Sunday, December 17, 2017

As Instituições Particulares de Interesse Público


Introdução

A Administração Pública é composta por várias instituições públicas como, por exemplo, o Estado, mas também por algumas instituições privadas que, devido à atividade a que se dedicam, não podem deixar de ser consideradas na ótica do interesse geral da população. A estas instituições privadas atribui-se a designação de Instituições Particulares de Interesse Público.
            As entidades supramencionadas são privadas e criadas por iniciativa dum particular através de atos de direito privado. Contudo, ainda assim, por tratarem da prossecução de fins de interesse público ficam submetidas a um regime parcialmente definido pelo Direito Administrativo. De tal maneira, dispõem o prof. Freitas do Amaral, definem-se como “pessoas coletivas privadas que, por prosseguirem fins de interesse público, têm o dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime especial de Direito Administrativo
            Segundo o Prof. Marcello Caetano, dever-se-ia denominar tais entidades de “pessoas coletivas de direito privado e regime administrativo”. Porém, o Prof. Freitas do Amaral defende a denominação anteriormente fornecida devido à combinação de direito privado com direito administrativo no regime destas entidades e não a supremacia única de um deles. A par de tal declaração, o Prof. Freitas do Amaral justifica ainda que a referência ao regime afasta a relevância da natureza e que tal deve realizar-se de maneira totalmente inversa, devendo ver-se o regime como resultante da natureza. No que reporta ao âmbito do regime, não se trata de inserção orgânica de entidades privadas no âmbito público nem o alargamento deste para abranger as ditas entidades. É apenas um modo de descentralização funcional do setor público através da transferência de poderes próprios deste para a área privada.
            Existem três situações possíveis:

            - Atividades administrativas de interesse coletivo cujo desempenho é confiado a entidades particulares devido à impossibilidade da Administração de realizar o conjunto total de atividades – exercício privado de funções públicas.
            - Atividades privadas sistematicamente fiscalizadas ou dirigidas pela Administração, devido à relevância social que a lei lhes atribui – controlo público de atividades privadas.
            - Exercício simultâneo e cooperante da mesma atividade, em prol do interesse público, por entidades de direito público e de direito privado, sendo estas últimas de criação admitida pela lei em determinadas áreas – coexistência colaborante entre atividades públicas e privadas.


Características das Instituições Particulares de Interesse Público

- São pessoas coletivas privadas provenientes de iniciativa privada;
- Exercem atividades de gestão pública ou de gestão privada;
- Regime jurídico aplicável é misto (no geral, direito privado, mas nalguns aspetos específicos, direito administrativo - público);


Espécies

Faz-se a divisão destas instituições em:
- Sociedades de interesse coletivo – se tiver carácter de sociedade.

- Pessoas coletivas de utilidade pública– se tiver carácter de associação ou fundação. E, dentro destas, segundo o DL nº 460/77, de 7 de novembro:
                        - Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa – quando os fins de interesse geral coincidem com atribuições particularmente importantes da Administração Pública. Quando os fins não as qualificam enquanto instituições particulares de solidariedade social. Exemplo: associações de bombeiros voluntários.
                        - Instituições Particulares de Solidariedade Social – Instituições cujos fins as qualifiquem enquanto instituições particulares de solidariedade social. Exemplo: Misericórdias.
                        - Pessoas coletivas de mera utilidade pública – quando se prosseguem quaisquer fins de interesse geral.





Sociedades de Interesse Coletivo

           
Definição

Definidas como empresas privadas, de fim lucrativo, que por exercerem poderes públicos ou estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito Administrativo. Distinguem-se das pessoas coletivas de utilidade pública pois têm um fim lucrativo e são, normalmente, sociedades.
           

            Espécies

            Dentro das Sociedades de Interesse Coletivo distinguem-se:
            - Sociedades concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou de exploração de bens do domínio público.
            - Empresas que prestem serviços públicos/de interesse geral.
            - Empresas participadas que prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral.
            - Empresas que exerçam poderes públicos.
            - Empresas que exerçam atividades em regime de exclusivo ou de privilégio não conferido por lei geral.


            Regime Jurídico

A subordinação das sociedades de interesse coletivo a um regime jurídico específico justifica-se, ou porque a empresa privada se dedica ao exercício de poderes públicos para si transferidos pela Administração, ou porque as circunstâncias obrigaram a colocação da empresa num regime de fiscalização especial por motivos de interesse público.
Existe, portanto, um regime duplo com deveres e privilégios especiais que, normalmente, são atribuídos apenas a empresas públicas. Na falta de regime genérico, vale o que a lei dispuser para cada caso ou categoria.

Os privilégios das Sociedades de Interesse Coletivo mais importantes são:
- Isenções fiscais.
- Direito de requerer expropriação ao Estado por utilidade pública de terrenos que necessitem para se instalar.
- Possibilidade de beneficiar do regime jurídico das empreitadas de obras públicas.

Os deveres especiais impostos por lei são:
- Incompatibilidades e limitações de remuneração estabelecidas por lei para os gestores públicos, não podendo esta exceder o vencimento de um Ministro.
- Empresas sujeitas às regras e princípios do RSEL, se forem empresas participadas pelo setor público.
- Funcionamento das empresas submetida a fiscalização, através de delegados do Governo. Neste caso, é importante não confundir a figura do delegado (fiscalizam o funcionamento da empresa) com a dos administradores (representam o Estado-acionista).


Natureza Jurídica


Farão estas entidades parte da Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo? Como resposta, existem duas teses:

- Tese Clássica: por serem entidades privadas, não fazem parte da Administração Pública, são apenas seus colaboradores.
- Segunda Tese: pelo facto de exercerem funções públicas tornam-se órgãos indiretos da Administração. Ou seja, em vez de se considerar como uma transferência de poderes públicos para uma entidade privada, considera-se como uma entidade que passará a ser um órgão indireto da Administração, e que, por isso, perde o seu carácter privado.

O Prof. Freitas do Amaral defende a tese clássica, relevando o carácter privado destas pessoas coletivas privadas sujeitas a regime administrativo e a sua posição enquanto sujeitos privados, criados por iniciativa privada. Em segundo lugar, adianta ainda que os seus atos são de direito privado. Esta tese é defendida também pois o regime jurídico da responsabilidade civil aplicada a estas entidades é o regulado no Código Civil, não o de Direito Administrativo e os trabalhadores não pertencem à função pública, sendo-lhes aplicável o regime do contrato individual de trabalho. Por último, apresenta um argumento que decorre da interpretação do art.82º da CRP, onde se incluem as sociedades de interesse coletivo no setor privado.
De tal modo, é hoje defendido que as sociedades de interesse coletivo não pertencem à Administração, constituindo-se como meros colaboradores.





Pessoas Coletivas de Utilidade Pública

As pessoas coletivas privadas de fim não lucrativo, ou seja, as associações e fundações, podem ser entidades de utilidade particular (desenvolvem atividades que não interessem primacialmente à comunidade nacional ou região, apenas a grupos privados, e/ou não aceitam cooperar com a Administração, central ou local) ou entidades de utilidade pública (cooperam com a Administração, central ou local, em termos de merecerem da parte desta a declaração de “utilidade pública”). Exemplos destas pessoas são, por exemplo, as creches e jardins de infância, as Misericórdias, as associações de bombeiros voluntários, entre outras.
Assim, as pessoas coletivas de utilidade pública são privadas, têm de prosseguir fins não lucrativos de interesse geral nacional ou local, têm de cooperar com a Administração e precisam de ter a declaração de utilidade pública. São, consequentemente, distintas das empresas de interesse coletivo por estas seguirem um fim lucrativo e as pessoas coletivas de utilidade pública não, e por apenas serem consideradas de utilidade pública as pessoas coletivas privadas de fim não lucrativo que tenham declaração da Administração. Segundo o art.157º do CC, as empresas de interesse coletivo são sociedades, enquanto que as pessoas coletivas de utilidade pública assumem a forma de associações, fundações ou cooperativas.


Espécies

As pessoas coletivas de utilidade pública podem classificar-se consoante os seguintes critérios:

- Natureza do substrato (associações, fundações e cooperativas)
- Âmbito territorial de atuação (pessoas de utilidade geral, regional ou local)
- Segundo os fins que prosseguem e o regime jurídico a que estão sujeitas:
- Pessoas coletivas de mera utilidade pública – clubes desportivos- definindo-se o conteúdo por exclusão das outras duas opções. Não estão sujeitas a controlo financeiro nem tutela administrativa por parte do Estado.
- Instituições particulares de solidariedade social – Misericórdias – Constituem-se para dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e justiça entre os indivíduos. Estão sujeitas a tutela administrativa e apoio financeiro do Estado.
- Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa – associações de bombeiros voluntários – pessoas que, não sendo instituições particulares de solidariedade social, prosseguem algum dos fins previstos no art.416º do CA. Estão sujeitas a tutela administrativa e controlo financeiro do Estado.


          Regime Jurídico
 
É importante referir que, atualmente, é unânime a consideração de que, pelo avultado património, seja necessária a fiscalização para evitar a dissipação de bens e a sua gestão em função do interesse pessoal.

Os traços gerais do regime jurídico aplicável estão previstos no DL 460/77, de 7 de novembro, salvo regime jurídico específico, dispondo que: não podem desenvolver atividades económicas com entidades que não beneficiem de estatuto de utilidade pública, nem exercer as mesmas em função de interesses privados. Têm de estar registadas numa base de dados, gozam das isenções fiscais e tarifas previstas no art.9º e 10º, podem requerer a expropriação por utilidade pública dos terrenos de que careçam para prosseguir os seus fins estatutários e têm de apresentar um relatório e contas do exercício, prestar informações solicitadas e comunicar alterações de estatutos, segundo art.12º.
É importante referir que as associações ou fundações que prossigam fins de beneficência, humanitários, de assistência ou de educação, podem ser declaradas como sendo de utilidade pública logo no momento da sua constituição. As que prosseguem outros fins, só podem ser declaradas como tal após três anos de efetivo e relevante funcionamento, a não ser que se verifique o disposto no art.4º/3.
Assim, sendo este o regime jurídico geral aplicável, dispõe o regime específico:
- que no caso das pessoas coletivas de mera utilidade pública, o regime a considerar é o supramencionado.
- que nas instituições particulares de solidariedade social, aplica-se ainda o princípio da autonomia institucional, do apoio do Estado e das autarquias locais, os direitos dos beneficiários, as regras sobre criação, organização, gestão e extinção e as normas sobre fiscalização administrativa, destituição judicial dos órgãos e encerramento administrativo, havendo uma secção especial destinada às Misericórdias. Os princípios enunciados encontram-se expostos no DL nº 460/77, de 7 de novembro.
- que nas pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, além do DL indicado na hipótese acima, o seu regime específico consta do Código Administrativo. Tem relevância referir a sujeição dos seus atos e atividades às regras da contabilidade pública, ao controlo do Tribunal de Contas e à fiscalização dos tribunais administrativos.

Nota-se, portanto, o carácter misto do regime aplicável a estas entidades: beneficiam de determinados privilégios por prosseguirem fins gerais, dos quais as pessoas privadas estão afastadas; mas ficam sujeitas a deveres e encargos especiais, dos quais as pessoas privadas estão afastadas, por prosseguirem fins que interessam diretamente à Administração enquanto zeladora do bem comum.


          Natureza jurídica

Também neste caso se discute o carácter público ou privado destas entidades. A propósito do exposto, são possíveis distinguir duas teses:

                        - Tese tradicional: defende Marcello Caetano que, por resultarem de substrato criado por iniciativa particular, para fim por estes determinado, e por cujo reconhecimento resultar de ato do poder público, se consideram pessoas privadas de regime administrativo.
                        - Tese Contrária: defende Afonso Queiró que, por se acharem sujeitas a um regime jurídico de direito público, as considera como pessoas coletivas de direito público.

            Assim, em suma e concluindo, o Prof. Freitas do Amaral defende que as pessoas coletivas de utilidade pública são entidades privadas, que apenas colaboram com a Administração. Avança ainda que se deve atribuir o nome, a estas entidades humanitárias e altruístas, de terceiro setor ao estarem longe do setor público pelo seu espírito e do setor privado lucrativo pelos seus objetivos. A sua autonomia tem importância crucial e é indispensável à existência de uma ordem democrática e pluralista.



Trabalho realizado por:
Carolina Matroca
Nº 56795

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