Sunday, December 10, 2017

O ESTADO, A ADMINISTRAÇÃO DIRETA E O GOVERNO

Tal como a palavra fontes, a palavra Estado também é polissémica. De acordo com a aceção administrativa, o Estado é a pessoa coletiva pública que desempenha a atividade administrativa sob a égide do Governo. Sendo uma entidade jurídico-administrativa, toda a Administração do Estado é orientada pelo Governo (art. 199º, d) CRP), verificando-se uma descentralização de competências pelos diferentes órgãos centrais e locais e a separação clara entre o Estado e as demais pessoas coletivas públicas pertencentes aos outros dois tipos de administração estadual, como as regiões autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos, as empresas públicas e as associações públicas.

Enquanto entidade administrativa que é, o Estado não é soberano e apenas exerce um poder constituído e juridicamente subordinado à Constituição e à lei – estamos então no âmbito do Estado-administração. O Estado-administração é uma pessoa coletiva pública autónoma que não deve ser confundida com os governantes que o dirigem, com os funcionários que o servem, com outras entidades autónomas que integram a Administração estadual, nem com os cidadãos que estão em relação permanente com o próprio.

Sendo considerado uma pessoa coletiva (pública), o Estado é dotado de personalidade jurídica (esta classificação decorre, por exemplo, do art. 22º CRP). Consequentemente, são órgãos do Estado o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
Antes de mais, importa estabelecer a distinção entre administração direita e administração indireta do Estado, distinção essa expressamente consagrada no art. 199º, d) CRP. A administração estadual pode ser exercida por órgãos e serviços da pessoa coletiva pública Estado (administração direta); mas pode também ser prosseguida por pessoas coletivas distintas do Estado, mas por este criadas (administração indireta).

Aprofundando o conceito de administração direta, esta corresponde às pessoas coletivas públicas sobre as quais o Estado exerce poderes de direção, de superintendência e de tutela. A administração direta é integrada, maioritariamente, por órgãos e serviços submetidos à hierarquia do Governo (administração subordinada). Uma parte minoritária da administração direta escapa à hierarquia porque o respetivo estatuto assenta numa ligação privilegiada à Assembleia da República, como é o caso do Provedor de Justiça (administração independente). A administração direta subordinada ao Estado pode abranger todo o território nacional (administração subordinada) ou somente uma pequena porção, uma circunscrição desse território (administração periférica). O principal órgão da administração central do Estado é o Governo, cuja composição e cujas funções serão abordadas adiante.

Segundo o Professor FREITAS DO AMARAL, existem alguns traços específicos que caracterizam a administração direta do Estado. São eles:
·       Unicidade. Existe apenas um único Estado, o Estado é uma entidade única.
·   Caráter originário. O Estado não carece de ser reconhecido pela lei pois a sua natureza é originária e não derivada do poder constituído.
·   Territorialidade. O poder do Estado abrange todo o território nacional, incluindo regiões autónomas e autarquias locais, estado estas também sujeitas ao poder e jurisdição do Estado.
·       Multiplicidade de atribuições. O Estado segue diversos fins e prossegue variadas atribuições.
·       Pluralismo de órgãos e serviços. O Estado é constituído por uma pluralidade de órgãos, sendo o seu órgão máximo o Governo.
·     Organização em ministérios. A nível central, os órgãos e serviços do Estado estão distribuídos em departamentos, estes por sua vez organizados por matérias – os denominados ministérios.
·       Personalidade jurídica una. Apesar da multiplicidade de atribuições e do pluralismo de órgãos e serviços, o Estado mantém-se sempre como um. Todas as atribuições, órgãos e serviços pertencem ao mesmo sujeito de Direito, o Estado.
·    Instrumentalidade. A administração direta do Estado é subordinada, não é independente nem autónoma, já que esta está submetida ao poder de direção do Governo (art. 199º, d) CRP). Já a administração indireta fica sujeita apenas à superintendência e tutela do Governo e a administração autónoma é apenas controlada por um poder de tutela.
·   Estrutura hierárquica. A administração direta do Estado segue um modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um vínculo jurídico, vínculo esse que confere ao superior hierárquico o poder de direção e ao subalterno o dever de obediência.
·    Supremacia. O Estado-administração exerce poderes de supremacia em relação aos sujeitos e direito privado e a outras entidades públicas.

Sendo uma pessoa coletiva pública, o Estado tem fins, objetivos aos quais se propõe atingir – as denominadas atribuições. Enquanto as outras pessoas coletivas públicas têm um diploma legal que enuncie as suas atribuições (estas encontram-se definidas de forma integrada), o mesmo não sucede com o Estado. Relativamente a este, as suas atribuições encontram-se definidas de forma dispersa, isto é, existem milhares de diplomas legais que lhe conferem determinadas atribuições conforme se trate da matéria x ou y.

Contudo, em ambos os casos, a definição das respetivas atribuições encontra-se exclusivamente definida por lei. As atribuições do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas têm de resultar expressamente da lei. O Estado só pode fazer aquilo que a lei lhe permite e só pode atuar dentro dos limites que a lei estabelece. A lei constitui fundamento, critério e limite de toda a ação administrativa. O Estado não pode fazer nada que não lhe seja permitido por lei, o que significa que o Estado está inteiramente sujeito ao princípio da legalidade.

Para além da Constituição, podemos também encontrar as atribuições do Estado na lei ordinária, sendo que esta não dispensa as atribuições fixadas pela Constituição, mas pode acrescentar outras. Referimo-nos, a título de exemplo, às leis orgânicas dos diferentes ministérios, em específico das direções-gerais dos ministérios.

Mas para que as atribuições sejam, de facto, prosseguidas, é necessário que o Estado sejam constituído por órgãos, aos quais compete tomar decisões em nome da pessoa coletiva a que pertencem. Os principais órgãos centrais do Estado são o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo (o principal órgão administrativo) e os Tribunais. No entanto, alguns dos órgãos referidos não são órgãos da Administração, mas sim de outros poderes do Estado. É o caso dos Tribunais que formam o poder judicial, não interferindo com o poder executivo, e da Assembleia da República que integra o poder legislativo e que não integra a Administração. Relativamente ao Presidente da República e seguindo a posição do Professor FREITAS DO AMARAL, o Chefe de Estado é um órgão político e não um órgão administrativo, apesar de alguns preceitos parecerem conferir ao Presidente da República algumas atribuições (arts. 133º, m) e 135º a) CRP).

Diferente é o caso do Governo. Para além de um órgão político, o Governo assume-se também como um órgão administrativo a título principal, permanente e direto. Sendo um órgão simultaneamente político e administrativo, o Governo assume-se como o órgão principal da administração central do Estado.

O art. 182º CRP é fundamental para comprovação do caráter misto, político e administrativo, do Governo e enuncia também as suas duas funções essenciais – enquanto órgão político, cabe-lhe a condução da política geral do país e enquanto órgão administrativo, trata-se do órgãos superior da Administração Pública portuguesa. As competências política, legislativa e administrativa do Governo estão consagradas nos arts. 197º, 198º e 199º CRP, respetivamente. De acordo com o art. 199º CRP, as principais funções administrativas do Governo são: garantir a execução das leis (alíneas f) e c)), assegurar o funcionamento da Administração Pública (alíneas a), b), d) e e)) e promover a satisfação das necessidades coletivas (alínea g)).

Enquanto órgão máximo da Administração, o Governo dirige a administração direta do Estado, superintende e tutela a administração indireta e apenas tutela a administração autónoma, ou seja, controla as entidades públicas que fazem parte da Administração mas que não pertencem ao Estado. É devido a esta dupla qualidade – dirige a administração do Estado e superintende ou tutela a administração não estadual – que se afirma que o Governo é o órgão principal da Administração Pública nacional.

No âmbito das suas funções administrativas, o Governo elabora normas jurídicas (regulamentos), pratica atos jurídicos sobre casos concretos (atos administrativos), celebra contratos que vários tipos (como, por exemplo, contratos administrativos) e exerce determinados poderes funcionais (poderes de vigilância, de fiscalização, de superintendência, de tutela).

O Governo pode exercer a sua competência de duas formas – de forma colegial através do Conselho de Ministros (art. 200º CRP) ou de forma individual pelos diversos membros que integram o Governo: pelo Primeiro-Ministro ou por cada um dos Ministros, Secretários de Estado ou Subsecretários de Estado. Relativamente ao Conselho de Ministros, este é definido como o órgão colegial constituído pela reunião de todos os Ministros, sob a presidência do Primeiro-Ministro, ao qual compete desempenhar funções políticas e administrativas que a Constituição ou a lei atribuam ao Governo. Na forma individual de exercício da competência do Governo, cada um dos membros deste órgão, nas matérias que constem das suas atribuições, decide sozinho, embora decida sempre em nome do órgão a que pertence, o Governo.

Segundo o art. 183º CRP, o Governo é composto por:
·     Primeiro-Ministro. As suas funções estão reguladas no art. 201º, nº 1 CRP. Do ponto de vista administrativo, o Primeiro-Ministro exerce funções de chefia e funções de gestão. No exercício das primeiras, dirige o funcionamento do Governo, coordenando e orientando a atuação de cada um dos Ministros. Ainda no exercício destas, preside ao Conselho de Ministros, referenda os decretos regulamentares e intervém na nomeação de certos funcionários do Estado. No exercício das segundas, administra os serviços próprios da Presidência do Conselho e orienta as diferentes secretarias de Estado integradas na Presidência do Conselho
·     Vice-Primeiros-Ministros. Conforme resulta do art. 185º, nº 1 CRP, compete-lhes substituir o Primeiro-Ministro na sua ausência ou impedimento, substituindo-o na Presidência do Conselho de Ministros e exercer todas as competências que lhe são atribuídas durante o tempo da substituição. Se não houver substituição, os Vice-Primeiros-Ministros coadjuvam e auxiliam o Primeiro-Ministro no exercício das suas funções.
·    Ministros. São os membros do Governo que participam no Conselho de Ministros e exercem funções políticas e administrativas. Os Ministros são iguais entre si em categoria oficial e em estatuto jurídico (princípio da igualdade dos Ministros). O art. 201º, nº 2 CRP consagra a competência jurídica dos Ministros, mas deixa em aberto quais as competências administrativas dos Ministros que, segundo o Professor FREITAS DO AMARAL, são as seguintes: fazer regulamentos administrativos no âmbito da atuação do seu ministério; nomear, exonerar e promover o pessoal que trabalha no seu ministério; exercer os poder de superior hierárquico sobre todo o pessoal do seu ministério; exercer poderes de superintendência ou de tutela sobre as instituições dependentes do seu ministério ou por ele fiscalizadas; entre outras competências.
·  Secretários de Estado. São membros do Governo com funções administrativas, mas sem funções políticas, não fazendo parte do Conselho de Ministros.
·    Subsecretários de Estado. São a categoria mais jovem do Governo e coadjuvam o respetivo Ministro ou Secretário de Estado.

Atenda-se que não existe qualquer tipo de hierarquia dentro do Governo. O que existe são relações de supremacia ou de subordinação política entre os diferentes membros do Governo, mas não existe hierarquia em sentido jurídico.

Por fim, podemos então concluir que o Estado, enquanto pessoa coletiva pública que prossegue as suas atribuições, estas consagradas legalmente, tem como órgão principal o Governo que, através da pessoa do Primeiro-Ministro, coordena toda a Administração central do Estado.


BIBLIOGRAFIA

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo – Volume I, 4ª Edição, Almedina, 2015.

JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 11ª Edição, Âncora Editora, 2013.



Beatriz Oliveira
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