Monday, April 30, 2018

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo


Processo 01216/16; Data: 20/12/2017, Relator: Aragão Seia e relação com a matéria leccionada

Leitura e análise crítica do Acórdão

 O Acórdão emitido pelo Supremo Tribunal Administrativo consiste numa acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (artigo1º CPTA) intentada pela Sociedade De Agentes De Execução e Associados, RL contra a Câmara dos Solicitadores e Ministério Da Justiça (artigos 67º, nº1 e 68º, nº1 CPA). Inconformados, os AA. recorrem do despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datado de 15 de Julho de 2015, que decidiu que relativamente às exceções invocadas pela Câmara dos Solicitadores existia um erro na forma de processo e não se verificava a caducidade do direito de impugnação dos actos de liquidação.
 O presente acórdão recai substancialmente sobre a questão da validade e eficácia do ato administrativo e na consequência da nulidade com fundamento na violação da lei.

Não existe qualquer fundamento legal que permite ao Tribunal limitar para o futuro a apreciação de alguns dos pedidos formulados, e demitir-se de apreciar os demais pedidos, conforme identificados, decisão que contraria o entendimento da doutrina e da jurisprudência e que decorre de ilegalidade- ato administrativo contrário à lei.

 “Se o contribuinte se encontra numa situação de facto em que se geram sucessivas relações semelhantes com a administração tributária, o meio adequado não só para definir o seu conteúdo quanto ao passado e quanto ao futuro é a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo"- sublinhados dos recorrentes.
  
Designadamente, é possível o uso da ação quando apesar de existir um acto de administração tributária impugnável, o interessado pretender uma decisão judicial que vincule a administração tributária não só relativamente a esse determinado ato já praticado, mas também no futuro, relativamente a situações idênticas que se venham a gerar entre o interessado e a administração tributária que tenham subjacentes os mesmos pressupostos fácticos e jurídicos.

 Padece também de violação de lei, a decisão em que o Tribunal julgou não ser este o meio adequado para pedir o reconhecimento do direito à restituição dos valores já pagos pelos recorrentes, que se entende ser o único meio próprio, por neste caso não ser de todo apta a ação de impugnação judicial, cujo âmbito não abrange este género de pedido, sendo que o que os recorrentes não formulam o pedido de restituição dos tributos indevidamente pagos, mas sim o reconhecimento desse direito (artigo 2º,nº1 CPTA).
  
A decisão é também ilegal no que concerne à absolvição do recorrido Ministério da Justiça da instância com base na sua alegada ilegitimidade passiva (artigo 10º CPTA) “à contrário sensu”. A ilegitimidade passiva, consiste, no caso concreto, em afirmar que o Ministério Público não foi a parte que deu prejuízo ou quem desrespeitou o direito do autor da acção.

 A decisão recorrida teve então o seguinte teor:

Notificadas as partes para contestar a presente ação vieram, nessa sede, invocar as seguintes exceções: 

Por parte da Ré - Câmara dos Solicitadores:

- Anulação das liquidações- Os autores pretendiam com a presente ação a anulação das liquidações e por conseguinte o meio adequado para o fazer é através da impugnação judicial. A liquidação consiste em fazer o acerto formal de uma conta, ou seja, pagar uma dívida na sua totalidade ou pôr termo a uma situação, geralmente complexa;
 
- Caducidade do direito de impugnação dos atos de liquidação praticados em data anterior a 14 de Agosto de 2013. Não se pode, a meu ver, em sede de ação de reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido apreciar a legalidade das liquidações já efetuadas e emitidas, de acordo com o princípio da segurança jurídica. O  princípio da segurança jurídica está inerentemente ligado ao principio da protecção da confiança e assume-se como um dos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, e implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos dos cidadãos e nas expectativas juridicamente criadas por estes.

Por parte do Réu - Ministério das Finanças: 


- Ilegitimidade passiva- O réu vem alegar a sua ilegitimidade passiva consubstanciando a sua posição no facto de que nenhum dos pedidos é dirigido a si, como foi referenciado acima;

- Incompetência Material dos Tribunais Administrativos e Fiscais para apreciação da legalidade dos atos praticados pelos órgãos do Estado no exercício das suas funções politica;

- Caducidade do direito de impugnação dos atos de liquidação praticados em data anterior a 14 de Agosto de 2013. Na verdade, a apreciação da caducidade do direito de acção exige sempre que se proceda à contagem dos prazos legalmente estabelecidos para o efeito. Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que o instituto da caducidade do direito de ação não se colocaria no caso em apreço, uma vez que não é requerida a anulação mas a nulidade dos atos de liquidação e esta pode ser requerida a todo o tempo (art. 134, nº 2 do CPA). Porém, como o Sr. Juiz refere, no caso de os atos tributários/administrativos estarem sujeitos a vícios geradores de nulidade, do tipo mais grave de invalidade, como já veremos brevemente, podem ser impugnados a todo o tempo, segundo o artigo 162º do CPA. 

Conclusões acerca do Acórdão:

Atendendo a que o pedido a) e segunda parte do pedido b) dos autores se consubstancia no reconhecimento do direito à não liquidação, cobrança e pagamento da permilagem à caixa de compensações só pode ser apreciada para o futuro, não podendo através desta mesma ação ver apreciada a legalidade das liquidações já efetuadas, o que configura uma vez mais, o principio da segurança jurídica, sendo a impugnação judicial o meio próprio para o fazer. 

Relação do caso concreto com a matéria leccionada:

 Primeiramente, é importante esclarecer dois conceitos base: “validade” e “eficácia”.

Segundo o Professor Freitas do Amaral, a validade é a “aptidão intrínseca do ato administrativo para produzir efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica”.

 Por sua vez, a eficácia corresponde à efectiva produção de efeitos jurídicos pelo ato, a projeção na realidade da vida dos efeitos jurídicos que integram o conteúdo de um acto administrativo.

 Daqui decorre que um ato poderá ser ineficaz se não houver produção dos seus efeitos, ou se não se verificarem todos os requisitos de eficácia exigidos por lei.
  
Se, no entanto, o ato administrativo não reunir todos os requisitos de validade que a lei exige, o ato será também, não só ineficaz, como inválido.

 Os requisitos de eficácia do ato administrativo são as exigências que a lei faz para que um ato administrativo, uma vez praticado, possa produzir os seus efeitos jurídicos- principio da imediatividade dos efeitos jurídicos.
  
A eficácia retroactiva é regra quando a revogação se funda em invalidade.
  
Os requisitos de validade centram-se essencialmente nos sujeitos (autor/es e destinatário/os), na forma e nas formalidades, no conteúdo, no objeto e no fim.

Em relação às formalidades (trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correta formação da decisão administrativa ou o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares), o princípio geral do nosso Direito é o de que todas as formalidades prescritas por lei são fundamentais (não obstante algumas exceções). A sua não observância, quer por omissão, quer por preterição, no todo ou em parte, gera a ilegalidade do ato administrativo.
   
A invalidade, contrariamente, é um valor negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir.
  
Diz-se que um ato administrativo é ilegal quando é contrário à lei. A ilegalidade do ato administrativo pode assumir várias formas. Estas formas chamam-se vícios do ato administrativo. No caso do acórdão em concreto podemos mencionar um dos cinco vícios existentes, requerido pelos autores da ação intentada em Tribunal: Violação da lei.
  
A violação da lei é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis. O vício da violação da lei assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso é a própria substancia do ato administrativo, é a decisão que o ato consiste que contraria a lei.
  
A violação da lei comporta várias modalidades, entre as quais:

          a) A falta de base legal;
b           b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas,
)            c) A incerteza, a ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d          d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e           e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos;
f            f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato;
g           g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insusceptível de ser reconduzida a outro vicio.
 
Existem duas formas de invalidade, entre elas. a nulidade  e a anulabilidade. No caso concreto, falamos apenas numa delas: a nulidade. A nulidade é a forma mais grave da invalidade e caracteriza-se por:

- Total ineficácia desde o início, ou seja, não produz quaisquer efeitos;

- A nulidade é insanável, ou seja, o ato nulo não é susceptível de ser transformado em ato válido;

- Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um ato nulo, na medida em que este não produz efeitos, ou seja, nenhum dos seus imperativos é obrigatório;

- Direito de resistência passiva- Se mesmo assim, a Administração quiser impor pela força da execução de um ato nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva (previsto no artigo 21º da CRP);

- Um ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo;

- O pedido de reconhecimento da existência da nulidade de um ato administrativo pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os tribunais administrativos.

A revogação é o ato administrativo que se destina a extinguir no todo ou em parte, os efeitos de um ato administrativo anterior. A revogação pode ser total (se extinguir todos os efeitos) ou parcial (se abrange apenas parte do ato revogado).

Quanto ao autor, a revogação pode ser feita pelo próprio autor do ato revogado (retractação) ou por órgão administrativo diferente.
  
Quanto ao seu fundamento, a revogação pode basear-se na ilegalidade ou na inconveniência.

Por ultimo, quanto aos seus efeitos, a revogação apresenta duas modalidades: a mera cessação para o futuro dos efeitos jurídicos do ato revogado (revogação ab-rogatória) ou a destruição total dos efeitos jurídicos do ato revogado, incluindo os efeitos já produzidos no passado (revogação anulatória).

Normalmente quando um ato administrativo é inválido, pode ser mais tarde extinto por meio de uma revogação anulatória. Por sua vez, quando um ato é valido mas é agora considerado inconveniente, a sua extinção é somente possível, em princípio através de uma revogação ab-rogatória.
  
Há, por tudo isto, desde logo, um conjunto de casos em que por imperativo do princípio da legalidade e por um dever de justiça, a Administração tem o dever de revogar os atos que considere ilegais como é o caso de atos ilegais apreciados em sede de reclamação ou atos ilegais apreciados em sede de recurso hierárquico.
  
A ratificação é o ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um ato invalido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia.

A reforma, por sua vez, é o ato administrativo pelo qual se conserva de um ato anterior a parte não afetada da ilegalidade.
  
A conversão é o ato administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um ato ilegal para com eles se compor um outro ato que seja legal.


Bibliografia

REBELO, MARCELO DE SOUSA e SALGADO, ANDRÉ  DE MATOS, “Direito Administrativo Geral – Tomo I – Introdução e princípios fundamentais”, 3ª Edição, D. Quixote, 2008;

FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol II, 2ª ed., 2011, Almedina;


Maria Margarida Testos, nº27798

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