Sunday, April 8, 2018


Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional N.o  472/89

Noção de Regulamento Administrativo - Elemento orgânico
O professor Freitas do Amaral dá a seguinte noção de Regulamento administrativo “norma jurídica emanada no exercício do poder administrativo por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei”
A noção de regulamento encerra três elementos essenciais, um de natureza material, outro de natureza orgânica e um último de natureza funcional.
No que toca ao ponto de vista orgânico o regulamento é por via de regra ditado por um órgão de uma pessoa coletiva publica integrante da Administração pública. No entanto, esta função, por vezes é exercida por pessoas coletivas publicas que não integram a administração e por entidades de direito privado, que podem exercer, a título excecional, poeres regulamentares.
Frequentemente certos serviços, obras ou bens públicos estão concedidos a pessoas coletivas privadas e a lei ou ato ou contrato de concessão sujeita os utentes desses serviços às normas regulamentares fixadas. Também estes regulamentos se subordinam ao regime procedimental dos regulamentos externos constante nos artigos 114º e seguintes do CPA.

Federações Desportivas detentoras de Estatuto de Utilidade Pública desportiva

De acordo como artigo 22º/1 da lei nº 1/90, de 13 de janeiro (lei de Bases do Desporto), “o estatuto de utilidade pública desportiva é o instrumento por que é atribuída a uma federação desportiva a competência para o exercício, dentro do respetivo âmbito de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza publica.”
Segundo o artigo nº 1 do artigo 8º do D.L nº144/93, de 26 de Abril, alterado pelo D.L nº 111/97, de 9 de maio, diploma que desenvolve os princípios da lei anteriormente referida, “têm natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados”

Acórdão nº 472/89 do Tribunal Constitucional
               Neste acórdão admite-se expressamente “a possibilidade de, por via de lei, se dar a atribuição de poderes e funções publicas a entidades privadas, incluindo a outorga de faculdades normativas, pelo que as normas, apesar de emitidas por entidades privadas, devem ser consideradas como normas públicas – incluindo para efeitos de sujeição ao controle de constitucionalidade.

Este acórdão trata de um requerimento do Procurador-Geral da República, de apreciação da inconstitucionalidade de normas dos artigos 86º do Estatuto da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e 86.º do Regulamento Disciplinar da mesma Federação.  Sustenta que “as normas referidas negam aos desportistas federados e às demais entidades filiadas na FPF o acesso à via judiciária, abrangendo nesta «não só os tribunais judiciais, mas também os tribunais administrativos”
“A Federação não considera correta a sua qualificação como associação pública, “(...) “o próprio Estado reconhece «que a FPF é uma pessoa de direito privado e não uma instituição de direito público»”, “rejeita ainda a Federação que os actos por ela praticados possam ter o tratamento jurídico dos actos administrativos”, “os seus actos seriam insusceptíveis de recurso contencioso por não serem actos administrativos.  Mas retira sobretudo    — com directo relevo para o presente processo — que os precei­tos cuja constitucionalidade é posta em causa não seriam «normas» para efeitos de fiscalização da sua conformidade à Constituição, já que esta incide unicamente sobre «actos do poder normativo do Estado”
Este acórdão pronuncia-se primeiramente na questão da qualificação como associação publica da Federação, fazendo uma contextualização histórica da evolução da disciplina legal das atividades desportivas em geral e de futebol.
É referida a publicação do DL 164/85 de 15 de maio onde ficou clara a “independencia” dos organismos de caráter desportivo e é referido o reconhecimento pela CRP da importância social do desporto e um direito fundamental à sua prática.
É feita referência à caracterização das associações publicas por parte da doutrina. Segundo o professor Manuel de Andrade «são pessoas de direito público as pessoas colectivas que disfrutam, em maior ou menor extensão, o chamado jus imperii, correspondendo-lhes, portanto, quaisquer funções próprias da autoridade estadual», e tal imperium consiste «grosso modo, na possibilidade de, por via normativa ou através de determinações concretas, emitir comandos vinculativos”
O professor Marcello Caetano propunha mais dois elementos, a prossecução necessária de um interesse publico e a criação por ato do Poder publico.
O tribunal Constitucional entende aqui que serão associações publicas “associações que têm a natureza de pessoa colectiva pública”. Aqui exprime-se um fenómeno de devolução de poderes.
Segundo Jorge Miranda, as Federações desportivas seriam justamente um exemplo de associação pública
No entanto, seguindo Freitas do Amaral, estaríamos perante uma simples pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública.
A jurisprudência, apesar de dividida inclina-se para a segunda posição, que é acolhida pelo tribunal constitucional, resultando então que a federação não seria uma associação publica.
“Posto isto, dir-se-ia então estar encontrada, sem mais, a resposta a dar à questão prévia oportunamente enunciada. Não sendo a Federação Portuguesa de Futebol uma associação pública, teremos que nem os preceitos dos seus Estatutos, nem os dos seus regulamentos (mormente do seu Regulamento Disciplinar) serão normas «públicas» 


É aqui que surge a possibilidade da atribuição de poderes ou funções públicas a entidades privadas.
 Uma devolução de competência normativa pública a pessoas coletivas de direito privado só ocorrerá se existir um ato de poder público a operá-la directa e iniludivelmente
No que toca aos Estatutos não há nenhum ato de poder público — v. g., de autorização, aprovação, homologação, ou de atribuição legal — que deva tomar-se como expressão da devolução dum poder normativo público à Federação Portuguesa da Futebol. O Estatutos foram aprovados e adquiriram eficácia à revelia de qualquer intervenção do poder público.
Quanto ao regulamento disciplinar, questiona-se se a competência disciplinar da Federação decorreria essencialmente duma atribuição do Estado, atribuição que incluiu a outorga, à mesma entidade, de um poder normativo nessa área, o qual veio a traduzir-se no correspondente regulamento. 
O tribunal constitucional considera que o eventual problema da ilegitimidade dos preceitos em causa não pode qualificar-se como questão de constitucionalidade para cujo conhecimento o Tribunal Constitucional seja competente.



Catarina Vilhena Mina
Subturma 14






















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