Thursday, December 14, 2017

Direitos Subjetivos Públicos

A construção da noção de direito subjetivo, não remontando ao Direito Romano, começou no Direito Privado e foi evoluindo ao longo dos tempos, sempre com uma considerável carga ideológica, uma vez que se trata de uma questão tem consequências consideráveis na liberdade de atuação dos sujeitos numa relação jurídica. Na doutrina germânica, tanto Savigny, como Jhering apresentaram as suas definições. Enquanto o primeiro autor defendia uma concepção de direito subjetivo como um poder de vontade, que era reconhecido ao sujeito, Jhering encarou a questão de uma forma mais objetiva, reduzindo o direito subjetivo a um mero expediente técnico, à segurança do aproveitamento de um determinado bem, devendo os interesses alvo de proteção juridicamente relevantes.
Contra estas duas concepções prenunciou-se a escola jurídico-formal, nomeadamente em Portugal, Menezes Cordeiro, que considera o direito subjetivo a permissão normativa especifica do aproveitamento de um bem.  
Numa fase inicial, os direito subjetivos públicos não eram reconhecidos, uma vez que, apesar da relação jurídica se apresentar como conceito central do direito administrativo da atualidade, nem sempre foi assim. É a partir do reconhecimento da existência de relações jurídicas entre a administração e os privados que são também considerados os direitos subjetivos públicos.
A corrente defendida por autores como Kelson, expressou-se contra a utilização do conceito de relações jurídicas no direito administrativa, nomeadamente quando estas se estabelecessem entre a administração e os privados.
Uma segunda doutrina, adotada por inúmeros autores, dentre os quais Otto Meyer, defendia a existência de relações jurídicas administrativas, considerando, no entanto, os privados, como meros objetos, não lhes concedendo a condição de sujeitos de direito administrativo. Estes tinham uma relação de sujeição com a administração, não tendo quaisquer poderes que pudessem ser oponíveis a esta. Em Portugal, Marcello Caetano, ainda que não explicitamente, enquadrava o seu pensamento nestas correntes, defendendo, numa fase inicial, um “direito à legalidade”, negando, posteriormente, o conceito de relação jurídica administrativa que, na sua concepção, se confundia com a relação processual, tal como salientou Marcelo Rebelo de Sousa.
De acordo com autores como Maurer, existem relações jurídicas no domínio de direito administrativo, em que o privado é um verdadeiro sujeito com direitos e deveres, assim como a administração. O instituto da relação jurídica só devia, no entanto, ser aplicado, em matérias relativas à administração prestadora, onde seria mais vantajosa, uma vez que é fundamentalmente nessa área que se estão em causa os direitos dos particulares.
Por fim, existe uma última corrente, em que a relação jurídica é considerada o centro da atividade administrativa, sendo esta a defendida pelo regente. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, os cidadãos passam a ser vistos como sujeitos na relação jurídicas, com deveres e direitos oponíveis perante a administração. Estes direitos subjetivos consagram o princípio da dignidade humana, algo fundamental no Estado de Direito e trazem consequências, nomeadamente a nível do procedimento administrativo. O cidadão passa a ter a possibilidade de ver os seus direitos tutelados, o que não acontecia em construções como a Otto Meyer, em que perante a administração agressiva, o cidadão não passava de um objeto. Todas as posições de vantagem atribuídas por lei são direitos subjetivos. O que pode variar é a amplitude das vantagens atribuídas por lei. O regime aplicável será sempre o mesmo.
Esta não é, no entanto, a única forma de conceber as posições individuais do cidadão perante a administração. Freitas do Amaral, seguindo a doutrina italiana, distingue entre direitos subjetivos e interesses protegidos. Os primeiros fornecem uma proteção mais direta, o particular pode exigir á administração o cumprimento da posição que eventualmente foi violada. Já em relação aos interesses legítimos, o particular pode exigir apenas não ser prejudicado e caso isso aconteça, recorrer aos tribunais.
A mesma distinção é adotada por João Caupers, para quem a relação jurídica, mesmo existente, não implica a igualdade de posição entre o particular e a administração, uma vez que esta tem efetivamente mais deveres e mais direitos. Ainda assim, um equilíbrio deve ser alcançado, para que os interesses de ambas as partes sejam protegidos.
Mesmo tendo em conta as divergências doutrinarias relativas ao controverso tema que é a natureza das posições de vantagem dos particulares nas relações jurídicas administrativas, a essencialidade da sua existência num quadro de uma administração de estado pós-social é evidente. Os cidadãos são sujeitos dessa relação, não meros administrados e como tal têm deveres sim, mas também direitos, e mesmo admitindo que sejam em menor número que aqueles que a administração possui, devem ser protegidos. Esse direito a uma defesa em caso de uma agressão por parte da administração é uma das bases fundamentais de um Estado de Direito e deve sempre ser respeitada, sob pena de retrocedermos à velha administração agressiva, em que a promiscuidade entre os poderes resultava sempre numa decisão desfavorável àquele que não passava de um “administrado”.

BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.
 SILVA, Vasco Pereira da, “Em busca do Acto Administrativo Perdido”, Almedina, Coimbra, 2016
CORDEIRO, António Menezes, Tratado do Direito Civil, volume I, 4ªed., Almedina, 2012


açejam em menor nm. que considera o direito subjetivo

Maria Beatriz Silva
Nº 57107

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