Monday, April 9, 2018

Comentário ao Acordão do Supremo Tribunal Administrativo: Processo nº 0768/15 de 3/3/2016.

A discricionariedade, a margem de livre atuação da administração e o controlo dos respetivos atos nesse âmbito, é um dos temas mais prementes do Direito Administrativo. Iremos abordá-lo, partindo de uma questão concreta.
Neste caso em particular, a autora submeteu-se a um teste de avaliação com o objetivo de progressão na carreira de Inspeção Tributária, no Quadro da Direção Geral dos Impostos. Após notificada da nota atribuída (8 valores) a autora interpôs um requerimento ao Presidente da Comissão de Avaliação, fundamentando a atribuição de 10,5 valores, enumerando as perguntas que alegadamente teriam sido mal corrigidas. O requerimento foi indeferido.
Facto de suma relevância é a estrutura do teste, que consistia em inúmeras perguntas de escolha múltipla.
Tanto a 1ª instância, como o TCAN proferiram uma decisão no sentido da não sindicância da questão colocada, com um fundamento de estarmos perante um caso de discricionariedade imprópria, nomeadamente de discricionariedade técnica e, por isso, ainda na área de reserva da função administrativa. A autora recorreu de ambas as decisões, argumentando que, no caso em concreto, tratando-se de um teste de escolha múltipla, a correção por parte da administração não envolvia qualquer tipo de discricionariedade e que, como tal, o tribunal devia prenunciar-se.
Neste ponto, o STA deu razão à autora, admitindo o recurso, acabando, no entanto, por o indeferir, depois de verificadas as respostas e respetivas correções das perguntas em causa. Exposta a questão, afirmamos desde já a nossa concordância com o acórdão proferido pela última instância, por razões que agora vamos explanar.
Sendo atualmente aceite que não existem aspetos exclusivamente vinculados ou exclusivamente discricionários, também é consensual que a discricionariedade, em qualquer uma das suas formas, implica uma escolha da administração, de entre várias possibilidades admissíveis juridicamente, devendo a escolha ser realizada no sentido de, para além de respeitar a competência e o fim legal, resultar na melhor satisfação do interesse público.
A existência da discricionariedade justifica-se pela impossibilidade do legislador de prever todas as situações possíveis, as medidas adequadas para os casos específicos ou até mesmo para a própria proteção dos particulares, que, abrangidos nestes casos, podiam ser alvo de soluções inadequadas, caso estas se encontrassem estipuladas em normas gerais e abstratas.
À discricionariedade opõe-se a vinculatividade como forma de atuação da administração pública. Tratando-se de um poder vinculado, não cabe à administração fazer uma escolha, uma vez que o legislador já definiu o critério a ser seguido, de acordo com o princípio da legalidade, consagrado no artigo 266 da CRP e no artigo 3º do CPA.
De entre as inúmeras formas de discricionariedade, podemos destacar, para análise do caso em concreto, a discricionariedade técnica, que se destina a questões onde o conhecimento especializado é necessário para a tomada de uma decisão, podendo revelar-se necessário um parecer.
No caso em concreto parece, no entanto, evidente, tal como foi defendido no referido acórdão, que, nesta correção da prova de avaliação dos candidatos, a discricionariedade esteve presente na elaboração da prova, na escolha das perguntas realizadas e respostas adequadas e nunca na correção. Nem é possível afirmar que a correção envolveu mesmo uma discricionariedade técnica, uma vez que a única resposta correta já havia sido determinada e a correção se tratava, passamos a citar, de “um ato meramente mecânico de verificação”.
O momento em que o papel da administração envolveu discricionariedade foi aquele em que a entidade encarregada de determinar a forma de avaliação teve de optar — daí a discricionariedade, a possibilidade de opção — pelas respostas corretas, estando, simultaneamente vinculada pelo Direito Fiscal, no qual as respostas se deviam basear.
Na possibilidade do processo de elaboração da prova ter ficado exclusivamente sujeita à discricionariedade da administração o tribunal não poderia prenunciar-se sobre a matéria, uma vez que tal seria uma violação do princípio da separação de poderes. Não cabe aos tribunais fazer o controlo de mérito das atividades da administração, mas sim o controlo da legalidade.
No entanto, tal como foi referido acima, a administração encontrava-se, de facto, vinculada ao Direito Fiscal e de acordo com o princípio da boa-fé estava obrigada a determinar uma única resposta correta para cada pergunta, uma vez que se tratava de um teste de escolha múltipla. Ao tribunal cabia, então, prenunciar-se sobre a possibilidade, levantada pela autora, das respostas dadas por si estarem também de acordo com a lei fiscal, consistindo a existência de mais do que uma pergunta correta um erro manifesto. Assim o fez, indeferindo o recurso da autora depois de considerar que todas as respostas determinadas correspondiam à interpretação concordante com a doutrina da área, que devia ser conhecida por quem realizava a prova.




Maria Beatriz Silva
Nº 57107



BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Tomo II, 12ª ed., Dom Quixote, Lisboa.


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