Monday, December 11, 2017

O poder discricionário e o poder vinculativo para gulosos: Tortilla Administrativa
Podemos definir o poder discricionário como o “espaço de liberdade da actuação administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade”. A lei pode regular uma actuação da Administração Pública oferecendo-lhe uma permissão para que ela decida pela opção mais adequada a cada situação. Ao poder de escolha que terá que corresponder a uma lógica criadora, executora de lei e respeitadora de princípios constitucionalmente consagrados designamos de poder discricionário.

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL não existem actos exclusivamente discricionários nem exclusivamente vinculados, constatando-se uma mescla entre os mesmos. O poder discricionário não é um poder livre dentro dos limites da lei, mas sim um poder jurídico delimitado pela lei.

No Direito Administrativo Clássico, a discricionariedade coincidia com a arbitrariedade. Na realidade, tínhamos uma Administração Pública restrita em certas áreas e completamente livre nas demais. Tudo apontava para uma ideia de impossibilidade de controlo do poder discricionário.
O poder discricionário é hoje entendido como um poder de realização do princípio da legalidade no domínio concreto. O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA acrescenta que a Administração Pública não tem nunca “uma liberdade”, mas sim uma margem de manobra que é balizada por critérios legais.
O professor SÉRVULO DE CORREIA introduz uma dupla dimensão:
Em primeiro lugar, podemos falar de uma margem de livre apreciação e, em segundo lugar, uma margem de livre decisão. Esta dupla dimensão demonstra que a Administração Pública não se preocupa apenas com os resultados finais da sua atuação.
Para VASCO PEREIRA DA SILVA, esta denominação é um tanto ou quanto incorrecta, isto porque aquilo que existe é uma margem de escolha, e não uma margem de liberdade – ou seja, para o Professor temos:
1)    Fase de interpretação (função criadora que implica escolhas);
2)     Margem de apreciação (dimensão discricionária);
3)     Margem de decisão (escolha em concreto);

Em suma, a Administração Pública se tem de basear sempre numa previsão normativa encontrando os seus critérios decisórios no ordenamento jurídico. A discricionariedade e a vinculação são duas faces da mesma moeda, correspondentes a formas de realização do Direito em sentido amplo:
- A discricionariedade não é ilimitada, é controlada pelo juiz e pelos princípios de direito. O  juiz, tal como o chefe, nunca chega a controlar o sal ou a pimenta da tortilla, não obstante, controla o seu excesso, controlando também o cozinheiro, detetando se este usou azeite ao invés de manteiga, como era indicado na receita.
Em abstrato há sempre, pelo menos, 3 LIMITAÇÕES ao poder discricionário, 3 aspetos vinculados:
1) Competência: 
a competência dos órgãos é sempre vinculada. Quando um órgão é incompetente há ilegalidade;
2) Finalidade: as competências têm em vista a prossecução de um fim. 
Não havendo prossecução desse fim, brota o vício da ilegalidade;
3) Princípios Avulsos: tanto os tradicionais, como os Princípios Gerais de Direito Administrativo os quais integram a noção de legalidade e permitem o controlo do seu exercício pela Administração Pública. 
Princípios nacionais, europeus e internacionais. 


Mas como distinguir o poder discricionário do poder vinculativo? Vamos ao que interessa.

Ingredientes:
6 ovos
100 g Presunto
10 g Azeite
Pão Rústico
Sal e Pimenta
Instruções:
1º Passo: Corte o presunto em Pequenos cubos:
1.1. Poder discricionário- Tamanho dos cubos de presunto;
1.2. Poder vinculativo: Presunto;

2º Passo: Deite-os no azeite;
2.1. Poder discricionário: Tipo de Azeite;
2.2. Poder vinculativo: Quantidade de Azeite a utilizar;

3º passo: Coloque a azeite e o presunto numa frigideira e deixe-os torrar de 2-3 minutos;
3.1. Poder discricionário: Tempo que tem para deixar torrar;
3.2. Poder vinculativo: Ter de torrá-los;

4º Passo: Retire os ingredientes da frigideira e corte 4 fatias de pão. Aloure na mesma frigideira de um lado e de outro;
4.1. Poder discricionário: Tipo de pão dentro (Rústico, Saloio) e devida espessura do Corte;
4.2. Poder vinculativo: Torrar o pão, sem nunca o queimar;

5º Passo: coloque o pão num prato côncavo para ir ao forno;
5.1. Poder discricionário: O tipo de prato não altera a receita;
5.2. Poder vinculativo: O prato terá que ter condições para se submeter a altas temperaturas

6º Passo: disponha as fatias de pão sobre o prato;
6.1. Poder discricionário: a forma como dispõe as fatias no prato;
6.2. Poder vinculativo: dispor as fatias num prato que vá ao forno;

7º Passo: Deite sal e Pimenta;
7.1. Poder discricionário: quantidade de sal e pimenta
7.2. Poder vinculativo: estas terão de ser obrigatoriamente as especiarias usadas;

8º Passo: Separe as gemas das claras. As claras deverão ficar em castelo pouco firme;
8.1. Poder discricionário: como as separa, não interessa para o final da receita se usa uma maquina para as separar; Poder vinculativo: claras em castelo pouco firmes.
Pouco firme tem de se interpretar, fica a margem de cada um. Mas não podem ser excessivamente batidas nem muito pouco batidas.

8.2. Poder vinculativo: Separar as claras e batê-las em castelo pouco firmes (o conceito de pouco firme fica à margem de cada um, não podem ser nem excessivamente batidas, nem pouco batidas;

9º Passo: Misture todos os ingredientes, exceto o presunto, e coloque por cima do pão;
9.1. Poder discricionário: qual deles junta primeiro e como mistura;
9.2. Poder vinculativo: é obrigatória a mistura de todos os ingredientes, exceto o presunto.

10º passo: Leve o prato ao forno, com calor por baixo e coza durante 8-10 minutos;
10.1. Poder discricionário: temperatura do forno, a receita nada nos diz quanto a este elemento;
10.2. Poder vinculativo: Calor por baixo e deixar de 8-10 minutos.

Na receita existem passos onde não existe margem de discricionariedade para o “chefe” decidir. Porém, existem alguns pontos em que o chefe decidiu, através da interpretação, isto de modo a não alterar a receita. Como podemos verificar, o chefe ao seguir uma receita, tem poder de decidir sobre determinadas matérias (Quantidades utilizadas, forma do corte, tipos de aquecimento do forno) e quanto a outras, nada pode fazer (Ingredientes, duração da receita no forno).
                Com base na receita, é possível concluir que os órgãos da administração são sempre detentores de poderes vinculativos e poderes discricionários. Se agir de acordo com o que é vinculativo, estará a cumprir a lei, ou seja, uma delícia!

BIBLIOGRAFIA:

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo – Volume I, 4ª Edição, Almedina, 2015.

QUEIRÓ, Afonso, O Poder Discricionário da Administração, 2.ª ed., 1948, Coimbra Editora;
Maria Bau,
56737 

No comments:

Post a Comment