Tal como a palavra fontes, a palavra Estado também é
polissémica. De acordo com a aceção administrativa, o Estado é a pessoa
coletiva pública que desempenha a atividade administrativa sob a égide do
Governo. Sendo uma entidade jurídico-administrativa, toda a Administração do
Estado é orientada pelo Governo (art. 199º, d)
CRP), verificando-se uma descentralização de competências pelos diferentes
órgãos centrais e locais e a separação clara entre o Estado e as demais pessoas
coletivas públicas pertencentes aos outros dois tipos de administração estadual,
como as regiões autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos, as
empresas públicas e as associações públicas.
Enquanto entidade administrativa
que é, o Estado não é soberano e apenas exerce um poder constituído e
juridicamente subordinado à Constituição e à lei – estamos então no âmbito do
Estado-administração. O Estado-administração é uma pessoa coletiva pública
autónoma que não deve ser confundida com os governantes que o dirigem, com os
funcionários que o servem, com outras entidades autónomas que integram a
Administração estadual, nem com os cidadãos que estão em relação permanente com
o próprio.
Sendo considerado uma pessoa
coletiva (pública), o Estado é dotado de personalidade jurídica (esta
classificação decorre, por exemplo, do art. 22º CRP). Consequentemente, são
órgãos do Estado o Presidente da República, a Assembleia da República, o
Governo e os Tribunais.
Antes de mais, importa
estabelecer a distinção entre administração direita e administração indireta do
Estado, distinção essa expressamente consagrada no art. 199º, d) CRP. A administração estadual pode
ser exercida por órgãos e serviços da pessoa coletiva pública Estado
(administração direta); mas pode também ser prosseguida por pessoas coletivas
distintas do Estado, mas por este criadas (administração indireta).
Aprofundando o conceito de administração
direta, esta corresponde às pessoas coletivas públicas sobre as quais o Estado
exerce poderes de direção, de superintendência e de tutela. A administração
direta é integrada, maioritariamente, por órgãos e serviços submetidos à
hierarquia do Governo (administração subordinada). Uma parte minoritária da
administração direta escapa à hierarquia porque o respetivo estatuto assenta
numa ligação privilegiada à Assembleia da República, como é o caso do Provedor
de Justiça (administração independente). A administração direta subordinada ao
Estado pode abranger todo o território nacional (administração subordinada) ou
somente uma pequena porção, uma circunscrição desse território (administração
periférica). O principal órgão da administração central do Estado é o Governo,
cuja composição e cujas funções serão abordadas adiante.
Segundo o Professor FREITAS DO
AMARAL, existem alguns traços específicos que caracterizam a administração
direta do Estado. São eles:
· Unicidade.
Existe apenas um único Estado, o Estado é uma entidade única.
· Caráter
originário. O Estado não carece de ser reconhecido pela lei pois a sua natureza
é originária e não derivada do poder constituído.
· Territorialidade.
O poder do Estado abrange todo o território nacional, incluindo regiões
autónomas e autarquias locais, estado estas também sujeitas ao poder e
jurisdição do Estado.
· Multiplicidade
de atribuições. O Estado segue diversos fins e prossegue variadas atribuições.
· Pluralismo
de órgãos e serviços. O Estado é constituído por uma pluralidade de órgãos,
sendo o seu órgão máximo o Governo.
· Organização
em ministérios. A nível central, os órgãos e serviços do Estado estão
distribuídos em departamentos, estes por sua vez organizados por matérias – os
denominados ministérios.
· Personalidade
jurídica una. Apesar da multiplicidade de atribuições e do pluralismo de órgãos
e serviços, o Estado mantém-se sempre como um. Todas as atribuições, órgãos e
serviços pertencem ao mesmo sujeito de Direito, o Estado.
· Instrumentalidade.
A administração direta do Estado é subordinada, não é independente nem
autónoma, já que esta está submetida ao poder de direção do Governo (art. 199º,
d) CRP). Já a administração indireta
fica sujeita apenas à superintendência e tutela do Governo e a administração
autónoma é apenas controlada por um poder de tutela.
· Estrutura
hierárquica. A administração direta do Estado segue um modelo de organização
administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um
vínculo jurídico, vínculo esse que confere ao superior hierárquico o poder de
direção e ao subalterno o dever de obediência.
· Supremacia.
O Estado-administração exerce poderes de supremacia em relação aos sujeitos e
direito privado e a outras entidades públicas.
Sendo uma pessoa coletiva
pública, o Estado tem fins, objetivos aos quais se propõe atingir – as
denominadas atribuições. Enquanto as outras pessoas coletivas públicas têm um
diploma legal que enuncie as suas atribuições (estas encontram-se definidas de
forma integrada), o mesmo não sucede com o Estado. Relativamente a este, as
suas atribuições encontram-se definidas de forma dispersa, isto é, existem
milhares de diplomas legais que lhe conferem determinadas atribuições conforme
se trate da matéria x ou y.
Contudo, em ambos os casos, a
definição das respetivas atribuições encontra-se exclusivamente definida por
lei. As atribuições do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas têm de
resultar expressamente da lei. O Estado só pode fazer aquilo que a lei lhe
permite e só pode atuar dentro dos limites que a lei estabelece. A lei
constitui fundamento, critério e limite de toda a ação administrativa. O Estado
não pode fazer nada que não lhe seja permitido por lei, o que significa que o Estado
está inteiramente sujeito ao princípio da legalidade.
Para além da Constituição,
podemos também encontrar as atribuições do Estado na lei ordinária, sendo que
esta não dispensa as atribuições fixadas pela Constituição, mas pode
acrescentar outras. Referimo-nos, a título de exemplo, às leis orgânicas dos
diferentes ministérios, em específico das direções-gerais dos ministérios.
Mas para que as atribuições
sejam, de facto, prosseguidas, é necessário que o Estado sejam constituído por
órgãos, aos quais compete tomar decisões em nome da pessoa coletiva a que
pertencem. Os principais órgãos centrais do Estado são o Presidente da
República, a Assembleia da República, o Governo (o principal órgão
administrativo) e os Tribunais. No entanto, alguns dos órgãos referidos não são
órgãos da Administração, mas sim de outros poderes do Estado. É o caso dos
Tribunais que formam o poder judicial, não interferindo com o poder executivo,
e da Assembleia da República que integra o poder legislativo e que não integra
a Administração. Relativamente ao Presidente da República e seguindo a posição
do Professor FREITAS DO AMARAL, o Chefe de Estado é um órgão político e não um
órgão administrativo, apesar de alguns preceitos parecerem conferir ao
Presidente da República algumas atribuições (arts. 133º, m) e 135º a) CRP).
Diferente é o caso do Governo.
Para além de um órgão político, o Governo assume-se também como um órgão
administrativo a título principal, permanente e direto. Sendo um órgão
simultaneamente político e administrativo, o Governo assume-se como o órgão
principal da administração central do Estado.
O art. 182º CRP é fundamental
para comprovação do caráter misto, político e administrativo, do Governo e
enuncia também as suas duas funções essenciais – enquanto órgão político,
cabe-lhe a condução da política geral do país e enquanto órgão administrativo,
trata-se do órgãos superior da Administração Pública portuguesa. As
competências política, legislativa e administrativa do Governo estão
consagradas nos arts. 197º, 198º e 199º CRP, respetivamente. De acordo com o
art. 199º CRP, as principais funções administrativas do Governo são: garantir a
execução das leis (alíneas f) e c)), assegurar o funcionamento da
Administração Pública (alíneas a), b), d)
e e)) e promover a satisfação das
necessidades coletivas (alínea g)).
Enquanto órgão máximo da
Administração, o Governo dirige a administração direta do Estado, superintende
e tutela a administração indireta e apenas tutela a administração autónoma, ou
seja, controla as entidades públicas que fazem parte da Administração mas que
não pertencem ao Estado. É devido a esta dupla qualidade – dirige a
administração do Estado e superintende ou tutela a administração não estadual –
que se afirma que o Governo é o órgão principal da Administração Pública
nacional.
No âmbito das suas funções
administrativas, o Governo elabora normas jurídicas (regulamentos), pratica
atos jurídicos sobre casos concretos (atos administrativos), celebra contratos
que vários tipos (como, por exemplo, contratos administrativos) e exerce
determinados poderes funcionais (poderes de vigilância, de fiscalização, de
superintendência, de tutela).
O Governo pode exercer a sua
competência de duas formas – de forma colegial através do Conselho de Ministros
(art. 200º CRP) ou de forma individual pelos diversos membros que integram o
Governo: pelo Primeiro-Ministro ou por cada um dos Ministros, Secretários de
Estado ou Subsecretários de Estado. Relativamente ao Conselho de Ministros,
este é definido como o órgão colegial constituído pela reunião de todos os
Ministros, sob a presidência do Primeiro-Ministro, ao qual compete desempenhar
funções políticas e administrativas que a Constituição ou a lei atribuam ao
Governo. Na forma individual de exercício da competência do Governo, cada um
dos membros deste órgão, nas matérias que constem das suas atribuições, decide
sozinho, embora decida sempre em nome do órgão a que pertence, o Governo.
Segundo o art. 183º CRP, o
Governo é composto por:
· Primeiro-Ministro. As suas funções estão
reguladas no art. 201º, nº 1 CRP. Do ponto de vista administrativo, o
Primeiro-Ministro exerce funções de chefia e funções de gestão. No exercício
das primeiras, dirige o funcionamento do Governo, coordenando e orientando a
atuação de cada um dos Ministros. Ainda no exercício destas, preside ao
Conselho de Ministros, referenda os decretos regulamentares e intervém na
nomeação de certos funcionários do Estado. No exercício das segundas,
administra os serviços próprios da Presidência do Conselho e orienta as
diferentes secretarias de Estado integradas na Presidência do Conselho
· Vice-Primeiros-Ministros. Conforme
resulta do art. 185º, nº 1 CRP, compete-lhes substituir o Primeiro-Ministro na
sua ausência ou impedimento, substituindo-o na Presidência do Conselho de
Ministros e exercer todas as competências que lhe são atribuídas durante o
tempo da substituição. Se não houver substituição, os Vice-Primeiros-Ministros
coadjuvam e auxiliam o Primeiro-Ministro no exercício das suas funções.
· Ministros. São os membros do Governo
que participam no Conselho de Ministros e exercem funções políticas e
administrativas. Os Ministros são iguais entre si em categoria oficial e em
estatuto jurídico (princípio da igualdade dos Ministros). O art. 201º, nº 2 CRP
consagra a competência jurídica dos Ministros, mas deixa em aberto quais as
competências administrativas dos Ministros que, segundo o Professor FREITAS DO
AMARAL, são as seguintes: fazer regulamentos administrativos no âmbito da
atuação do seu ministério; nomear, exonerar e promover o pessoal que trabalha
no seu ministério; exercer os poder de superior hierárquico sobre todo o
pessoal do seu ministério; exercer poderes de superintendência ou de tutela
sobre as instituições dependentes do seu ministério ou por ele fiscalizadas;
entre outras competências.
· Secretários de Estado. São membros do
Governo com funções administrativas, mas sem funções políticas, não fazendo
parte do Conselho de Ministros.
· Subsecretários de Estado. São a
categoria mais jovem do Governo e coadjuvam o respetivo Ministro ou Secretário
de Estado.
Atenda-se que não existe qualquer
tipo de hierarquia dentro do Governo. O que existe são relações de supremacia
ou de subordinação política entre os diferentes membros do Governo, mas não
existe hierarquia em sentido jurídico.
Por fim, podemos então concluir
que o Estado, enquanto pessoa coletiva pública que prossegue as suas
atribuições, estas consagradas legalmente, tem como órgão principal o Governo
que, através da pessoa do Primeiro-Ministro, coordena toda a Administração
central do Estado.
BIBLIOGRAFIA
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo – Volume I,
4ª Edição, Almedina, 2015.
JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo,
11ª Edição, Âncora Editora, 2013.
Beatriz Oliveira
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