A discricionariedade, a margem de livre atuação da administração e
o controlo dos respetivos atos nesse âmbito, é um dos temas mais prementes do
Direito Administrativo. Iremos abordá-lo, partindo de uma questão concreta.
Neste caso em particular, a autora submeteu-se a um teste de
avaliação com o objetivo de progressão na carreira de Inspeção Tributária, no
Quadro da Direção Geral dos Impostos. Após notificada da nota atribuída (8
valores) a autora interpôs um requerimento ao Presidente da Comissão de
Avaliação, fundamentando a atribuição de 10,5 valores, enumerando as perguntas
que alegadamente teriam sido mal corrigidas. O requerimento foi indeferido.
Facto de suma relevância é a estrutura do teste, que consistia em
inúmeras perguntas de escolha múltipla.
Tanto a 1ª instância, como o TCAN proferiram uma decisão no sentido
da não sindicância da questão colocada, com um fundamento de estarmos perante
um caso de discricionariedade imprópria, nomeadamente de discricionariedade
técnica e, por isso, ainda na área de reserva da função administrativa. A
autora recorreu de ambas as decisões, argumentando que, no caso em concreto,
tratando-se de um teste de escolha múltipla, a correção por parte da
administração não envolvia qualquer tipo de discricionariedade e que, como tal,
o tribunal devia prenunciar-se.
Neste ponto, o STA deu razão à autora, admitindo o recurso,
acabando, no entanto, por o indeferir, depois de verificadas as respostas e
respetivas correções das perguntas em causa. Exposta a questão, afirmamos desde
já a nossa concordância com o acórdão proferido pela última instância, por
razões que agora vamos explanar.
Sendo atualmente aceite que não existem aspetos exclusivamente
vinculados ou exclusivamente discricionários, também é consensual que a
discricionariedade, em qualquer uma das suas formas, implica uma escolha da
administração, de entre várias possibilidades admissíveis juridicamente,
devendo a escolha ser realizada no sentido de, para além de respeitar a
competência e o fim legal, resultar na melhor satisfação do interesse público.
A existência da discricionariedade justifica-se pela
impossibilidade do legislador de prever todas as situações possíveis, as
medidas adequadas para os casos específicos ou até mesmo para a própria
proteção dos particulares, que, abrangidos nestes casos, podiam ser alvo de
soluções inadequadas, caso estas se encontrassem estipuladas em normas gerais e
abstratas.
À discricionariedade opõe-se a vinculatividade como forma de
atuação da administração pública. Tratando-se de um poder vinculado, não cabe à
administração fazer uma escolha, uma vez que o legislador já definiu o critério
a ser seguido, de acordo com o princípio da legalidade, consagrado no artigo
266 da CRP e no artigo 3º do CPA.
De entre as inúmeras formas de discricionariedade, podemos destacar,
para análise do caso em concreto, a discricionariedade técnica, que se destina
a questões onde o conhecimento especializado é necessário para a tomada de uma
decisão, podendo revelar-se necessário um parecer.
No caso em concreto parece, no entanto, evidente, tal como foi
defendido no referido acórdão, que, nesta correção da prova de avaliação dos
candidatos, a discricionariedade esteve presente na elaboração da prova, na
escolha das perguntas realizadas e respostas adequadas e nunca na correção. Nem
é possível afirmar que a correção envolveu mesmo uma discricionariedade
técnica, uma vez que a única resposta correta já havia sido determinada e a
correção se tratava, passamos a citar, de “um ato meramente mecânico de
verificação”.
O momento em que o papel da administração envolveu
discricionariedade foi aquele em que a entidade encarregada de determinar a
forma de avaliação teve de optar — daí a discricionariedade, a possibilidade de
opção — pelas respostas corretas, estando, simultaneamente vinculada pelo
Direito Fiscal, no qual as respostas se deviam basear.
Na possibilidade do processo de elaboração da prova ter ficado
exclusivamente sujeita à discricionariedade da administração o tribunal não
poderia prenunciar-se sobre a matéria, uma vez que tal seria uma violação do
princípio da separação de poderes. Não cabe aos tribunais fazer o controlo de
mérito das atividades da administração, mas sim o controlo da legalidade.
No entanto, tal como foi referido acima, a administração
encontrava-se, de facto, vinculada ao Direito Fiscal e de acordo com o
princípio da boa-fé estava obrigada a determinar uma única resposta correta
para cada pergunta, uma vez que se tratava de um teste de escolha múltipla. Ao
tribunal cabia, então, prenunciar-se sobre a possibilidade, levantada pela
autora, das respostas dadas por si estarem também de acordo com a lei fiscal,
consistindo a existência de mais do que uma pergunta correta um erro manifesto.
Assim o fez, indeferindo o recurso da autora depois de considerar que todas as
respostas determinadas correspondiam à interpretação concordante com a doutrina
da área, que devia ser conhecida por quem realizava a prova.
Maria
Beatriz Silva
Nº
57107
BIBLIOGRAFIA
AMARAL,
Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
SOUSA,
Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral, Tomo II, 12ª ed., Dom Quixote, Lisboa.
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