Monday, April 9, 2018




O Princípio da Imparcialidade- Análise a um Acórdão 


O princípio da imparcialidade no Direito Administrativo
            O princípio da imparcialidade é um princípio constitucionalmente consagrado (266º/2 CRP) também presente no artigo 9º do CPA. É de extrema importância, pois é o garante do tratamento imparcial na atuação da Administração Pública com aqueles que com ela se relacionem.
            “Imparcialidade” vem do latim “super partes”, ou seja, significa analisar a situação numa posição exterior e acima das partes em conflito. Consiste em não privilegiar, nem tomar o partido de nenhuma das partes no litígio.
            Desde sempre ouvimos dizer que a justiça deve ser cega. Ora isto tem precisamente que ver com a questão da imparcialidade. A justiça não deve determinar as soluções dos litígios em função de amizades, simpatia, favores ou quaisquer outros interesses alheios à função que não se rejam por critérios objetivos e relevantes no processo decisório ou no processo em que se pronuncia.
            Há duas vertentes neste princípio: a positiva e a negativa. Quanto à vertente positiva, significa que a Administração Pública deve ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos relevantes para a tomada de decisão. Só serão imparciais os atos que resultem de uma ponderação exaustiva dos interesses juridicamente protegidos no caso concreto. A ponderação, suficiente e bem-feita, é essencial e necessária à garantia da imparcialidade na atuação administrativa.
            No que respeita à vertente negativa do princípio da imparcialidade, quer-se referir que os titulares de órgãos e agentes da Administração Pública não podem intervir em atos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal, interesse da sua família ou de pessoas com as quais tenham relações económicas de especial proximidade de modo a colocar em risco a isenção da sua conduta (artigos 69º e 73º do CPA). É, enfim, um dever de não intervir nos atos em que há o risco ou o perigo de parcialidade da atuação da Administração, não sendo necessário que haja efetivamente parcialidade.
            As sanções que a lei determina para os atos feridos de parcialidade são a anulabilidade e a falta disciplinar grave, nos termos do artigo 76º do CPA.
            Em suma, e como é costume dizer-se, “ninguém pode ser juiz em causa própria”.
            Após esta breve síntese daquilo que se deve entender pelo princípio da imparcialidade, passo então à análise de um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de abril de 2009, no qual estava em causa, sobretudo, saber se houve ou não violação do princípio da imparcialidade na conduta dos órgãos administrativos.
Análise do acórdão[1]
            Neste acórdão estava em causa um concurso que se destinava ao recrutamento para o cargo de Diretor de Serviços de Qualidade do quadro de pessoal da Direção Regional do Ministério da Economia, o qual se regia pela Lei nº 49/99 de 22/06 e pelo DL 204/98, de 03/09.
            O requerente solicitou recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho de 28.08.2000 do Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, que homologou a lista de classificação final de Serviços de Qualidade do quadro de pessoal dirigente da Direção Regional do Norte do Ministério da Economia (este foi o objeto do recurso contencioso).
            No Aviso de Abertura do concurso, num dos seus pontos, dizia-se que “Os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de seleção, bem como o sistema de classificação final, concluindo a respetiva fórmula classificativa, constam de atas das reuniões do júri do concurso, sendo as mesmas facultadas aos candidatos sempre que solicitadas” e o requerente solicitou ao Presidente de Júri cópia das referidas atas, tendo constatado que a ata da primeira reunião do Júri, realizada em 07/04/2000, na qual constavam os critérios acima referidos, se tinha realizado numa data posterior à data da publicação do mencionado Aviso de Abertura.
            Neste contexto, o requerente entendeu haver violação dos artigos 5º/2 b), 19º e 27º do DL nº 204/98 de 11 de julho, bem como a violação dos princípios da imparcialidade, da transparência procedimental e da boa-fé (artigo 266º/2 CRP e artigo 9º e 10º do CPA). O requerente requereu, então, a anulação do concurso.
            O Supremo Tribunal Administrativo, como resposta ao recurso emitido, referiu que não houve qualquer possibilidade de o júri do concurso ter tido acesso às candidaturas ou sequer à identidade dos candidatos, porque à data em que foram fixados os critérios (7 de abril de 2000), nenhuma candidatura tinha sido ainda apresentada a concurso (foram apresentadas entre 10 de abril e 17 de abril de 2000, conforme ficou provado nos factos), logo não havia sequer a possibilidade de ter ocorrido violação dos princípios invocados. Refere-se ainda que não só não houve violação efetiva da imparcialidade e transparência exigidas na atuação administrativa, como não houve o perigo de o júri conhecer os currículos dos candidatos ou a sua identidade.
            Concluindo, o STA negou provimento ao recurso, concordando com o acórdão recorrido. Ou seja, não houve naquele concurso qualquer violação dos princípios da imparcialidade, transparência procedimental e da boa-fé, nem violação das normas legais invocadas.
            Do meu ponto de vista, o STA negou provimento ao recurso com toda a razão, uma vez que ficou provado que a ata de reunião do júri para a fixação dos critérios se realizou dias antes da data em que surgiram as candidaturas ao concurso. O recorrente, ainda assim, defendeu que havia o risco de o júri poder ter acesso às candidaturas. No entanto, não há qualquer facto que indicie essa possibilidade. Pelo contrário, tudo indica que a atuação dos órgãos administrativos foi imparcial e isenta, visto que quando foram apresentadas as primeiras candidaturas já tinham sido determinados os critérios de avaliação a ter em conta na apreciação das mesmas.
            Desta forma, na sua vertente negativa, que era o que o requerente invocava neste caso, o princípio da imparcialidade foi respeitado. Não houve sequer a possibilidade de qualquer tipo de manipulação, por parte dos órgãos administrativos (júri do concurso), dos critérios para o recrutamento para aquele cargo em função do eventual conhecimento das pessoas que apresentaram candidaturas.
            Concluo, assim, que a decisão emitida pelo STA foi justa e conforme ao Direito.
           
Bibliografia
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Reimpressão da 3 ed., 2017, Almedina
MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, Lisboa, Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª ed., Dom quixote, 2004
Catarina Patrício Cruz
Subturma 14, nº 56960

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