A Peculiaridade do regulamento administrativo
Cumpre
desde já sinalizar que o regulamento surge como um exercício do poder
administrativo. Poder esse, que está intimamente ligado à separação de poderes
(art.111º CRP). Desta independência emerge
ainda um facto de que os tribunais comuns não são competentes para conhecer
litígios onde esteja em causa uma atuação administrativa (213º/3 CRP) apesar
desta regra geral comportar exceções.
A
Administração na sua aceção formal é um poder, desde logo um poder público
administrativo (art.23ºCRP) que atualmente detém cinco manifestações, entre
elas, o poder regulamentar, que se encontra patente na CRP nos artigos 199º c),
227º/1 d) e 241º e que é característico de um sistema do tipo francês, do qual
esses mesmos regulamentos são considerados como fonte de direito autónoma
(infra-legal) demarcando-se por ser uma figura suis generis. O poder
regulamentar é assim caracterizado como uma prerrogativa de definir
unilateralmente e previamente, de forma genérica e abstrata, a forma como irá
aplicar ou interpretar a lei. Sendo que o fundamento desse poder pode advir de
três critérios diferenciados, desde logo do ponto de vista prático o poder
regulamentar surge da dificuldade do legislador prever todas as situações
concretas da vida, sendo algo materialmente impossível de realizar e nesse
sentido deixa para os órgãos com competência regulamentar essa função, tornando
assim os regulamentos mais flexíveis. Do ponto de vista histórico, o poder
regulamentar advém da já mencionada separação de poderes, apesar de não ter uma
consagração absoluta porque se assim o tivesse os regulamentos, enquanto normas
jurídicas, não poderiam emanar da administração e deveriam apenas derivar do
poder legislativo. Ainda do ponto de vista jurídico, o fundamento do poder tem
variado em função da época, sendo que no atual Estado Social De Direito, o
fundamento desse poder advém da lei (concretização do princípio da legalidade,
fundamento de cada regulamento em particular, desempenhado apenas a função de
habilitação) e da CRP (fundamento geral, o poder deriva da Constituição). Se
bem que em alguns casos o fundamento do poder regulamentar pode ser diferente,
com origem no poder de direção do superior hierárquico no caso dos regulamentos
internos ou com fundamento no poder de autodeterminação no caso dos regimentos
de órgãos colegiais.
Nos
sistemas do tipo britânico não existe um poder regulamentar dito normal,
surgindo apenas quando o poder legislativo lhe confira expressamente essa
competência, funcionando desse modo como uma “legislação delegada”. Retira-se
daí, portanto, que os regulamentos nesse sistema têm uma natureza legislativa.
Posto
isto, o conceito de regulamento administrativo passa por ser “normas jurídicas emanadas no exercício do
poder administrativo por um órgão da administração ou por outra entidade
pública ou privada habilitada para tal por lei. Os regulamentos são assim
uma fonte secundária de direito administrativo e são indispensáveis ao
funcionamento do Estado Moderno, por razões de flexibilidade e adaptação e por
permitir ao Parlamente a desoneração de tarefas. Podemos analisar o conceito de
regulamento e referir três elementos presentes, o elemento material (no sentido
do regulamento ter natureza normativa, ser geral destinando-se a uma
pluralidade de destinatários definidos através de categorias universais e por
ser abstrato aplicando-se a uma multiplicidade de situações da vida através do
preenchimento da previsão normativa, não se esgotando numa única aplicação, ao
invés do que sucedo como ato administrativo). O elemento orgânico-formal (no
sentido do regulamento ter de advir de um órgão competente e que exerça a
função administrativa, não fazendo a distinção se o órgão em causa faz parte da
administração ou não ou se é privado, pois em todos os casos é aplicado o
regime presente nos artgs. 135º ss CPA) e o elemento funcional (no sentido do
regulamento ser sempre emanado no exercício do poder administrativo,
independentemente do órgão em causa ser exclusivo da administração ou não- como
exemplo: as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas).
Sendo
a atividade regulamentar o corolário do exercício do poder administrativo,
surge-nos como uma atividade secundária, subordinando-se à lei (que é o seu
fundamento e critério de validade) e consequentemente à CRP, podendo ser ilegal
ou inconstitucional, violando respetivamente qualquer uma das imposições. O CPA
faz ainda uma distinção importante ao marcar de forma explícita que os
regulamentos não se identificam com as comunicações, diretivas, recomendações,
códigos de conduta entre outros mencionados no art. 136º/4.
Estas
são as características gerais dos regulamentos, porém, atendendo às várias
espécies, cada uma apresenta peculiaridades. Quanto ao critério da relação com a
lei, o regulamento pode ser complementar, ou seja, desenvolvem e aprofundam o
conteúdo da lei viabilizando a aplicação nos casos concretos e
pormenorizando-a, podendo ser ainda espontâneos (quando complementam a lei sem
haver uma necessidade prescrita por esta) ou devidos (quando o regulamento é
necessário, art. 137º CPA) e podem ser independentes, ou seja, aqueles que são
elaborados pelos órgãos para assegurarem uma realização das suas atribuições e
nesse sentido a lei apenas se limitar a definir as suas competências subjetiva
e objetiva previsto no art 112º/7 CRP e 136º/2 CPA.
Quanto
ao critério do objeto, ou regulamentos podem ser tripartidos em regulamentos de
funcionamento (disciplinam situações internas dos serviços públicos); de
organização (que organizam e distribuem funções no interior da pessoa
coletiva); e os de polícia (que impõem limitações à liberdade individual),
sendo que estes últimos têm uma relevância na administração local e serão
sempre considerados como regulamentos externos no conceito infra (onde poderão vestir a pele de posturas, que são
independentes ou de regulamentos policiais que serão complementares).
Quanto
ao âmbito de aplicação, o regulamento poderá ser geral, vigorado nesse sentido
em todo o território nacional, ou local, onde vigorará numa determinada
circunscrição territorial ou ainda institucional, no sentido de provir de
institutos ou associações públicas e aplica-se apenas sobre esses.
Quanto
ao âmbito de projeção da eficácia, a distinção advêm de um historicismo
anterior da doutrina Alemã que apontava uma distinção entre regulamentos
administrativos e os jurídicos, pelo que estes últimos sendo regulamentos de
relação com outros sujeitos eram os únicos com relevância. Atualmente, temos
uma bipolarização, existindo regulamentos internos, que produzem os seus
efeitos jurídicos apenas no interior da entidade que o emana, ou externos, que
são aqueles que se encontram expressos no art.135ºCPA, produzindo efeitos
jurídicos a outros sujeitos de direito, sendo pessoas coletivas públicas ou a
particulares. Com esta distinção surge várias posições doutrinárias referentes
aos regulamentos institucionais e os regulamentos que se aplicam aos
funcionários públicos. Porém, existe uma importância adjacente a esta distinção
sobretudo porque nos regulamentos internos são se aplica o princípio da
inderrogabilidade singular dos regulamentos. Os órgãos com competência
regulamentar poderem suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral
e abstrata, porém nos regulamentos externos é que essa competência é limitada
no sentido dos regulamentos não poderem ser derrogados apenas em certos casos
considerados, sobretudo porque os regulamentos externos produzem eficácia a
outros sujeitos e é preciso tutelar a confiança destes. Derrogar um regulamento nestes certos
seria equiparado a um ato administrativo derrogar um regulamento e isso é ilegal (141º/2 CPA), seria visto como um “poder de dispensa”.
Existem
vários limites impostos ao poder regulamentar, dos quais destaco os princípios
gerais de direito, a CRP (que contêm desde logo princípios materialmente
administrativos), os princípios de Direito Administrativo, a lei (princípio da
legalidade, sendo que desde 1982 são proibidos os regulamentos delegados-112º/5
CRP), outros regulamentos que de acordo com o critério da prevalência de
aplicação são considerados superiores, a eficácia retroativa (141º/1 CPA) e
ainda os preceitos relativos à forma e à competência (do Governo, das Regiões
Autónomas, das Autarquias Locais, institutos e associações públicas e entidades
administrativas independentes).
Neuza Carreira, Nº 57098, Turma B, Subturma 14
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