A fundamentação do ato administrativo nem sempre foi, como é hoje, uma obrigação geral da administração, sendo
necessária a estipulação por lei da necessidade de apresentação de um
fundamento, para que a administração estivesse vinculada a apresentar a
justificação legal para as suas decisões. Só com a constituição de um estado de
direito democrático a fundamentação das decisões passou a ser algo obrigatório
para a maioria dos atos administrativos, como o é na atualidade.
Neste caso em concreto, é tratada a questão da falta de fundamento
do ato ou da insuficiência e das respetivas consequências para a sua validade.
Resumidamente, uma sociedade deduziu uma impugnação judicial no Tribunal Administrativo e
Fiscal de Leiria contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios
relativos a 3 anos. O tribunal a quo julgou
procedente a impugnação, considerando que a Fazenda Pública havia tirado
conclusões para as quais não apresentara justificações concretas,
limitando-se a descrever as normas legais invocadas na tomada de decisão. Foi
então declarada a invalidade do ato, sentença da qual recorreu a Fazenda
Pública, argumentando que não optara por um decreto-lei invocado pela
contraparte, pelo facto dos bens em causa não se encontrarem abrangidos no
diploma — relativo a bens que já tendo sido definitivamente tributados, não
teriam que o ser, mais uma vez — e, por isso, não concordando, com o tribunal a quo quando este considerou a
fundamentação insuficiente.
Ora, como dissemos acima, a obrigação por parte da administração de
fundamentar os seus atos nem sempre existiu. Contudo, hoje encontra-se
consagrada no artigo 268/3 da CRP e 152º do CPA, na sua versão atual. Por
fundamentação entende-se, segundo o Professor Freitas de Amaral, “a enunciação explícita
das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo
conteúdo”[1].
Salienta-se aqui o termo “explícito”, mesmo para cumprir as inúmeras funções
que a fundamentação dos atos administrativos deve servir.
A administração não só deve fundamentar os atos que adota no
espírito do princípio da colaboração com os particulares, positivado no artigo 11º
do CPA, contribuindo para uma melhor relação entre o poder público e os
cidadãos, como esta fundamentação se revela útil para o controlo da atividade
administrativa. O particular nunca saberá se tem motivo para interpor uma
impugnação administrativa ou contenciosa, se não tem conhecimento dos factos
que estiveram na base da decisão tomada pela administração e a razão pela qual as normas foram aplicadas.
Esta explicitação contribui, ela própria, para uma tomada de
decisão mais consciente, uma vez que sendo forçada a justificar-se, a
administração pondera, de forma mais diligente, todos os factos relevantes para
o interesse público, pelo qual se deve sempre reger. Deve, por isso, ser clara,
ainda que sucinta, podendo ver-se substituída por informações ou propostas
feitas no procedimento e que passam a fazer parte do ato, segundo o artigo 153º
do CPA. Retira-se deste mesmo artigo que um dos principais objetivos da
fundamentação dos atos administrativos é assegurar que as garantias dos
interessados não são prejudicadas.
E aqui reside a questão: a fundamentação deve ter, em primeiro
lugar, o objetivo de elucidar o
interessado sobre o “processo cognoscitivo” — como disposto no referido acórdão
e defendido pela maioria da jurisprudência —, caso contrário, coloca em causa a tutela de
juridicidade, uma vez que condiciona a ação do particular contra a
administração, por não saber, em primeiro lugar, quais os fundamentos da sua
decisão.
Ora, no caso em concreto, a administração, ao fazer uma simples
enunciação dos artigos utilizados, impediu o particular de poder discernir os
verdadeiros motivos do ato. Estavam em causa automóveis em segunda mão, que se
enquadravam na previsão do decreto-lei cuja dispensa de aplicação a
administração não justificou, limitando-se a referir as normas aplicáveis.
A insuficiência da fundamentação do ato é considerada equivalente à
ausência da fundamentação, que determina a anulabilidade do ato. Como já foi
acima referido, a fundamentação deve ser clara e sucinta, contudo, para além
disso, segundo a nossa jurisprudência, sendo um conceito relativo, deve também
ser adequada à questão colocada. Ou seja, quanto maior for o grau de discordância
entre a administração e os particulares na questão, mais consistente e
explícita deve ser a fundamentação da decisão.
Tratando-se de uma matéria tão específica e técnica como é a
matéria fiscal e tributária, ainda maior deveria ser o cuidado da administração na justificação da tomada das suas decisões. O tribunal considerou, então, e
bem, no mesmo sentido da jurisprudência anterior, que sendo a mera descrição
das normas aplicadas manifestamente insuficiente mesmo até para o tribunal cuja
apreciação do ato foi solicitada, o ato impugnado deveria ser considerado anulável,
pelo vício da falta de fundamentação, atingindo, por isso, os efeitos do ato
impugnado e dando razão ao particular.
Maria
Beatriz Silva
Nº
57107
BIBLIOGRAFIA
AMARAL,
Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
SOUSA,
Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral, Tomo III, 12ª ed., Dom Quixote, Lisboa.
[1] AMARAL,
Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, P. 314.
No comments:
Post a Comment