Comentário ao Acórdão
Acórdão Do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 01003/13, Data do Acórdão: 28-01-2015, Relator: Ascensão Lopes.
Neste post, cumpre fazer uma análise ao acórdão supra mencionado sendo que, concisamente, em causa está a impugnação da sentença anteriormente proferida que decidiu pela declaração de nulidade da liquidação da taxa anual relativa ao exercício de actividade na área das telecomunicações. O problema é suscitado devido à questão de saber se o despacho 1230/99, proferido pelo Ministro do Equipamento, caducou com a revogação expressa da lei habilitante e se a taxa em causa viola ou não o principio da proporcionalidade.
Como se trata de um regulamento, há que comentar de acordo com esta parte da matéria. Tal como sabemos, o regulamento administrativo traduz um conjunto de normas jurídicas que são emanadas no exercício do poder administrativo, por um orgão da administração ou por outra entidade, desde que habilitada por uma lei (art 136º/1 CPA). Desde logo, são caracterizados pela generalidade- aplicando-se a uma pluralidade de destinatários- e pela abstração- aplicam-se a diferentes situações definidas por elementos típicos que constam da previsão do comando normativo (art 135º CPA). Distinguem-se ainda consoante quatro critérios: a sua relação com a lei, o seu objeto, o âmbito de aplicação e a projeção da sua eficácia.
Relativamente à sua relação com a lei, podemos ter regulamentos complementares ou independentes, sendo que os primeiros desenvolvem e pormenorizam a matéria jurídica constante na lei, enquanto que os segundos são efetuados de modo a assegurar as atribuições específicas de cada orgão administrativo, não detalhando assim qualquer lei mas sim estabelecendo, paralela e autonomamente, a disciplina jurídica a tratar no exercício da sua competência, não devendo contrariar a lei habilitante sobre pena de ilegalidade (art 112º/7 CRP). Ora, no presente caso não podemos estar perante outra figura que não um regulamento complementar: existe uma lei habilitante (DL 381- A/97) que incumbe a administração, neste caso o Governo, de desenvolver o tema, fixando as taxas a cobrar às empresas.
Estes regulamentos permitem a adaptação da lei aos casos concretos e subdividem-se ainda em espontâneos ou devidos. Estamos perante um regulamento complementar espontâneo quando a lei nada diz acerca da necessidade de complementar, o Governo (ou outro orgão administrativo, como dito supra) poderá ou não fazê-lo conforme entenda necessário. Já quando se trata de um regulamento devido (art 137º CPA), não está no live arbítrio da administração decidir sobre a necessidade de regulamentação- esta é necessária para que possa ser viabilizada a aplicação da lei, dispondo para tal de um prazo especifico. O caso enquadra-se no regulamento complementar na sua vertente devida dado que se impõe (art 29º/3 DL 381-A/97) à Administração que desenvolva num dado sentido.
Alega-se que o DL 381-A/97 deixou de produzir efeitos porque revogado pela Lei 5/2004 pelo que o despacho proferido no seu seguimento teria que se considerar revogado. Contrariamente, e tendo em vista este recurso, alegou-se que o art 1191º/1 CPA proíbe a revogação expressa de um regulamento de execução que ainda esteja vigente se a matéria que regula ainda não tiver sido alvo de nova regulamentação, de modo a evitar-se um vazio regulamentar, dizendo-se ainda que a revogação da lei habilitante, não implica a caducidade dos regulamentos ao abrigo dela emitidos. Para além disto, de acordo com os factos apresentados, a lei 5/2004 não inova ou altera substancialmente a lei anterior. Como sabemos, a revogação da lei habilitante só afeta a validade dos regulamentos ao abrigo dela elaborados no caso de manifesta incompatibilidade (principio da eficiência administrativa) , o que parece aqui não ocorrer. Assim, de acordo com a minha opinião, não parecem colher os fundamentos apresentados pela recorrida- trata-se de um caso de compatibilidade entre a Lei, o DL e ainda o despacho que prevêem o mesmo tipo de taxas, devida pelo mesmo serviço e com a mesma regularidade. Mais, exige-se que se mencionem as normas revogadas para que se diminuam as revogações implícitas que criam equívocos no nosso ordenamento jurídico (art 146º/4) e que seja feito um novo regulamento por forma a evitar precisamente situações de vazio regulamentar, em que os cidadãos ficariam privados de providências regulamentares, que inviabilizam a aplicação da lei- aqui tratar-se-iam de 5 anos em que o Estado iria prescindir de cobrar taxas, situação que parece pouco razoável.
No que respeita à questão da eventual violação do principio da proporcionalidade, tal como sabemos este evidencia uma manifestação essencial do Estado de Direito, a par do principio da separação de poderes. Com consagração no art 18º/2, 19º/4 CRP e 7º CPA), traduz a ideia segundo a qual as medidas tomadas não devem ser excessivas ao ponto de lesarem direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos de um particular e, para tal, encontra 3 distintas vertentes: adequação (medida tomada deve ser casualmente ajustada ao fim), equilíbrio (os benefícios que se visam obter devem ultrapassar, ou pelo menos cobrir, os custos que se tenham) e necessidade ( a medida não deve ser vaga ou abstratamente idónea, mas sim concretamente a que melhor responde ao problema, lesando o mínimo possível os interesses dos particulares). Se não o for, será ilegal por violação deste principio.
Concretizando, a recorrente alega violação deste principio aludindo aos custos de cada empresa, o que não colhe pois os custos existem sempre, não estando a sua existência dependente da capacidade contributiva de cada um. Este principio deve ser atendido na medida em que haja uma excessiva e evidente irregularidade entre a taxa a ser paga e o beneficio que o particular retira (como vimos, a medida deve ser ajustada ao fim).
Concluindo, penso que a sentença proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo foi a mais adequada, julgado procedente a ação e respeitando os limites impostos à atuação administrativa, desde logo através o princípio da legalidade, o princípio da proporcionalidade e o principio da separação de poderes.