O princípio dos princípios. O fim dos princípios ?
I
1. – Introdução - Impera aqui uma análise material do
bloco de legalidade que vigora no sistema judicial português, nomeadamente no
ramo do Direito Administrativo. Uma análise a ser levada a cabo através da ótica
dos princípios constitucionais que balizam a atividade administrativa material.
Estes
princípios são promovidos a atores principais, no palco do Direito
Administrativo, com a Constituição de 1976, que prima pela atenção e pela
relevância que dá ao tema da Administração Pública – sendo que, nomeadamente,
consagra os seus princípios fundamentais no artigo 266º. A sua força, dimensão
e legitimidade jurídicas saem ainda mais aprofundadas da Revisão Constitucional
de 1982, com a cristalização da fórmula Estado
de Direito Democrático. Ao, felizmente, embargar toda a ordem jurídica
enraiza ainda mais nela os valores fundamentais que servem de base ao Direito
Administrativo material. Outro marco histórico digno de nota resulta da
verdadeira revolução administrativa que foi o Código de Procedimento Administrativo,
de 1991. A matéria dos princípios volta aqui a ser aprofundada, estando em
destaque do artigo 6º ao 14º. Este diploma é ainda responsável pelo acréscimo
do adjetivo Democrático à fórmula Estado de Direito. Este simples
exercício linguístico permite a priori
ter uma clara noção da sua base valorativa. Por fim, pode ainda ser dito que a relevância
do legislar europeu no direito administrativo material, nomeadamente no
Portugal, tem sido crescente. A registar aqui um movimento de influência
recíproca, nos dois sentidos. A título de exemplo, o facto de o princípio geral
do Estado de Direito ter sido
consagrado igualmente no direito da União Europeia, no artigo 2.º do Tratado da
União Europeia.
1.1. – Regras ou Princípios ? - Seguindo aqui a senda de Freitas do
Amaral, crê-se que cabe aqui estabelecer desde já esta distinção conceptual,
ainda que de forma sumária. Têm-se com regra
as normas que por natureza exigem, proíbem ou permitem algo de forma resoluta e
inflexível. Não podem assim coexistir no ordenamento regras antinômicas. Opera-se
aqui no campo do “tudo ou nada, sim ou
não”. Por seu turno, os princípios terão uma natureza menos absoluta e
menos definitiva. Estes exigem apenas a realização de algo da melhor forma
possível, tendo em conta as possibilidades ao dispor. Os princípios velam assim
pela optimização das atuações fáticas e jurídicas. Opera-se assim com o escopo
de “fazer o melhor, com as condições que se têm, enquanto não se têm condições
melhores, para fazer melhor ainda.”[1]
2. – Enumeração e Elenco - Continuando a apostular a obra de
Freitas do Amaral, passa-se aqui à enumeração, e a um sumário desenvolvimento,
de alguns dos principais princípios constitucionais que vinculam a atividade da
Administração Pública, nomeadamente os do artigo 266º da Constituição. Crê-se
que isto será fundamental para facilitar a consolidação do entendimento das
bases da matéria, o que consequentemente facilitará a análise prática.
2.1. – Princípio da Prossecução do Interesse Público - É este o
primeiro princípio a ser enumerado no número 1 do artigo 266º. A captação
estará adjacente à captação da definição de “interesse público”. Na terminologia
de São Tomás de Aquino este seria “aquilo que é necessário para que os homens
não apenas vivam, mas vivam bem”. Já Freitas do Amaral vem aproximar a noção do
“interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum”. Jean Rivero vem
ainda acrescentar que o interesse público se caracteriza pela “esfera das
necessidades a que a necessidade privada não pode responder e que são vitais
para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos membros”.
2.2. – Princípio da Boa Administração - Para além
de tipificado no artigo 266º, este tem ainda consagração expressa no artigo 5º
do Código de Procedimento Administrativo. Em relação temos ainda o princípio da eficiência, consagrado na
alínea c) do artigo 81º, da
Constituição. Uma boa administração deve ser assim uma administração que prima
por ser racional, expedita e económica, velando sempre pela aproximação dos
serviços às populações e pela desburocratização.
2.3. – Princípio da Legalidade - Com base legal estabelecida no
número 2 do artigo 266º e especificamente no artigo 3º do Código de
Procedimento Administrativo, este princípio corrobora com a ideia de obediência
à lei. Vem assim entroncar no princípio
da competência que diz que a Administração só faz aquilo que a lei lhe
permite fazer, obedecendo sempre aos fundamentos e os limites que esta impõe.
2.4. – Princípio do Respeito pelos Direitos e Interesses Legalmente
Protegidos dos Particulares - Se, pela rama, este princípio pode
parecer autoexplicativo mas as suas ramificações doutrinárias são vastas.
Infelizmente, não cabe aqui analisar todas elas. Deve, contudo, ser aqui dito
que este princípio tem consagração, na Constituição nos artigos 272º, 266º,
22º, 23º, e no Código de Procedimento Administrativo nos artigos 121º e 152º.
Sumariamente, todos eles no sentido de estabelecer uma salvaguarda às proteções
jurídicas dos particulares, desde que, é claro, se revelem dignas da mesma.
Pode ainda ser visto como um contrabalanço a um eventual poder absolutista da
Administração Pública.
2.5. – Princípio da Igualdade - Cristalizado nos artigos 13º e 266º
da Constituição e no artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo, este
princípio teve variadas interpretações doutrinárias desde a sua formalização,
no advento dos Liberalismos. De uma
forma ou de outra, acaba por se enraizar em todas as áreas do
Constitucionalismo Moderno. A ideia que pode ser destilada deste princípio
encontra-se na letra do artigo 13º, ao dizer que “todos (…) são iguais perante a lei”. Hoje tido como conceito
universal, todos teve ao longo da
História diferentes extensões e profundidades. Na atualidade, a lei não pode
discriminar os cidadãos e está ainda obrigada à correta diferenciação, evitando
assim uma atuação que em nome da igualdade seja absoluta e cega. Trata-se aqui
de tratar o que é igual como igual e o que é diferente como diferente, na
medida da sua diferença.
2.6. – Princípio da Proporcionalidade - Tido como
uma das ideias que maior difusão teve nas últimas décadas, este princípio tem
vários preceitos com sede nos artigos 18º, 19º, 266º, 272º da Constituição e no
artigo 7º do Código de Procedimento Administrativo. Não querendo incorrer numa
situação de prejudicial simplificação, este princípio atesta que os poderes
públicos, na sua atuação, não devem exceder “o estritamente necessário para a
realização do interesse público.” Portanto, interlaça-se ainda com a noção que
essa mesma atuação deve ser adequada, equilibrada e limitada ao estritamente
necessário.
2.7. – Princípio da Boa-fé - Mais uma vez não cabe aqui abarcar
toda a astronómica dimensão deste é que um dos princípios basilares do universo
jurídico. Como tal faz-se aqui apenas as remissões legais a ter em conta,
nomeadamente para o artigo 266º da Constituição e 10º do Código de Procedimento
Administrativo.
2.8. – Princípio da Imparcialidade - Tipificado no artigo 9º do
Código de Procedimento Administrativo, é apilcado, sobretudo, aos decisores
jurídicos, nomeadamente aos juízes. Daqui deriva a ideia metafórica que de a
Justiça deve ser cega. Recorrendo à jurisprudência, o Supremo Tribunal
Administrativo já tece ocasião de se pronunciar na matéria dizendo que este “impõe que os órgãos e agentes
administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos
interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se
pronunciem sem caráter decisório”.[2]
II
3. – Notas Preliminares - Cabe
agora aqui passar a uma abodagem mais focada ao plano prático, através de uma
rápida análise do acórdão 0164A/04 do Supremo Tribunal Administrativo, datado
de 13 de novembro de 2007.[3] Crê-se
que este exercício, de certa forma mais prático, será útil para consolidar
abordagem da matéria em causa. Contudo, antes disso, impera falar ainda de
outros dois princípios de forma a possibilitar a compreensão de todos os
princípios invocados na argumentação do dito acórdão. Se até aqui se seguiu o
elenco de Freitas do Amaral, estes dois últimos escapam à enumeração do douto
mestre.
3.1. – O Princípio da Segurança Jurídica e o Princípio da Confiança - Dado que o
princípio da segurança jurídica, em sentido amplo, embarga o princípio da
confiança, crê-se que não há prejuízo de serem analisados em conjunto. Neste
caso, pela parte se percebe o todo e pelo todo se percebe a parte. Dizer desde
já que ambos são dos princípios mais abrangentes de um Estado de Direito. Não
se limitam ao Direito Administrativo, e influenciam todos os tipos de relações
entre particulares e o Estado.
No
que toca à segurança jurídica, o indivíduo tem o direito de poder confiar que
aos seus actos ou às decisões públicas que incidam sobre os seus direitos,
posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e
válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento
jurídico e não noutros imprevisíveis. Já o princípio da confiança une-se na
previsibilidade das soluções na ordem jurídica de tal forma que alterações na
lei hão-de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações
jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da
nova lei.
A nossa
jurisprudência constitucional tem a definição deste princípio, amiúde, assente
em quatro critérios. Primeiramente, para que se seja digno da tutela
jurídico-constitucional da confiança é necessário que o Estado, tenha principiado
comportamentos capazes de gerar nos particulares expectativas de continuidade.
Em segundo lugar, tais expectativas devem ser legítimas, justificadas e
fundadas em boas razões. Depois, os particulares devem ter feito planos que
disponham para o futuro tendo em conta a perspectiva de continuidade do dito
comportamento. Por fim, não podem ocorrer razões de interesse público que
justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a
situação de expectativa.
4. – Análise da Acórdão 0164A/04, do STA, de 11/03/07
Desde já
esclarecer que a seguinte resenha não tem de forma alguma o objetivo de ser uma
extensiva análise do acórdão. Tem só o cabimento de conseguir trazer alguma luz
à concretização prática destes princípios. A contenda sobre a qual versa o
acórdão gira em torno da eventual inconstitucionalidade do artigo 161º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos e que através da sua aplicação
ao caso concreto foram violados a protecção da segurança jurídica e da
protecção da confiança e o princípio da igualdade. O tribunal acaba por deferir
pela constitucionalidade do artigo.
O
acórdão prima pelas várias advertências que faz relativamente á aplicação
destes princípios materiais e que servem aqui de conclusão. No fundo, o
derradeiro baluarte a ser aqui defendido será o da minúcia e sensibilidade
jurídicas para saber destinguir situações que apesar de no plano fáctico e
formal aparentarem ser iguais, no plano material não o são. Ainda no acórdão,
uma das partes invoca, precisamente, a inconstitucionalidade de tratar duas
pessoas em situações iguais de forma diferente. Ora, tal destinção pode não representar um
atentado ao princípio da igualdade. Pode, ao invés, ser um requisito para a sua
verificação. Tendo em conta as específicas realidades fácticas em que se
encontram cada uma das partes, tratá-las de forma igual pode ser manifestamente
prejudicial às partes, aí sim ao ponto da inconstitucionalidade. Continua uma
das partes na sua argumentação, que o tribunal descarta, a dizer que através da
violação do princípio da igualdade viu-lhe ainda negada a tutela do princípio
da segurança jurídica e o princípio da confiança. Aqui, cabe usar a ótica
material para saber destinguir que situações são dignas de tutela jurídica ou
ainda a eventual extensão dos danos à frustração das expectativas dos
particulares.
O aluno,
André Pereira
Nº 57339
Bibliografia
MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ
SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo
Geral, Tomo I, Introdução e
Princípios Fundamentais, 3ª ed., Dom Quixote, 2004
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol.
II, Reimpressão da 3ª ed., 2017, Almedina
[1] Nas
palavras do filósofo, escritor e orador, Mário Sergio Cortella.
[2] V. Ac.
Do STA – Pleno da 1ª Secção – de 16 de novembro 1996, in AD, nº 411, p. 372 e ss. E, em especial, p. 376.
[3]
Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eeb4d3986c2a327a8025739a004c24cd?OpenDocument&ExpandSection=1
(Consultado a 10 de abril de 2018)
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