Tuesday, April 10, 2018


O princípio dos princípios. O fim dos princípios ?
I
1. – Introdução - Impera aqui uma análise material do bloco de legalidade que vigora no sistema judicial português, nomeadamente no ramo do Direito Administrativo. Uma análise a ser levada a cabo através da ótica dos princípios constitucionais que balizam a atividade administrativa material.

Estes princípios são promovidos a atores principais, no palco do Direito Administrativo, com a Constituição de 1976, que prima pela atenção e pela relevância que dá ao tema da Administração Pública – sendo que, nomeadamente, consagra os seus princípios fundamentais no artigo 266º. A sua força, dimensão e legitimidade jurídicas saem ainda mais aprofundadas da Revisão Constitucional de 1982, com a cristalização da fórmula Estado de Direito Democrático. Ao, felizmente, embargar toda a ordem jurídica enraiza ainda mais nela os valores fundamentais que servem de base ao Direito Administrativo material. Outro marco histórico digno de nota resulta da verdadeira revolução administrativa que foi o Código de Procedimento Administrativo, de 1991. A matéria dos princípios volta aqui a ser aprofundada, estando em destaque do artigo 6º ao 14º. Este diploma é ainda responsável pelo acréscimo do adjetivo Democrático à fórmula Estado de Direito. Este simples exercício linguístico permite a priori ter uma clara noção da sua base valorativa. Por fim, pode ainda ser dito que a relevância do legislar europeu no direito administrativo material, nomeadamente no Portugal, tem sido crescente. A registar aqui um movimento de influência recíproca, nos dois sentidos. A título de exemplo, o facto de o princípio geral do Estado de Direito ter sido consagrado igualmente no direito da União Europeia, no artigo 2.º do Tratado da União Europeia.

1.1. – Regras ou Princípios ? - Seguindo aqui a senda de Freitas do Amaral, crê-se que cabe aqui estabelecer desde já esta distinção conceptual, ainda que de forma sumária. Têm-se com regra as normas que por natureza exigem, proíbem ou permitem algo de forma resoluta e inflexível. Não podem assim coexistir no ordenamento regras antinômicas. Opera-se aqui no campo do “tudo ou nada, sim ou não”. Por seu turno, os princípios terão uma natureza menos absoluta e menos definitiva. Estes exigem apenas a realização de algo da melhor forma possível, tendo em conta as possibilidades ao dispor. Os princípios velam assim pela optimização das atuações fáticas e jurídicas. Opera-se assim com o escopo de “fazer o melhor, com as condições que se têm, enquanto não se têm condições melhores, para fazer melhor ainda.”[1]

2. – Enumeração e Elenco - Continuando a apostular a obra de Freitas do Amaral, passa-se aqui à enumeração, e a um sumário desenvolvimento, de alguns dos principais princípios constitucionais que vinculam a atividade da Administração Pública, nomeadamente os do artigo 266º da Constituição. Crê-se que isto será fundamental para facilitar a consolidação do entendimento das bases da matéria, o que consequentemente facilitará a análise prática.

2.1. – Princípio da Prossecução do Interesse Público - É este o primeiro princípio a ser enumerado no número 1 do artigo 266º. A captação estará adjacente à captação da definição de “interesse público”. Na terminologia de São Tomás de Aquino este seria “aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”. Já Freitas do Amaral vem aproximar a noção do “interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum”. Jean Rivero vem ainda acrescentar que o interesse público se caracteriza pela “esfera das necessidades a que a necessidade privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos membros”.

2.2. – Princípio da Boa Administração - Para além de tipificado no artigo 266º, este tem ainda consagração expressa no artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo. Em relação temos ainda o princípio da eficiência, consagrado na alínea c) do artigo 81º, da Constituição. Uma boa administração deve ser assim uma administração que prima por ser racional, expedita e económica, velando sempre pela aproximação dos serviços às populações e pela desburocratização.

2.3. – Princípio da Legalidade - Com base legal estabelecida no número 2 do artigo 266º e especificamente no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo, este princípio corrobora com a ideia de obediência à lei. Vem assim entroncar no princípio da competência que diz que a Administração só faz aquilo que a lei lhe permite fazer, obedecendo sempre aos fundamentos e os limites que esta impõe.

2.4. – Princípio do Respeito pelos Direitos e Interesses Legalmente Protegidos dos Particulares - Se, pela rama, este princípio pode parecer autoexplicativo mas as suas ramificações doutrinárias são vastas. Infelizmente, não cabe aqui analisar todas elas. Deve, contudo, ser aqui dito que este princípio tem consagração, na Constituição nos artigos 272º, 266º, 22º, 23º, e no Código de Procedimento Administrativo nos artigos 121º e 152º. Sumariamente, todos eles no sentido de estabelecer uma salvaguarda às proteções jurídicas dos particulares, desde que, é claro, se revelem dignas da mesma. Pode ainda ser visto como um contrabalanço a um eventual poder absolutista da Administração Pública.

2.5. – Princípio da Igualdade - Cristalizado nos artigos 13º e 266º da Constituição e no artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo, este princípio teve variadas interpretações doutrinárias desde a sua formalização, no advento dos Liberalismos.  De uma forma ou de outra, acaba por se enraizar em todas as áreas do Constitucionalismo Moderno. A ideia que pode ser destilada deste princípio encontra-se na letra do artigo 13º, ao dizer que “todos (…) são iguais perante a lei”. Hoje tido como conceito universal, todos teve ao longo da História diferentes extensões e profundidades. Na atualidade, a lei não pode discriminar os cidadãos e está ainda obrigada à correta diferenciação, evitando assim uma atuação que em nome da igualdade seja absoluta e cega. Trata-se aqui de tratar o que é igual como igual e o que é diferente como diferente, na medida da sua diferença.

2.6. – Princípio da Proporcionalidade - Tido como uma das ideias que maior difusão teve nas últimas décadas, este princípio tem vários preceitos com sede nos artigos 18º, 19º, 266º, 272º da Constituição e no artigo 7º do Código de Procedimento Administrativo. Não querendo incorrer numa situação de prejudicial simplificação, este princípio atesta que os poderes públicos, na sua atuação, não devem exceder “o estritamente necessário para a realização do interesse público.” Portanto, interlaça-se ainda com a noção que essa mesma atuação deve ser adequada, equilibrada e limitada ao estritamente necessário.

2.7. – Princípio da Boa-fé - Mais uma vez não cabe aqui abarcar toda a astronómica dimensão deste é que um dos princípios basilares do universo jurídico. Como tal faz-se aqui apenas as remissões legais a ter em conta, nomeadamente para o artigo 266º da Constituição e 10º do Código de Procedimento Administrativo.

2.8. – Princípio da Imparcialidade - Tipificado no artigo 9º do Código de Procedimento Administrativo, é apilcado, sobretudo, aos decisores jurídicos, nomeadamente aos juízes. Daqui deriva a ideia metafórica que de a Justiça deve ser cega. Recorrendo à jurisprudência, o Supremo Tribunal Administrativo já tece ocasião de se pronunciar na matéria dizendo que este “impõe que os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem caráter decisório”.[2]

II
3. – Notas Preliminares - Cabe agora aqui passar a uma abodagem mais focada ao plano prático, através de uma rápida análise do acórdão 0164A/04 do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 13 de novembro de 2007.[3] Crê-se que este exercício, de certa forma mais prático, será útil para consolidar abordagem da matéria em causa. Contudo, antes disso, impera falar ainda de outros dois princípios de forma a possibilitar a compreensão de todos os princípios invocados na argumentação do dito acórdão. Se até aqui se seguiu o elenco de Freitas do Amaral, estes dois últimos escapam à enumeração do douto mestre.

3.1. – O Princípio da Segurança Jurídica e o Princípio da Confiança - Dado que o princípio da segurança jurídica, em sentido amplo, embarga o princípio da confiança, crê-se que não há prejuízo de serem analisados em conjunto. Neste caso, pela parte se percebe o todo e pelo todo se percebe a parte. Dizer desde já que ambos são dos princípios mais abrangentes de um Estado de Direito. Não se limitam ao Direito Administrativo, e influenciam todos os tipos de relações entre particulares e o Estado.
            No que toca à segurança jurídica, o indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus actos ou às decisões públicas que incidam sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico e não noutros imprevisíveis. Já o princípio da confiança une-se na previsibilidade das soluções na ordem jurídica de tal forma que alterações na lei hão-de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei.      
A nossa jurisprudência constitucional tem a definição deste princípio, amiúde, assente em quatro critérios. Primeiramente, para que se seja digno da tutela jurídico-constitucional da confiança é necessário que o Estado, tenha principiado comportamentos capazes de gerar nos particulares expectativas de continuidade. Em segundo lugar, tais expectativas devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões. Depois, os particulares devem ter feito planos que disponham para o futuro tendo em conta a perspectiva de continuidade do dito comportamento. Por fim, não podem ocorrer razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

4. – Análise da Acórdão 0164A/04, do STA, de 11/03/07
                Desde já esclarecer que a seguinte resenha não tem de forma alguma o objetivo de ser uma extensiva análise do acórdão. Tem só o cabimento de conseguir trazer alguma luz à concretização prática destes princípios. A contenda sobre a qual versa o acórdão gira em torno da eventual inconstitucionalidade do artigo 161º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e que através da sua aplicação ao caso concreto foram violados a protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança e o princípio da igualdade. O tribunal acaba por deferir pela constitucionalidade do artigo.
            O acórdão prima pelas várias advertências que faz relativamente á aplicação destes princípios materiais e que servem aqui de conclusão. No fundo, o derradeiro baluarte a ser aqui defendido será o da minúcia e sensibilidade jurídicas para saber destinguir situações que apesar de no plano fáctico e formal aparentarem ser iguais, no plano material não o são. Ainda no acórdão, uma das partes invoca, precisamente, a inconstitucionalidade de tratar duas pessoas em situações iguais de forma diferente.  Ora, tal destinção pode não representar um atentado ao princípio da igualdade. Pode, ao invés, ser um requisito para a sua verificação. Tendo em conta as específicas realidades fácticas em que se encontram cada uma das partes, tratá-las de forma igual pode ser manifestamente prejudicial às partes, aí sim ao ponto da inconstitucionalidade. Continua uma das partes na sua argumentação, que o tribunal descarta, a dizer que através da violação do princípio da igualdade viu-lhe ainda negada a tutela do princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança. Aqui, cabe usar a ótica material para saber destinguir que situações são dignas de tutela jurídica ou ainda a eventual extensão dos danos à frustração das expectativas dos particulares.

O aluno,
André Pereira
Nº 57339
Bibliografia
MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª ed., Dom Quixote, 2004

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Reimpressão da 3ª ed., 2017, Almedina




[1] Nas palavras do filósofo, escritor e orador, Mário Sergio Cortella.
[2] V. Ac. Do STA – Pleno da 1ª Secção – de 16 de novembro 1996, in AD, nº 411, p. 372 e ss. E, em especial, p. 376.

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