Retratando de forma
sucinta o caso em apreço, a questão que se coloca é a de se saber se a pensão
de aposentação da Autora em causa deveria ter sido calculada de acordo com
legislação anterior à entrada em vigor das referidas alterações, uma vez que entre
a data do pedido e a data do despacho, pela Lei n.º13/2014, de 6 de Março, viu
alterada a idade da aposentação (que passou a ser de 66 anos) e as regras de
cálculo da pensão (pelo art.º 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro). Deste
modo, a situação anterior no que implica a idade de aposentação, estipulando o
art.º 2.º da Lei n.º 77/2009, de 13 de Agosto, constituiria uma excepção à regra
de os subscritores da CGA, que só poderiam pedir a aposentação ordinária quando
completassem 66 anos, mas, quanto à fórmula de cálculo não se verificaria
qualquer alteração.
Tal implicou que a
Recorrente já tivesse cristalizado na sua esfera os pressupostos efectivos para
a concessão da aposentação, considerando que esta seria data que deveria ser
atentada por ser a que melhor salvaguarda os princípios da boa-fé e da
confiança, previstos no art.º 6º-A do CPA e 266º/2 da CRP.
O princípio em causa
impõe que não sejam frustradas as expectativas que o particular criou em
determinada situação, na qual se baseou com um fundamento, neste caso que determinada
lei lhe seria aplicada e nunca de forma aleatória, pelo que deverá ser
assegurada a sua realização. De acordo com o professor Vasco Pereira da Silva,
este e outros princípios consagrados no artigo da CRP acima, constituem um
controlo interno permitido aos tribunais e são o fundamento, bem como o limite
da atuação e decisão dos órgãos administrativos. A sua violação não é somente
ilegal, por que também aqui se expõe um princípio de direito administratuvo,
mas também inconstitucional.
Somos, assim, levados a
querer que deveria ser accionado o princípio da segurança jurídica, na certeza
de que, conforme jurisprudência do TC, os cidadãos que fazem os seus descontos
regularmente para aquela Instituição, têm necessidade de saber antecipadamente
a possível decisão que vai ser tomada pela mesma e aproximadamente os cálculos
que vão ser efetuados. Segundo o TC, a norma estabelece uma situação de
incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar e também
ofende o princípio da igualdade pelo facto de potenciar a verificação de
tratamento diferente a dois requerentes contemporâneos cujos processos são
despachados no domínio da vigência de leis diversas.
Por fim, pede a desaplicação
do artigo lhe fora aplicado, art.º n.º1 do artigo 43.º do Estatuto da
Aposentação, que a Lei n.º 66-B/2012, de
31 de Dezembro, veio alterar, o que consequencia que deve a pensão da Autora
deveria ser calculada com base na fórmula prevista no art.º 5.º da Lei n.º
60/2005, de 29 de Dezembro, mas na redacção vigente à data do seu pedido (na
redacção anterior à introduzida pela Lei n.º13/2014, de 6 de Março).
No que concerne à
violação do princípio da segurança jurídica, o Tribunal Constitucional,
através do Acórdão n.° 195/201, afirma que o princípio da proteção da confiança
é apenas uma das vertentes da segurança jurídica, valor matricial num Estado
democrático. O Estado está também vinculado a inspirar essa confiança, o mesmo
é dizer, a criar as condições possíveis e indispensáveis para que os cidadãos
possam planear as suas vidas e realizar investimentos em segurança. A desefa afirma ainda que, ao fixar o regime
aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do
requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas
retira ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua
vida, como também assume ele próprio controlo integral sobre a situação em
benefício próprio. Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, o Estado inspira a
desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica.
De acordo com o
professor Gomes Canotilho, o princípio da segurança jurídica não só é um
princípio basilar do estado de direito, como apresenta dois conceitos
fundamentais sujacentes: estabilidade, as decisões dos poderes públicos uma vez
adotadas, não podem ser arbitrariamente modificadas; e previsibilidade,
reconduz à exigência de certeza e calculabilidade em relação aos efeitos
jurídicos.
A propósito da violação
do princípio da igualdade, este mesmo acórdão anteriormente referido
afirma que “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição
da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for
essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente
diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo
da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que
estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam
distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente
não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O
princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa
ideia geral de proibição do arbítrio.”
Para o professor Gomes
Canotilho, a igualdade é um pressuposto que leva à uniformização do regime das
liberdades individuais. Já a igualdade na aplicação do direito, que o caso
retrata, “as leis devem ser executadas sem olhar às pessoas”. Quanto à ideia de
“proibição geral do arbitrío, o mesmo autor afirma que este princípio é violado
quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária, sendo esta condução
suficiente para a sua violação.
A questão que coloca,
pois, é a de saber se a norma sindicada, ao permitir que sejam tratados de modo
diferente — ou seja, sujeitos a regimes diversos de cálculo da pensão de
aposentação —, estabelece entre eles uma distinção arbitrária, porque
destituída de qualquer fundamento racional. Para responder a tal questão,
considera a Recorrente ser indispensável que se determine qual o ponto de vista
ou termo de comparação entre os sujeitos a tratamento diferenciado pela norma
sindicada. Assim sendo, uma distinção legal é racional se for ditada pela
própria finalidade da lei e será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou
uma relação comensurável, com a ratio legis. Concluindo que “na fixação do
regime aplicável à aposentação voluntária, releva seguramente o momento em que
o direito à aposentação é exercido. Nenhuma arbitrariedade há no facto de dois
funcionários, com carreiras contributivas idênticas, que se aposentam no
domínio da vigência de leis diversas, estarem sujeitos a regimes diferente”,
pois aí haverá sempre uma violação clara do princípio da igualdade.
Após a resposta da CGA,
o tribunal retira a razão a estes e atribuí-la à Recorrente: “revogando a
sentença no atinente ao cálculo da pensão que deve ser efectuado com base na
fórmula prevista no art.º 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, mas na
redacção vigente à data do seu pedido (na redacção anterior à introduzida pela
Lei n.º13/2014, de 6 de Março).” Consideram existir uma violação dos princípios
mencionados e discutidos, que levou à negação de provimento ao recurso da CGA.
A meu ver, na modesta
opinão que me é possível apresentar, a decisão do tribunal apresenta-se como a
mais correta e sensata. Aquela que zela pelo cumprimento de princípios tão
fundamentais como os que atrás se expôs, e que, por sua vez, demonstra a solução
mais favorável ao particular lesado.
Bibliografia:
FREITAS DO
AMARAL, DIOGO –Curso de Direito
Administrativo, volume II, Almedina, 2016, 3a Edição
GOMES CANOTILHO, J.J.-
Constitucional e Teoria da Constituição
Mariana Deus Vieira, nº
56757
Subturma 14
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