Tuesday, April 10, 2018

Comentário ao acórdão do STA: processo nº 0924/10, de 6/12/2011


O STA emite a 6 de dezembro de 2011 um acórdão interposto pela sociedade comercial A e por B e C, um casal de professores. Depois de o pedido ter sido julgado improcedente e absolvido o réu por acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 2009 em primeira instância, posteriormente, a mesma solução foi dada pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em segunda instância, em 2010. Inconformados com a decisão, recorrem ao Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Segundo o artigo, é admitida revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” O recurso foi então admitido por acórdão a 2 de dezembro de 2010.
Os recorrentes formularam as seguintes alegações.
1.        De acordo com o artigo 71º do Estatuto da Carreira Docente, “a autorização de destacamento, requisição, comissão de serviço e transferência de docentes é concedida por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação”. Confere a competência exclusivamente ao Ministro da Educação. Sendo assim, a competência para decidir as propostas de requisição dos docentes seria indelegável. O despacho da delegação teria de fazer referência ao preceito legal, nomeadamente ao Estatuto da Carreira Docente. Foi emitido um despacho nº 11 529/2005 (2ª Série) de 23/5/2005, onde a S. E. Ministra da Educação delegava competências no Sr. Secretário de Estado da Educação, mas não fazia referência ao preceito legal e, para além do mais, alegam que os Secretários de Estado não têm competência própria, baseando-se no artigo 9º nº1 do DL nº 79/2005, de 15 de abril, exceto no que se refere aos respetivos gabinetes. A delegação seria então ilegal, pelo que o ato administrativo praticado pelo Sr. Diretor Regional Adjunto da Direção Regional de Educação do Centro padecia do vício de incompetência, violando o artigo 71º do Estatuto da Carreira Docente, o artigo 99º nº1 do DL nº 79/2005 e os artigos 44º e 45º do Código do Procedimento Administrativo.
2.        O tribunal considerou substituir o vício de falta de audiência prévia dos interessados, tendo sido violado o artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo.
De facto, tendo em conta as alegações, a entidade recorrida conclui que não estariam verificados os pressupostos que sustentam a intervenção excecional do Supremo Tribunal Administrativo. Efetivamente, a matéria da competência do Diretor Regional-Adjunto exorbita o âmbito de cognição do Tribunal Central Administrativo Norte e por isso, deveria ficar separada da cognição do Supremo.
No entanto, quanto à questão da legitimidade do Diretor Regional Adjunto, o Tribunal encontra sustento no CPA, mas além disso, no despacho nº 11530/2005 da Ministra da Educação e nos despachos nº 16796/2000 e 25307/2005 da Diretora Regional de Educação do Centro.
Relativamente à questão da audiência prévia, esta não tem caráter invalidante quando se verifique que a Administração não viria a tomar outra decisão que não a decisão tomada, sendo este o caso.
Admitido o recuso interposto nos termos do artigo 150º do Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos, o Supremo Tribunal Administrativo admite a revista excecional, “para determinar o sentido e alcance da proibição contida no artigo 32º do DL n.º 553/80, de 21/11, esclarecendo se a mesma se aplica à entidade instituidora de uma escola particular que formulou ao Ministério da Educação pedido de mobilidade para que dois dos seus docentes possam prestar serviço na dita escola.”
Começando por conhecer do vício da incompetência, os recorrentes alegam que o ato impugnado sofre do vício da incompetência porque a requisição dos docentes é da competência exclusiva do Ministro da Educação, como estatui o artigo 71º do Estatuto da Carreira Docente, e porque o despacho da delegação não faz referência ao preceito legal. Alegam ainda que esta competência é indelegável, por se tratar de competência exclusiva.
O Supremo, por outro lado, entende que o artigo 71º do Estatuto da Carreira Docente não foi violado e consequentemente, que não há vício da competência.
No acórdão, o STA define competência como o “complexo de poderes funcionais conferido por lei a cada órgão para o desempenho das atribuições da pessoa coletiva em que esteja integrado”. A competência não se presume, ela tem de ser atribuída por lei. É isto que resulta do princípio da legalidade da competência. Segundo o professor Freitas do Amaral, a competência é própria quando os poderes exercidos por um órgão são poderes cuja titularidade pertence a esse mesmo órgão e será competência delegada quando o órgão administrativo exerce uma parte da competência de outro órgão, cujo exercício lhe foi transferido por lei. Efetivamente, o Ministro da Educação tem uma competência própria, pois o artigo 71º nº1 do ECD concede-lhe a competência para autorizar o destacamento de docentes. De facto, esta competência é originária, pois é adquirida por lei, sem precisar da intervenção de outro órgão, contrariamente à competência derivada, que é delegada pelo órgão a que a lei originalmente tinha reconhecido.
Por sua vez, a competência exclusiva existe quando a competência do subordinado não se inclui na competência do superior hierárquico.  
Tendo por base estas definições, o Supremo considera que os recorrentes confundiram competência própria com competência exclusiva, pois entendem que se estando perante uma competência originária e própria, esta só pode ser exercida pelo próprio Ministro da Educação. De facto, nos termos do artigo 44º nº1 do CPA “os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria”. Concluindo, regra geral, os órgãos podem delegar competência noutros órgãos ou agentes, salvo as exceções do artigo 45º do CPA, que não se verificam no caso.
Quanto aos despachos em que a Sra. Ministra da Educação delegou competências no Sr. Secretário de Estado da Educação, o Supremo reconhece que não fazem referência ao Estatuto da Carreira Docente. No entanto, a lei habilitante para este caso é o artigo 9º nº1 do DL nº79/2005. A Lei Orgânica do XVII Governo Constitucional permite aos secretários de Estado e o subsecretário de Estado que não dispõem de competência própria, exceto no que se refere aos respetivos gabinetes, que “exercem, em cada caso, a competência que neles seja delegada pelo Primeiro-Ministro ou pelo ministro respetivo, com possibilidade de conferir poderes de subdelegação.” Esta lei habilitante é mencionada no despacho ministerial e, portanto, o Supremo conclui que não se verifica o vício da incompetência.
Quanto à segunda alegação, defendem os recorrentes a violação do artigo 100º do CPA, referente à audição dos interessados. Efetivamente, o artigo impõe a audição dos interessados, após a conclusão da instrução e antes de ser tomada a decisão final. Em ambas as instâncias foi dada como provada a preterição da audiência dos interessados, mas foi acordado que não haveria nenhuma repercussão para a decisão tomada. Tendo por base o princípio do aproveitamento do ato administrativo, em caso de anulação do ato, a Administração praticaria forçosamente outro ato com o mesmo conteúdo do primeiro. Estar-se-ia perante uma atividade vinculada da Administração. No entanto, o Supremo entende que não é o caso dos autos. 
Tendo em conta os preceitos dos artigos 64º nº1, 67º nº1 e nº2 alínea c) do ECD, pode-se concluir que poderia haver outros interesses a ponderar para a requisição de um docente. Efetivamente, o despacho para a requisição de docentes tem natureza discricionária, pois podem ser ponderados muitos outros elementos para a requisição dos mesmos, levando à escolha da melhor decisão.  
O Supremo entende que a violação do artigo 100º do CPA não pode ser considerada uma mera irregularidade, pois impunha-se a audição dos interessados, onde estes podiam ter exposto as suas razões no sentido do deferimento dos seus pedidos.
A Administração poderá ser condenada à prática de outro ato que teria de ser precedido da necessária audiência prévia dos interessados. Nos termos do artigo 173º do CPTA, a Administração seria obrigada a praticar um novo ato, sendo que este poderia ser igual ao anterior, mas teriam de ser expurgados os vícios detetados. No entanto, a requisição seria para o ano 2005/2006, o que implica que já não seria possível proceder a um novo ato de requisição para esse ano. Como solução alternativa, poderá proceder-se à modificação objetiva da instância, nos termos do artigo 45º do CPTA.
Finalizando, é revogado o acórdão recorrido, anula-se o ato impugnado, por estar verificada a falta de audiência prévia e devem os autos baixar à primeira instância para prosseguir à modificação objetiva da instância, nos termos do artigo 45º nº1 do CPTA. Considero a solução dada como razoável e conforme ao Direito.

Bibliografia:
DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume 1, 4º Edição, Almedina, Coimbra, 2016. 

Daniela Silva
57095

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