Resumo do Acórdão
O Sindicato dos Trabalhadores representa o
requerente, seu associado, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAFA),
numa ação administrativa especial para impugnação de ato contra o Município de
Setúbal. O requerente procura a declaração de nulidade ou anulabilidade do ato
impugnado - despacho da Vereadora, com competência delegada da Câmara Municipal
de Setúbal, que homologou a lista unitária de ordenação final do procedimento
concursal comum de recrutamento para a carreira geral e categoria de assistente
operacional (área de limpeza de espaços públicos) bem como do procedimento
concursal, no segmento relativo à aplicação do método de seleção da entrevista
profissional; Tal como, procura ainda, a condenação da entidade demandada a
determinar e proceder à expurgação de todos os vícios e irregularidades do
procedimento concursal, repetindo o mesmo.
Assim, o requerente defende que não estão
devidamente fundadas as entrevistas profissionais de seleção, visto que os
níveis classificativos do desempenho não permitem encontrar a justificação para
a atribuição de classificações numéricas diferenciadas aos candidatos. Tal
ocorre, pois, o júri limitou-se a informar quais as classificações que iria
atribuir e os valores que lhes correspondiam, sem que tenha indicado os
critérios diferenciadores de tais notas. De tal modo, requere a nulidade ou
anulabilidade do ato.
Consequentemente, requere, então, a
reconstituição da situação e reposição da legalidade concursal, sendo necessário
fundamentar a notação da entrevista do candidato demandante, e de todas as
demais entrevistas profissionais de seleção realizadas aos candidatos que
ficaram graduados à frente do mesmo e que vieram a ser providos em face da
ordenação definida pela lista de classificação e ordenação anulada.
Decisões:
TAFA
decidiu a favor do requerente, devendo o Município anular ato da vereadora e
proceder a novas entrevistas. Após recorrer para Tribunal Central
Administrativo Sul, onde ação foi dada como improcedente, o réu colocou recurso
para o Supremo Tribunal Administrativo que veio a concordar com as anteriores
decisões e declarou todas as custas a favor do réu, o Município de Setúbal.
Matérias
Relacionadas
Com este acórdão relacionam-se, então, as
matérias da eficácia do ato administrativo, da invalidade, ilegalidade e dos
vícios do ato administrativo, mais concretamente, o vício de forma,
nomeadamente, a falta de fundamentação do ato administrativo – pretermite legal
da atuação administrativa.
Viola-se dever de fundamentação dos atos
administrativos, constituindo tal um vício de forma, produtor de anulabilidade
do ato impugnado.
Requisitos
de eficácia do ato administrativo
Primeiramente é necessário esclarecer que
a eficácia consiste na efetiva produção de efeitos jurídicos pelo ato, a
projeção na realidade da vida dos efeitos jurídicos que integram o conteúdo de
um ato administrativo. Para o ato ser eficaz tem de cumprir todos os requisitos
de eficácia exigidos pela lei.
A ineficácia, pelo contrário, é o fenómeno
da não-produção de efeitos jurídicos num dado momento.
Os requisitos consistem nas exigências que
a lei faz para que um ato administrativo, uma vez praticado, possa produzir os
seus efeitos jurídicos.
- Devido ao princípio do imediatismo dos
efeitos jurídicos, o ato produz efeitos desde o momento da sua prática
(art.155º/1).
- Exceções no art.156º e 157º.
- Exige sempre a notificação e/ou a
publicação – art.158º a 160º
Invalidade
A invalidade é um valor jurídico negativo
que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a
produção dos efeitos jurídicos que devia produzir.
Dentro da invalidade, podemos identificar
diversas fontes:
1)
Ilegalidade
A legalidade é a principal fonte de
invalidade, incluindo a CRP, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos
administrativos, os atos administrativos constitutivos de direitos, entre
outros, constituindo, então, o blogo da legalidade. Ocorre quanto o ato é contrário à
lei, podendo assumir várias formas, dentre as quais, os vícios do ato
administrativo.
- Os vícios do ato administrativo
Os vícios do ato administrativo são as
formas específicas que a ilegalidade do ato administrativo pode revestir.
Há quem entenda que com a CRP de
1976 deixou de ser exigível por lei que os particulares, ao recorrerem
contenciosamente de qualquer ato administrativo, discriminem qual o vício que
enferma o ato. Apoiam-se no art.268.º, nº4 da CRP.
Para o Prof. Diogo Freitas do Amaral, este
preceito não quis inconstitucionalizar todas as disposições da lei ordinária
que, em sede de contencioso administrativo, exigem a especificação do vício do
ato recorrido. Tal especificação é útil em termos de clareza e celeridade
processual.
Os vícios englobam o vício de forma, a
usurpação de poder, a incompetência, a violação de lei, o desvio de poder e a
cumulação de vícios.
- O
vício de forma
O vício de forma é o vício que consiste na
preterição de formalidades essenciais ou na prática de forma legal. Comporta
três modalidades:
-
Preterição de formalidades anteriores à
prática do ato – falta de audiência prévia dos interessados.
-
Preterição de formalidades relativas à
prática do ato – regras de votação dos órgãos colegiais.
-
Forma legal – prática, por despacho,
de atos que a lei exija forma de decreto.
A eventual preterição de formalidades
posteriores à prática do ato administrativo não produz ilegalidade (nem
invalidade), apenas produz a ineficácia. Tal ocorre porque a validade de um ato
administrativo se afere sempre pela conformidade desse ato com o ordenamento
jurídico no momento em que ele é praticado. Portanto, no momento em que um ato
administrativo é praticado, pode ser inválido, por estar em contradição com a
lei. Mas, se a preterição das formalidades ocorrer depois de o ato ser
praticado, o ato não fica inválido, não há repercussão para trás. O que ocorre depois
da prática do ato não o invalida.
Portanto, se a Administração pretender
executar o ato sem este ter recebido visto do Tribunal Constitucional, o ato
não se torna inválido, é apenas ineficaz enquanto não tiver visto (art.129.º,
alínea c) do CPA). Não é o ato que se torna ilegal, mas sim a sua execução,
pois é contrário à lei executar um ato ineficaz (art.149.º, nº1 e 150.º, nº1,
alínea c) do CPA).
A obrigação de
fundamentar
A fundamentação é a enunciação explícita
das razões que levaram o seu autor a praticar determinado ato ou a dotá-lo de
certo conteúdo (art.124.º a 126.º do CPA).
No art.124º do CPA prevê-se a obrigação de
fundamentação, sendo esta uma formalidade de grande importância, não apenas
para o particular lesado pela atuação administrativa, como também, na perspetiva
do tribunal competente, para ajuizar da validade do ato e na perspetiva do
interesse público.
Para o autor, Rui Machete, o dever de
fundamentação tem quatro funções:
- Defesa do particular
- Autocontrolo da Administração.
- Pacificação das relações entre
administração e particulares.
- Clarificação e prova dos factos sobre os
quais assenta a decisão.
O objetivo essencial trata de esclarecer
concretamente a motivação do ato, permitir a reconstituição do pensamento e
razão que determinou a adoção de um ato com determinado conteúdo (art.125.º,
nº2 CPA).
Pode existir, porém, dispensa de
fundamentação, prevista no art.124.º, nº2, alíneas a) e b) do CPA.
No caso da alínea a), a justificação da dispensa de fundamentação reside na
natureza específica do ato de homologação, que incorpora e absorve o ato homologado:
como este tem de ser fundamentado, a homologação apropria-se da fundamentação e
torna-se, desse modo, automaticamente fundamentada.
No caso da alínea b), a fundamentação, a existir, não seria dirigida a
terceiros, mas, apenas, ao subalterno; ora, a autoridade hierárquica do
superior deve poder ser exercida sem necessidade de dar explicações.
A fundamentação tem ainda de
preencher os requisitos do art.125.º do CPA, tendo de ser expressa, ou seja, enunciada
no contexto do próprio ato pela entidade decisória, e de consistir na
exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
De facto, segundo o STA - «Dada a
funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, o fim
meramente instrumental que o mesmo prossegue, este ficará assegurado sempre que
a decisão em causa se situe inequivocamente num determinado quadro legal,
perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal»
Assim, fundamentação tem de ser
clara, coerente e completa, não devendo ser contraditória, obscura ou
insuficiente. De acordo com o STA, basta que seja suficiente para que seja
completa.
Casos
especiais
Ainda assim, existem dois casos com regime
jurídico especial:
- Quando
o ato administrativo consistir numa declaração de concordância com os
fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta: o dever de
fundamentação considera-se cumprido com essa mera declaração de concordância
(art.125.º, nº1 do CPA). Havendo homologação, nem sequer é necessário fazer
expressamente qualquer declaração de concordância: a homologação absorve
automaticamente os fundamentos e conclusões do ato homologado.
- Caso
dos atos orais: em regra, não contêm fundamentação - ou são reduzidos a
escrito numa ata (onde tem de estar a fundamentação sob pena de ilegalidade) ou,
não havendo ata, a lei dá aos interessados o direito de requerer a redução a escrito
da fundamentação dos atos orais, cabendo ao órgão competente o dever de
satisfazer o pedido em 10 dias (art.126.º, nº1 do CPA). O não exercer da
faculdade de requerer fundamentação não prejudica os efeitos da sua falta (art.126.º,
nº2 do CPA). Se não houver fundamentação, o particular pode recorrer ao
processo judicial de intimação ou pedir
recurso de anulação, tendo como causa a falta de fundamentação.
Consequências
da falta de fundamentação
Em caso de existir falta de fundamentação,
o ato será ilegal por vício de forma e será anulável, segundo o disposto no art.135.º
do CPA.
Porém, se um ato vinculado se baseia em
dois fundamentos legais e um não se verifica, mas o outro basta para alicerçar
a decisão, o tribunal não anula o ato por força do princípio do aproveitamento
dos atos administrativos.
Deve ainda expor-se que, onde haja poderes
discricionários ou espaços de escolha administrativa, não poderá o juiz
aproveitar um ato formalmente viciado, pois não está em condições de declarar
aquele conteúdo como a única decisão legítima.
2)
Outras fontes de
invalidade
Um ato pode ser inválido e, portanto, nulo
ou anulável, por razões que nada têm a ver com a sua ilegalidade (pode ser por
motivos comuns ao direito privado como o erro, dolo, coação, simulação e etc.)
Nesse caso o ato é ilícito e há pelo menos quatro casos: o ato administrativo
não viola a lei, mas ofende um direito subjetivo ou interesse legítimo dum
particular; o ato administrativo viola um contrato não administrativo; o ato
administrativo ofende a ordem pública ou os bons costumes; o ato administrativo
contém uma forma de usura. Também pode haver vícios da vontade se o particular
enganar a Administração. A vontade da Administração deve ser sempre livre e
esclarecida.
Anulabilidade
Segundo o estipulado no art.163º/2, um ato é
juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado ou suspenso,
sendo sanável pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão, tal
como a base legal prevê - art.164º/1), art.136º e art.141º - logo, se não for
anulado dentro de um certo prazo, torna-se um ato inatacável.
Porém, se
ninguém fizer o pedido de afastamento ou a Administração tomar a iniciativa de
os afastar, os atos continuam a produzir efeitos, apesar de serem ilegais, sendo
sempre possível ir a tribunal para pedir a verificação da legalidade. Ainda assim,
produzirão efeitos até que tal seja efetuado.
O ato anulável é, assim, obrigatório, quer
para os funcionários públicos, quer para os particulares, enquanto não for
anulado, não sendo possível opor qualquer resistência à execução forçada de um ato
anulável. A sentença proferida sobre um ato anulável é uma sentença de anulação,
de natureza constitutiva.
Só pode existir
impugnação num tribunal administrativo, tendo esta decisão, caso seja tomada,
efeitos retroativos, e tudo ocorrendo na ordem jurídica como se o ato nunca
tivesse sido praticado.
A regra geral da
anulabilidade é o art.163º/1 e, por razões de certeza e de segurança da ordem
jurídica, com o tempo o ato fica sanado, fazendo com que deixe de pairar uma
dúvida sobre os atos da Administração.
Segundo
o prof. Vasco Pereira da Silva, não há convalidação, podendo o particular
continuar a pedir ao Tribunal a restituição dos seus direitos devido ao facto
de o ato continuar a ser ilegal – passar o prazo significa que o particular não
pode afastar o ato da ordem jurídica, mas, ainda pode pedir sentença em
tribunal para que os seus direitos sejam acautelados à luz da ilegalidade desse
ato.
A doutrina
apresentada provém de Marcello Caetano, onde se equiparava o caso julgado ao
caso decidido e se considerava o prazo de impugnação como meramente adjetivo, podendo
o particular fazer sempre valer os seus direitos.
Segundo o CPTA, o ato já não pode ser
impugnado porque passou o prazo, mas o particular pode levar o caso a juízo de
forma a que se condene a Administração pela ilegalidade do ato.
Âmbito de aplicação da nulidade e
da anulabilidade
No nosso direito, a nulidade tem
carácter excecional, tendo a anulabilidade carácter de regra – como enuncia o art.135.º
do CPA. Por razões de certeza e de segurança da ordem jurídica, a regra no Direito
Administrativo português consiste em todo o ato administrativo inválido ser
anulável.
Na prática, porém, temos de apurar,
acerca de um ato cuja validade estejamos a analisar, se é ou não nulo: porque
se o não for, cai na regra geral e é anulável.
Correspondência entre vícios e formas de
invalidade
Não há uma correspondência
automática de cada vício a uma certa forma de invalidade, conforme resulta da regra
geral constante do art.133.º e 135.º do CPA. Ainda assim, obtém-se:
·
Usurpação
do poder: todos os casos se solucionam com nulidade.
·
Incompetência:
-
Por
falta de atribuições – nulidade.
-
Por
falta de competências – anulabilidade.
·
Vício
de forma:
-
Carência
absoluta de forma legal: nulidade.
-
Deliberações
tomadas tumultuosamente: nulidade.
-
Deliberações
tomadas sem quórum: nulidade
-
Deliberações
tomadas sem ser pela maioria exigida por lei: nulidade.
-
Deliberações
que nomeiem ilegalmente funcionários sem concurso: nulidade.
-
Outros
vícios de forma: anulabilidade
·
Violação
de lei
-
Casos
de violação de lei referidos no art.133.º do CPA: nulidade.
-
Quaisquer
outros casos de violação de lei: anulabilidade
·
Desvio
de poder: anulabilidade.
Conclusões
Em suma, com a análise do acórdão
supramencionado, denota-se a importância que a fundamentação dos atos tem na
atuação administrativa. Para proteção do particular e dos seus interesses, para
autolimitar a atuação da Administração, para facilitar as relações entre os
particulares e a Administração e ainda clarificar e provar os factos sobre os
quais assenta a decisão.
É de extrema importância que este
requisito legal seja cumprido, sob pena de ser ilegal por vício de forma e ter
de se incorrer na anulabilidade do ato. Devido ao exposto, concordo com a
decisão do Supremo Tribunal Administrativo ao defender a posição do particular
e requerer a declaração de anulabilidade do ato da Vereadora com posterior
realização de novo concurso, sendo todas as custas a cargo do Município de
Setúbal – estão preenchidos os requisitos, nomeadamente, da eficácia
retroativa, dos prazos, do recurso para tribunal administrativo, etc.
Assim, a meu ver, a decisão judicial
cumpriu os princípios administrativos, respeitando o Princípio da Legalidade ao
fundamentar a sua atuação com os preceitos legais base necessários, o Princípio
da Transparência, fundamentando e expondo a argumentação, as suas decisões e
interpretações na letra da lei de forma clara e explícita, respeitou o
Princípio da Decisão (art.9º do CPA), emanando a decisão final que lhe competia
e o Princípio da Participação dos Particulares na formação das decisões que
lhes dizem Respeito - art.267.º, n.º5
da CRP e art.8.ºdo CPA – sendo o concurso de grande importância para os
particulares – tal como, a decisão foi adequada e justa perante o caso
concreto.
Bibliografia
- Rebelo de Sousa, Marcelo e Salgado de
Matos, André. 2006. Direito
Administrativo Geral: Tomo III. Lisboa, D. Quixote
- Freitas do Amaral, Diogo. Curso de Direito Administrativo: Volume II
- Pereira da Silva, Vasco. O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise
Trabalho realizado por:
Carolina Matroca
Nº 56795
Subturma 14 – Turma B