Monday, April 30, 2018



A Peculiaridade do regulamento administrativo


Cumpre desde já sinalizar que o regulamento surge como um exercício do poder administrativo. Poder esse, que está intimamente ligado à separação de poderes (art.111º CRP). Desta independência emerge ainda um facto de que os tribunais comuns não são competentes para conhecer litígios onde esteja em causa uma atuação administrativa (213º/3 CRP) apesar desta regra geral comportar exceções.
A Administração na sua aceção formal é um poder, desde logo um poder público administrativo (art.23ºCRP) que atualmente detém cinco manifestações, entre elas, o poder regulamentar, que se encontra patente na CRP nos artigos 199º c), 227º/1 d) e 241º e que é característico de um sistema do tipo francês, do qual esses mesmos regulamentos são considerados como fonte de direito autónoma (infra-legal) demarcando-se por ser uma figura suis generis. O poder regulamentar é assim caracterizado como uma prerrogativa de definir unilateralmente e previamente, de forma genérica e abstrata, a forma como irá aplicar ou interpretar a lei. Sendo que o fundamento desse poder pode advir de três critérios diferenciados, desde logo do ponto de vista prático o poder regulamentar surge da dificuldade do legislador prever todas as situações concretas da vida, sendo algo materialmente impossível de realizar e nesse sentido deixa para os órgãos com competência regulamentar essa função, tornando assim os regulamentos mais flexíveis. Do ponto de vista histórico, o poder regulamentar advém da já mencionada separação de poderes, apesar de não ter uma consagração absoluta porque se assim o tivesse os regulamentos, enquanto normas jurídicas, não poderiam emanar da administração e deveriam apenas derivar do poder legislativo. Ainda do ponto de vista jurídico, o fundamento do poder tem variado em função da época, sendo que no atual Estado Social De Direito, o fundamento desse poder advém da lei (concretização do princípio da legalidade, fundamento de cada regulamento em particular, desempenhado apenas a função de habilitação) e da CRP (fundamento geral, o poder deriva da Constituição). Se bem que em alguns casos o fundamento do poder regulamentar pode ser diferente, com origem no poder de direção do superior hierárquico no caso dos regulamentos internos ou com fundamento no poder de autodeterminação no caso dos regimentos de órgãos colegiais.
Nos sistemas do tipo britânico não existe um poder regulamentar dito normal, surgindo apenas quando o poder legislativo lhe confira expressamente essa competência, funcionando desse modo como uma “legislação delegada”. Retira-se daí, portanto, que os regulamentos nesse sistema têm uma natureza legislativa.
Posto isto, o conceito de regulamento administrativo passa por ser “normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada habilitada para tal por lei. Os regulamentos são assim uma fonte secundária de direito administrativo e são indispensáveis ao funcionamento do Estado Moderno, por razões de flexibilidade e adaptação e por permitir ao Parlamente a desoneração de tarefas. Podemos analisar o conceito de regulamento e referir três elementos presentes, o elemento material (no sentido do regulamento ter natureza normativa, ser geral destinando-se a uma pluralidade de destinatários definidos através de categorias universais e por ser abstrato aplicando-se a uma multiplicidade de situações da vida através do preenchimento da previsão normativa, não se esgotando numa única aplicação, ao invés do que sucedo como ato administrativo). O elemento orgânico-formal (no sentido do regulamento ter de advir de um órgão competente e que exerça a função administrativa, não fazendo a distinção se o órgão em causa faz parte da administração ou não ou se é privado, pois em todos os casos é aplicado o regime presente nos artgs. 135º ss CPA) e o elemento funcional (no sentido do regulamento ser sempre emanado no exercício do poder administrativo, independentemente do órgão em causa ser exclusivo da administração ou não- como exemplo: as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas).
Sendo a atividade regulamentar o corolário do exercício do poder administrativo, surge-nos como uma atividade secundária, subordinando-se à lei (que é o seu fundamento e critério de validade) e consequentemente à CRP, podendo ser ilegal ou inconstitucional, violando respetivamente qualquer uma das imposições. O CPA faz ainda uma distinção importante ao marcar de forma explícita que os regulamentos não se identificam com as comunicações, diretivas, recomendações, códigos de conduta entre outros mencionados no art. 136º/4.
Estas são as características gerais dos regulamentos, porém, atendendo às várias espécies, cada uma apresenta peculiaridades. Quanto ao critério da relação com a lei, o regulamento pode ser complementar, ou seja, desenvolvem e aprofundam o conteúdo da lei viabilizando a aplicação nos casos concretos e pormenorizando-a, podendo ser ainda espontâneos (quando complementam a lei sem haver uma necessidade prescrita por esta) ou devidos (quando o regulamento é necessário, art. 137º CPA) e podem ser independentes, ou seja, aqueles que são elaborados pelos órgãos para assegurarem uma realização das suas atribuições e nesse sentido a lei apenas se limitar a definir as suas competências subjetiva e objetiva previsto no art 112º/7 CRP e 136º/2 CPA.
Quanto ao critério do objeto, ou regulamentos podem ser tripartidos em regulamentos de funcionamento (disciplinam situações internas dos serviços públicos); de organização (que organizam e distribuem funções no interior da pessoa coletiva); e os de polícia (que impõem limitações à liberdade individual), sendo que estes últimos têm uma relevância na administração local e serão sempre considerados como regulamentos externos no conceito infra (onde poderão vestir a pele de posturas, que são independentes ou de regulamentos policiais que serão complementares).
Quanto ao âmbito de aplicação, o regulamento poderá ser geral, vigorado nesse sentido em todo o território nacional, ou local, onde vigorará numa determinada circunscrição territorial ou ainda institucional, no sentido de provir de institutos ou associações públicas e aplica-se apenas sobre esses.
Quanto ao âmbito de projeção da eficácia, a distinção advêm de um historicismo anterior da doutrina Alemã que apontava uma distinção entre regulamentos administrativos e os jurídicos, pelo que estes últimos sendo regulamentos de relação com outros sujeitos eram os únicos com relevância. Atualmente, temos uma bipolarização, existindo regulamentos internos, que produzem os seus efeitos jurídicos apenas no interior da entidade que o emana, ou externos, que são aqueles que se encontram expressos no art.135ºCPA, produzindo efeitos jurídicos a outros sujeitos de direito, sendo pessoas coletivas públicas ou a particulares. Com esta distinção surge várias posições doutrinárias referentes aos regulamentos institucionais e os regulamentos que se aplicam aos funcionários públicos. Porém, existe uma importância adjacente a esta distinção sobretudo porque nos regulamentos internos são se aplica o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos. Os órgãos com competência regulamentar poderem suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e abstrata, porém nos regulamentos externos é que essa competência é limitada no sentido dos regulamentos não poderem ser derrogados apenas em certos casos considerados, sobretudo porque os regulamentos externos produzem eficácia a outros sujeitos e é preciso tutelar a confiança destes. Derrogar um regulamento nestes certos seria equiparado a um ato administrativo derrogar um regulamento e isso é ilegal (141º/2 CPA), seria visto como um “poder de dispensa”.
Existem vários limites impostos ao poder regulamentar, dos quais destaco os princípios gerais de direito, a CRP (que contêm desde logo princípios materialmente administrativos), os princípios de Direito Administrativo, a lei (princípio da legalidade, sendo que desde 1982 são proibidos os regulamentos delegados-112º/5 CRP), outros regulamentos que de acordo com o critério da prevalência de aplicação são considerados superiores, a eficácia retroativa (141º/1 CPA) e ainda os preceitos relativos à forma e à competência (do Governo, das Regiões Autónomas, das Autarquias Locais, institutos e associações públicas e entidades administrativas independentes).




Neuza Carreira, Nº 57098, Turma B, Subturma 14

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