de controlo muito limitado.
Na revisão de 1997 estabeleceu-se a garantia
de tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares onde se integrou, nesse
direito fundamental, o direito dos cidadãos a impugnar as normas
administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos (texto correspondente ao disposto no artigo 268º/5 da
CRP).
A criação de mecanismos processuais
controladores da validade dos regulamentos e protetores dos direitos dos
indivíduos por eles afetados, constitui a base de proliferação de normas
jurídicas administrativas emanadas dos respetivos órgãos. Esta, é produto das
transformações por que passaram as formas de atuação, em que a
multilateralidade surge como a característica mais marcante da Administração do
Estado Pós- Social. As decisões administrativas provenientes da Administração
prospetiva ou prefigurativa, não dizem respeito a um relacionamento meramente
bilateral entre os privados e os órgãos decisores, dizem sim, respeito, a um
relacionamento multipolar, produzindo efeitos suscetíveis de afetar um grande
número de sujeitos. Atuações de natureza individual não escapam à
multilateralidade, ou seja, os atos administrativos de eficácia múltipla, mas
que é característica de atuações genéricas, como os instrumentos de planeamento
e os regulamentos administrativos.
Mas o que são então, para efeitos
processuais, regulamentos administrativos?
Se do ponto de vista teórico a doutrina se
divide entre a generalidade (multiplicidade de destinatários) e a abstração
(multiplicidade de situações da vida) para caracterizar as normas jurídicas,
também o legislador do CPA define o ato administrativo em função da produção de
efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (art.120º) não se
aplicando as mesmas exigências aos regulamentos administrativos (114º). Assim, no ordenamento jurídico português,
só os atos administrativos têm de gozar simultaneamente de individualidade e de
concretude, ao invés de que, todas as disposições unilaterais que sejam só
gerais ou só abstratas, ou ambas, são de considerar como regulamentos
administrativos. Nesta classificação integram-se, também, segundo a lógica do
CPA português, os planos.
O conceito de regulamento administrativo,
tal como mais alguns conceitos pertencentes ao Direito Administrativo,
compreende, então, determinada divergência doutrinária. Segundo o Prof. Diogo
Freitas do Amaral, os regulamentos administrativos são normas, gerais e abstratas,
que com fundamento na lei, a completam ou desenvolvem, viabilizando a sua
aplicação ao caso concreto. São normas jurídicas emanadas no exercício do poder
administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou
privada, para tal habilitada por lei (apesar de serem o nível inferior do
ordenamento jurídico administrativo, continuam como fontes de direito
administrativo), estando previstos no art.135º e seguintes do CPA.
É
importante realçar ainda que os regulamentos podem ter uma forma especial de
invalidade e têm um regime próprio suis
generis, presente no art.144º do CPA. Esta figura pode ser modificada ou
suspensa, cabendo tal, quer aos órgãos que a elaboram, quer aos órgãos hierárquicos
superiores com poder de supervisão, quer ao legislador. O limite a esta
introdução é o art.119º do CPA.
Os regulamentos podem cessar a sua
vigência por caducidade, pelo seu possível cariz temporário, por transferência
de atribuições da pessoa coletiva para outra autoridade administrativa, por cessação
da competência regulamentar do órgão que fez o regulamento, quando haja
revogação da lei que se destina a executar (sem que esta tenha sido substituída
por outra) ou por revogação.
Relação
dos Regulamentos com a Lei:
- Regulamentos Complementares/de Execução
– desenvolvem ou aprofundam uma disciplina jurídica constante da lei,
completando-a e viabilizando a sua aplicação ao caso concreto. Dividem-se em
espontâneos ou devidos.
- Regulamentos
Independentes/Autónomos – são elaborados pelos órgãos administrativos no
exercício da sua competência. Procuram assegurar a realização das suas
atribuições específicas, sem desenvolver ou completar nenhuma lei especial.
Princípio da Inderrogabilidade Singular dos
Regulamentos
Consistindo um limite à atuação da
Administração, o Princípio da Inderrogabilidade Singular defende que o
regulamento que derroga outro, para um caso concreto e individual, não é um
regulamento: é um ato administrativo e, mais do que isso, é um ato
administrativo ilegal por violação de regulamento. Este é um dos princípios
mais importantes que a esta matéria diz respeito.
Ato Administrativo
Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, ato
administrativo não é sinónimo de ato da Administração. Conceito de ato
administrativo abrange um grupo de condutas administrativas dotadas de
características essenciais idênticas e por isso sujeitas a um regime jurídico
comum. Aspetos definidores deste conceito, presente no art.148º, constam do
art.120º do CPA: ato administrativo é uma decisão de um órgão da administração
pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos
jurídicos numa situação individual e concreta. Ou seja, é a aplicação da lei e dos
regulamentos às situações da vida real. Para o Prof. Diogo Freitas do Amaral, o
ato administrativo é o ato jurídico unilateral praticado no exercício do poder
administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou
privada, para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado
pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual
e concreta.
*É necessário referir que não são atos
administrativos os atos jurídicos praticados pela Administração pública no
desempenho de atividades de gestão privada, tal como não são atos
administrativos, por não traduzirem o exercício do poder administrativo, os atos
políticos, os atos legislativos e os atos jurisdicionais, ainda que praticados
por órgãos da Administração
Origem
e Evolução do Conceito de Ato Administrativo
O modelo do ato administrativo evoluiu a
par da evolução dos modelos do Estado. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, a
conceção clássica de ato administrativo deve ser rejeitada e o ato
administrativo tem de ser reconstruído à luz da realidade atual.
Como se via, então, o ato administrativo
em cada momento?
No Estado
Liberal – Administração era vista como Administração Agressiva, com o
paradigma do ato polícia.
Otto
Mayer:
comparava o ato às sentenças (ato que definia o direito aplicável aos particulares
no caso particular – definição de direito com forma coativa e que podia ser
imposta ao particular).
Hauriou: comparava ato
aos negócios jurídicos. O que caracterizava o ato eram os privilégios
exorbitantes da Administração – privilégio decisório de definir o direito.
A realidade já não cabe na definição
clássica do ato administrativo.
No Estado
Social – Administração era vista como Administração Prestadora de bens e
serviços, segundo a lógica do ato favorável, que atribui vantagens aos
particulares.
No Estado
Pós-Social – Administração era vista como Administração Infraestrutural, uma
nova transformação do ato no quadro das relações multilaterais com eficácia
múltipla. Nesta fase, os particulares deixam de ser considerados terceiros e
tornam-se sujeitos na relação jurídica multilateral, daí se dizer que o ato tem
eficácia múltipla.
Sumariamente,
o conceito surgiu com base em necessidades jurisdicionais de fiscalização da
atividade administrativa: numa primeira fase (revolução francesa), para subtrair
os atos administrativos à jurisdição dos tribunais judiciais; numa segunda fase,
ao serviço do sistema de garantias dos particulares.
Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o
conceito de ato administrativo deve ser suficientemente amplo para abarcar
todos as realidades de atos administrativos dos nossos dias: atos polícia,
administração prestadora e administração infraestrutural. Na sua opinião, a noção
ampla e aberta do CPA é adequada, sendo a produção de efeitos a chave
fundamental do conceito. Atualmente, o conceito serve ainda para delimitar
comportamentos suscetíveis de fiscalização contenciosa – art.268.º, nº4 da CRP
– com função de garantia dos particulares. A par desta, cumpre ainda uma função
procedimental e uma função substantiva (realização no caso concreto da medida
geral e abstratamente estabelecida na norma jurídica, vinculada ou
discricionariamente).
Natureza jurídica do Ato Administrativo
Para alguns autores, o ato
administrativo tem natureza de negócio jurídico, contudo, para outros, é um ato
de aplicação do direito, semelhante a uma sentença judicial. Para um terceiro
grupo, é ainda encarado como possuidor de natureza própria e carácter
específico, enquanto ato unilateral de autoridade pública ao serviço de um fim
administrativo. Esta última posição é a do Prof. Diogo Freitas do Amaral.
Entre o negócio jurídico e o ato
administrativo:
§ O 1.º é figura de
Direito Privado, move-se no campo da licitude e assenta na autonomia da vontade, o
2.º de Direito Público, move-se no campo da legalidade e assenta numa vontade
normativa.
Entre a sentença e o acto administrativo:
§ O 1.º prossegue um
fim de justiça, tem função judicial e resolve conflitos de interesses, o 2.º prossegue
um fim administrativo, tem função administrativa e prossegue o interesse
público.
Ainda assim, o ato administrativo
compreende atos discricionários, semelhantes ao negócio jurídico, e atos
vinculados, semelhantes à sentença.
Estrutura do ato administrativo
A estrutura do ato administrativo compreende
quatro elementos:
§ Elementos subjetivos
–
existência de dois sujeitos de direito na relação: a Administração pública e um
particular ou duas pessoas coletivas públicas/privadas.
§ Elementos formais
–
modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a conduta voluntária em que consiste
o ato administrativo.
§ Elementos objetivos
–
conteúdo e objeto.
§ Elementos
funcionais –
Comportam a causa, os motivos e o fim.
Principal tipologia dos atos
administrativos
Atos
primários
– versam pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida.
Impositivos - impõem a alguém
uma certa conduta ou a sujeição a determinados efeitos jurídicos. Dividem-se
em: atos de comando, punitivos, ablativos e em juízos.
Permissivos
- possibilitam
a alguém a adoção de uma conduta ou omissão de um comportamento que de outro
modo lhe estariam vedados. Dividem-se em atos que conferem ou ampliam vantagens
(autorização, licença, concessão, delegação, admissão e subvenção) e atos que
eliminam ou reduzem encargos (dispensa e renúncia).
Atos
secundários
– versam diretamente sobre um ato
primário anterior e, portanto, indiretamente, sobre a situação real subjacente
ao ato primário. Dividem-se em atos integrativos, que visam completar atos
administrativos anteriores (homologação, aprovação, visto, ato confirmativo e
ratificação-confirmativa), saneadores e desintegrativos.
Principais classificações dos atos
administrativos
-
Quanto ao autor
Decisões – todos os atos
administrativos (art.120.º do CPA).
Deliberações – as decisões tomadas por órgãos
colegiais.
Atos
simples
- provêm de um só órgão administrativo
Atos
complexos
– atos cuja feitura intervêm dois ou mais órgãos administrativos
- Quanto aos destinatários
Atos
singulares
Atos
coletivos
Atos
plurais
Atos
gerais
- Quanto aos efeitos
Atos de execução instantânea - cumprimento esgota-se
num ato ou facto isolado
Atos
de execução continuada - a sua execução perdura no tempo, tratando-se de uma
atividade contínua, de um comportamento constante, de uma série de atos
sucessivos.
- Quanto à respetiva localização no
procedimento e hierarquia administrativa
Atos
definitivos – atos que têm por conteúdo uma decisão horizontal e
verticalmente final.
Atos
não-definitivos – atos que contenham uma resolução
final ou que não sejam praticados pelo órgão máximo de certa hierarquia ou por
órgão independente.
Distinção entre regulamento e ato
administrativo
Tanto o ato administrativo como o regulamento
administrativo são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão
competente no exercício de um poder público de autoridade: mas o regulamento,
como norma jurídica, é uma regra geral e abstrata e o ato administrativo é
individual, reportando-se a uma pessoa, ou algumas pessoas, em concreto.
Contratos
Administrativos
Os contratos administrativos estão
regulados no art.178º, º1 e 2 do CPA, sendo este conceito bastante distinto do
apresentado por Marcello Caetano no CPA de 1936-1940. Sumariamente, esta figura
consiste num acordo de vontades pelo
qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
Define-se, atualmente, em função da sua subordinação a um regime jurídico de
Direito administrativo: serão administrativos os contratos cujo regime jurídico
seja traçado pelo direito administrativo.
Na Conceção Tradicional, os contratos
administrativos eram diferentes dos contratos de direito privado, contudo, na Conceção
Nova, não faz sentido a dicotomia entre contrato de direito público e contrato
de direito privado, defendendo-se a criação dum regime comum a toda a
contratação. Tal alteração já foi seguida pela maioria dos Estados da União
Europeia e, no caso português, o legislador transpôs as diretivas e criou o Código
dos Contratos Públicos, onde incluiu os contratos administrativos, e, assim, todos
os contratos públicos são regulados pelo CCP e são da competência dos Tribunais
Administrativos.
Qual
é, então, a distinção entre contratos administrativos e contratos públicos?
Os contratos administrativos são todos os
contratos que, à luz do direito administrativo, criam, modificam ou extinguem
relações jurídico-administrativas. Por outro lado, os contratos públicos são os
contratos celebrados pela Administração Pública (quer sejam regulados pelo
direito administrativo ou pelo direito privado) que a lei submeta a um especial
procedimento de formação. Esse procedimento é regulado por normas decorrentes
do DUE.
Porém, a Administração tem ainda
formas de atuação que não têm dimensão jurídica. Algumas dessas atuações são,
por exemplo, limpar ruas, vigiar a existência de fogos, limpeza de praias,
entre outras. São, então, todo um conjunto de atuações que correspondem ao
exercício da função administrativa. São realidades que não produzem efeitos
jurídicos, mas são juridicamente relevantes.
De tal forma, nota-se claramente que a atuação
administrativa não é apenas uma atuação jurídica e que são necessários procedimentos
técnicos que regulem tais atividades. Segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, o
CPA só se preocupou com atuações jurídicas e não com atuações materiais e a
atuação extrajudicial da Administração, sendo essa umas das suas principais
críticas.
Principais espécies de contratos
administrativos
- Empreitada
de obras públicas
- Concessão de obras públicas
- Concessão de serviços públicos
- Concessão de exploração de domínio
público
- Concessão de
uso privativo do domínio público
- Concessão de
exploração de jogos de fortuna ou azar
- Fornecimento contínuo
- Contratos de Urbanização
- Prestação de serviços para fins de
imediata utilidade pública, entre outras.
Principais classificações dos contratos administrativos
- Contratos entre
a administração e particulares, entre entidades públicas, e entre particulares
- Contratos de subordinação e de cooperação
- Contratos
primários e secundários
- Contratos
constitutivos, modificativos e extintivos
- Contratos administrativos típicos e atípicos
- Contratos
administrativos com objeto passível de ato administrativo e com objeto passível
de contrato de direito privado
Princípios gerais mais importantes
-
Princípio da legalidade
-
Princípio da proporcionalidade
-
Princípio da igualdade
-
Princípio da imparcialidade
-
Princípio da boa-fé
-
Princípio da concorrência
-
Princípio da publicidade
-
Princípio da transparência
É
necessário referir que estes princípios não apontam imperativamente soluções
concretas aos órgãos decisórios, mas orientam-nos no percurso que conduz à
celebração do contrato. Todos têm o mesmo valor normativo, embora possam
“pesar” de diferentes formas e podendo ter de se abdicar de um em prol de
outro.
Conclusão
Em suma, através do conhecimento mais
explícito dos conceitos básicos do Direito Administrativo permite-se uma
abordagem mais esclarecida, detalhada e correta das diferentes formas de
atuação da Administração Pública, tal como as relações e distinções entre si e
a sua evolução ao longo do tempo. O ato, contrato e regulamento administrativo
são unidades básicas da Administração, tendo relações, importância e regimes
distintos entre si. Assim, com uma delimitação conceitual mais precisa,
torna-se possível formular, a partir desta mesma base, novas conclusões mais
elaboradas e entender, não só a sua fundamentação, como a sua margem de
eventual aplicação no Direito Português, a sua possível relação e interligação
com as normas administrativas e com o modo de funcionamento dos tribunais
administrativos.
Bibliografia
- Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de
Matos, André. 2006. Direito
Administrativo Geral: Tomo III. Lisboa, D. Quixote
- Freitas do Amaral, Diogo. Curso de Direito Administrativo: Volume II
- Pereira da Silva, Vasco. O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise
Trabalho realizado
por:
Carolina Matroca
Nº 56795
Subturma 14 –
Turma B
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