Monday, April 30, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo: Processo nº 0383/12 de 17/10/2012

A fundamentação do ato administrativo nem sempre foi, como é hoje, uma obrigação geral da administração, sendo necessária a estipulação por lei da necessidade de apresentação de um fundamento, para que a administração estivesse vinculada a apresentar a justificação legal para as suas decisões. Só com a constituição de um estado de direito democrático a fundamentação das decisões passou a ser algo obrigatório para a maioria dos atos administrativos, como o é na atualidade.
Neste caso em concreto, é tratada a questão da falta de fundamento do ato ou da insuficiência e das respetivas consequências para a sua validade. Resumidamente, uma sociedade deduziu uma impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativos a 3 anos. O tribunal a quo julgou procedente a impugnação, considerando que a Fazenda Pública havia tirado conclusões para as quais não apresentara justificações concretas, limitando-se a descrever as normas legais invocadas na tomada de decisão. Foi então declarada a invalidade do ato, sentença da qual recorreu a Fazenda Pública, argumentando que não optara por um decreto-lei invocado pela contraparte, pelo facto dos bens em causa não se encontrarem abrangidos no diploma — relativo a bens que já tendo sido definitivamente tributados, não teriam que o ser, mais uma vez — e, por isso, não concordando, com o tribunal a quo quando este considerou a fundamentação insuficiente.
Ora, como dissemos acima, a obrigação por parte da administração de fundamentar os seus atos nem sempre existiu. Contudo, hoje encontra-se consagrada no artigo 268/3 da CRP e 152º do CPA, na sua versão atual. Por fundamentação entende-se, segundo o Professor Freitas de Amaral, “a enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo”[1]. Salienta-se aqui o termo “explícito”, mesmo para cumprir as inúmeras funções que a fundamentação dos atos administrativos deve servir.
A administração não só deve fundamentar os atos que adota no espírito do princípio da colaboração com os particulares, positivado no artigo 11º do CPA, contribuindo para uma melhor relação entre o poder público e os cidadãos, como esta fundamentação se revela útil para o controlo da atividade administrativa. O particular nunca saberá se tem motivo para interpor uma impugnação administrativa ou contenciosa, se não tem conhecimento dos factos que estiveram na base da decisão tomada pela administração e a razão pela qual as normas foram aplicadas.
Esta explicitação contribui, ela própria, para uma tomada de decisão mais consciente, uma vez que sendo forçada a justificar-se, a administração pondera, de forma mais diligente, todos os factos relevantes para o interesse público, pelo qual se deve sempre reger. Deve, por isso, ser clara, ainda que sucinta, podendo ver-se substituída por informações ou propostas feitas no procedimento e que passam a fazer parte do ato, segundo o artigo 153º do CPA. Retira-se deste mesmo artigo que um dos principais objetivos da fundamentação dos atos administrativos é assegurar que as garantias dos interessados não são prejudicadas.
E aqui reside a questão: a fundamentação deve ter, em primeiro lugar, o objetivo de elucidar o interessado sobre o “processo cognoscitivo” — como disposto no referido acórdão e defendido pela maioria da jurisprudência —, caso contrário, coloca em causa a tutela de juridicidade, uma vez que condiciona a ação do particular contra a administração, por não saber, em primeiro lugar, quais os fundamentos da sua decisão.
Ora, no caso em concreto, a administração, ao fazer uma simples enunciação dos artigos utilizados, impediu o particular de poder discernir os verdadeiros motivos do ato. Estavam em causa automóveis em segunda mão, que se enquadravam na previsão do decreto-lei cuja dispensa de aplicação a administração não justificou, limitando-se a referir as normas aplicáveis.
A insuficiência da fundamentação do ato é considerada equivalente à ausência da fundamentação, que determina a anulabilidade do ato. Como já foi acima referido, a fundamentação deve ser clara e sucinta, contudo, para além disso, segundo a nossa jurisprudência, sendo um conceito relativo, deve também ser adequada à questão colocada. Ou seja, quanto maior for o grau de discordância entre a administração e os particulares na questão, mais consistente e explícita deve ser a fundamentação da decisão.
Tratando-se de uma matéria tão específica e técnica como é a matéria fiscal e tributária, ainda maior deveria ser o cuidado da administração na justificação da tomada das suas decisões. O tribunal considerou, então, e bem, no mesmo sentido da jurisprudência anterior, que sendo a mera descrição das normas aplicadas manifestamente insuficiente mesmo até para o tribunal cuja apreciação do ato foi solicitada, o ato impugnado deveria ser considerado anulável, pelo vício da falta de fundamentação, atingindo, por isso, os efeitos do ato impugnado e dando razão ao particular.


Maria Beatriz Silva
Nº 57107



BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 12ª ed., Dom Quixote, Lisboa.


es concretasa uma justificaçanos. nsatiria contra liquidaç



[1] AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, P. 314.

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