Sunday, April 8, 2018

Análise ao acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul; Processo 2417/14.4: Data: 233-11-2017; Relator: José Gomes Correia - PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA IGUALDADE E SEGURANÇA JURÍDICA;


Retratando de forma sucinta o caso em apreço, a questão que se coloca é a de se saber se a pensão de aposentação da Autora em causa deveria ter sido calculada de acordo com legislação anterior à entrada em vigor das referidas alterações, uma vez que entre a data do pedido e a data do despacho, pela Lei n.º13/2014, de 6 de Março, viu alterada a idade da aposentação (que passou a ser de 66 anos) e as regras de cálculo da pensão (pelo art.º 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro). Deste modo, a situação anterior no que implica a idade de aposentação, estipulando o art.º 2.º da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, constituiria uma excepção à regra de os subscritores da CGA, que só poderiam pedir a aposentação ordinária quando completassem 66 anos, mas, quanto à fórmula de cálculo não se verificaria qualquer alteração.
Tal implicou que a Recorrente já tivesse cristalizado na sua esfera os pressupostos efectivos para a concessão da aposentação, considerando que esta seria data que deveria ser atentada por ser a que melhor salvaguarda os princípios da boa-fé e da confiança, previstos no art.º 6º-A do CPA e 266º/2 da CRP.
O princípio em causa impõe que não sejam frustradas as expectativas que o particular criou em determinada situação, na qual se baseou com um fundamento, neste caso que determinada lei lhe seria aplicada e nunca de forma aleatória, pelo que deverá ser assegurada a sua realização. De acordo com o professor Vasco Pereira da Silva, este e outros princípios consagrados no artigo da CRP acima, constituem um controlo interno permitido aos tribunais e são o fundamento, bem como o limite da atuação e decisão dos órgãos administrativos. A sua violação não é somente ilegal, por que também aqui se expõe um princípio de direito administratuvo, mas também inconstitucional.

Somos, assim, levados a querer que deveria ser accionado o princípio da segurança jurídica, na certeza de que, conforme jurisprudência do TC, os cidadãos que fazem os seus descontos regularmente para aquela Instituição, têm necessidade de saber antecipadamente a possível decisão que vai ser tomada pela mesma e aproximadamente os cálculos que vão ser efetuados. Segundo o TC, a norma estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar e também ofende o princípio da igualdade pelo facto de potenciar a verificação de tratamento diferente a dois requerentes contemporâneos cujos processos são despachados no domínio da vigência de leis diversas.
Por fim, pede a desaplicação do artigo lhe fora aplicado, art.º n.º1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, que a  Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, veio alterar, o que consequencia que deve a pensão da Autora deveria ser calculada com base na fórmula prevista no art.º 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, mas na redacção vigente à data do seu pedido (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º13/2014, de 6 de Março).

No que concerne à violação do princípio da segurança jurídica, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.° 195/201, afirma que o princípio da proteção da confiança é apenas uma das vertentes da segurança jurídica, valor matricial num Estado democrático. O Estado está também vinculado a inspirar essa confiança, o mesmo é dizer, a criar as condições possíveis e indispensáveis para que os cidadãos possam planear as suas vidas e realizar investimentos em segurança.  A desefa afirma ainda que, ao fixar o regime aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas retira ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua vida, como também assume ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio. Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, o Estado inspira a desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica.
De acordo com o professor Gomes Canotilho, o princípio da segurança jurídica não só é um princípio basilar do estado de direito, como apresenta dois conceitos fundamentais sujacentes: estabilidade, as decisões dos poderes públicos uma vez adotadas, não podem ser arbitrariamente modificadas; e previsibilidade, reconduz à exigência de certeza e calculabilidade em relação aos efeitos jurídicos.
A propósito da violação do princípio da igualdade, este mesmo acórdão anteriormente referido afirma que “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.”
Para o professor Gomes Canotilho, a igualdade é um pressuposto que leva à uniformização do regime das liberdades individuais. Já a igualdade na aplicação do direito, que o caso retrata, “as leis devem ser executadas sem olhar às pessoas”. Quanto à ideia de “proibição geral do arbitrío, o mesmo autor afirma que este princípio é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária, sendo esta condução suficiente para a sua violação.
A questão que coloca, pois, é a de saber se a norma sindicada, ao permitir que sejam tratados de modo diferente — ou seja, sujeitos a regimes diversos de cálculo da pensão de aposentação —, estabelece entre eles uma distinção arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional. Para responder a tal questão, considera a Recorrente ser indispensável que se determine qual o ponto de vista ou termo de comparação entre os sujeitos a tratamento diferenciado pela norma sindicada. Assim sendo, uma distinção legal é racional se for ditada pela própria finalidade da lei e será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação comensurável, com a ratio legis. Concluindo que “na fixação do regime aplicável à aposentação voluntária, releva seguramente o momento em que o direito à aposentação é exercido. Nenhuma arbitrariedade há no facto de dois funcionários, com carreiras contributivas idênticas, que se aposentam no domínio da vigência de leis diversas, estarem sujeitos a regimes diferente”, pois aí haverá sempre uma violação clara do princípio da igualdade.

Após a resposta da CGA, o tribunal retira a razão a estes e atribuí-la à Recorrente: “revogando a sentença no atinente ao cálculo da pensão que deve ser efectuado com base na fórmula prevista no art.º 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, mas na redacção vigente à data do seu pedido (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º13/2014, de 6 de Março).” Consideram existir uma violação dos princípios mencionados e discutidos, que levou à negação de provimento ao recurso da CGA.

A meu ver, na modesta opinão que me é possível apresentar, a decisão do tribunal apresenta-se como a mais correta e sensata. Aquela que zela pelo cumprimento de princípios tão fundamentais como os que atrás se expôs, e que, por sua vez, demonstra a solução mais favorável ao particular lesado.

Bibliografia:
FREITAS  DO  AMARAL,  DIOGO –Curso  de Direito  Administrativo,  volume  II, Almedina, 2016, 3a Edição
GOMES CANOTILHO, J.J.- Constitucional e Teoria da Constituição

Mariana Deus Vieira, nº 56757
Subturma 14

No comments:

Post a Comment