O Princípio da Imparcialidade- Análise a um Acórdão
O
princípio da imparcialidade no Direito Administrativo
O princípio da imparcialidade é um princípio
constitucionalmente consagrado (266º/2 CRP) também presente no artigo 9º do
CPA. É de extrema importância, pois é o garante do tratamento imparcial na
atuação da Administração Pública com aqueles que com ela se relacionem.
“Imparcialidade” vem do latim “super partes”, ou seja,
significa analisar a situação numa posição exterior e acima das partes em
conflito. Consiste em não privilegiar, nem tomar o partido de nenhuma das
partes no litígio.
Desde sempre ouvimos dizer que a justiça deve ser cega. Ora isto tem precisamente que ver com a
questão da imparcialidade. A justiça não deve determinar as soluções dos
litígios em função de amizades, simpatia, favores ou quaisquer outros
interesses alheios à função que não se rejam por critérios objetivos e relevantes
no processo decisório ou no processo em que se pronuncia.
Há duas vertentes neste princípio: a positiva e a
negativa. Quanto à vertente positiva, significa que a Administração Pública
deve ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados
legítimos relevantes para a tomada de decisão. Só serão imparciais os atos que
resultem de uma ponderação exaustiva dos interesses juridicamente protegidos no
caso concreto. A ponderação, suficiente e bem-feita, é essencial e necessária à
garantia da imparcialidade na atuação administrativa.
No que respeita à vertente negativa do princípio da
imparcialidade, quer-se referir que os titulares de órgãos e agentes da
Administração Pública não podem intervir em atos que digam respeito a questões
do seu interesse pessoal, interesse da sua família ou de pessoas com as quais
tenham relações económicas de especial proximidade de modo a colocar em risco a
isenção da sua conduta (artigos 69º e 73º do CPA). É, enfim, um dever de não
intervir nos atos em que há o risco ou o perigo de parcialidade da atuação da
Administração, não sendo necessário que haja efetivamente parcialidade.
As sanções que a lei determina para os atos feridos de
parcialidade são a anulabilidade e a falta disciplinar grave, nos termos do
artigo 76º do CPA.
Em suma, e como é costume dizer-se, “ninguém pode ser
juiz em causa própria”.
Após esta breve síntese daquilo que se deve entender pelo
princípio da imparcialidade, passo então à análise de um Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 22 de abril de 2009, no qual estava em causa,
sobretudo, saber se houve ou não violação do princípio da imparcialidade na
conduta dos órgãos administrativos.
Análise
do acórdão[1]
Neste acórdão estava em causa um
concurso que se destinava ao recrutamento para o cargo de Diretor de Serviços
de Qualidade do quadro de pessoal da Direção Regional do Ministério da
Economia, o qual se regia pela Lei nº 49/99 de 22/06 e pelo DL 204/98, de
03/09.
O requerente solicitou recurso do
acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso
contencioso de anulação do despacho de 28.08.2000 do Senhor Secretário de
Estado Adjunto do Ministro da Economia, que homologou a lista de classificação
final de Serviços de Qualidade do quadro de pessoal dirigente da Direção
Regional do Norte do Ministério da Economia (este foi o objeto do recurso
contencioso).
No Aviso de Abertura do concurso,
num dos seus pontos, dizia-se que “Os critérios de apreciação
e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de seleção,
bem como o sistema de classificação final, concluindo a respetiva fórmula
classificativa, constam de atas das reuniões do júri do concurso, sendo as
mesmas facultadas aos candidatos sempre que solicitadas” e o requerente solicitou ao Presidente de Júri cópia das
referidas atas, tendo constatado que a ata da
primeira reunião do Júri, realizada em 07/04/2000, na qual constavam os
critérios acima referidos, se tinha realizado numa data posterior à data da
publicação do mencionado Aviso de Abertura.
Neste contexto, o requerente
entendeu haver violação dos artigos 5º/2 b), 19º e 27º do DL nº 204/98 de 11 de
julho, bem como a violação dos princípios da imparcialidade, da transparência
procedimental e da boa-fé (artigo 266º/2 CRP e artigo 9º e 10º do CPA). O requerente
requereu, então, a anulação do concurso.
O Supremo Tribunal Administrativo,
como resposta ao recurso emitido, referiu que não houve
qualquer possibilidade de o júri do concurso ter tido acesso às candidaturas ou
sequer à identidade dos candidatos, porque à data em que foram fixados os
critérios (7 de abril de 2000), nenhuma candidatura tinha sido ainda
apresentada a concurso (foram apresentadas entre 10 de abril e 17 de abril de
2000, conforme ficou provado nos factos), logo não havia sequer a possibilidade
de ter ocorrido violação dos princípios invocados. Refere-se ainda que não
só não houve violação efetiva da
imparcialidade e transparência exigidas na atuação administrativa, como não houve
o perigo de o júri
conhecer os currículos dos
candidatos ou a sua identidade.
Concluindo, o STA negou provimento
ao recurso, concordando com o acórdão recorrido. Ou seja, não houve naquele
concurso qualquer violação dos princípios da imparcialidade, transparência
procedimental e da boa-fé, nem violação das normas legais invocadas.
Do meu ponto de vista, o STA negou
provimento ao recurso com toda a razão, uma vez que ficou provado que a ata de
reunião do júri para a fixação dos critérios se realizou dias antes da data em
que surgiram as candidaturas ao concurso. O recorrente, ainda assim, defendeu
que havia o risco de o júri poder ter acesso às candidaturas. No entanto, não
há qualquer facto que indicie essa possibilidade. Pelo contrário, tudo indica
que a atuação dos órgãos administrativos foi imparcial e isenta, visto que
quando foram apresentadas as primeiras candidaturas já tinham sido determinados
os critérios de avaliação a ter em conta na apreciação das mesmas.
Desta forma, na sua vertente
negativa, que era o que o requerente invocava neste caso, o princípio da
imparcialidade foi respeitado. Não houve sequer a possibilidade de qualquer
tipo de manipulação, por parte dos órgãos administrativos (júri do concurso), dos
critérios para o recrutamento para aquele cargo em função do eventual conhecimento
das pessoas que apresentaram candidaturas.
Concluo, assim, que a decisão
emitida pelo STA foi justa e conforme ao Direito.
Bibliografia
FREITAS
DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito
Administrativo, Vol. II, Reimpressão da 3 ed., 2017, Almedina
MARCELO
REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I,
Dom Quixote, Lisboa, Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª ed., Dom quixote,
2004
Catarina
Patrício Cruz
Subturma
14, nº 56960
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