A Tutela Administrativa
O
presente trabalho tem como objetivo esclarecer o conceito assim como o regime
jurídico da tutela administrativa, distinguindo-o de figuras semelhantes.
Como
tutela administrativa, deve entender-se o conjunto de poderes de intervenção de
uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva pública. Desta
forma, revela referir algumas características da tutela:
•
Como a própria definição indicia, pressupõe a
existência de duas pessoas coletivas: a tutelar e a tutelada;
•
Destas pessoas coletivas, uma necessariamente
terá que ser uma pessoa coletiva pública e a entidade tutelada também o será, à
partida, dado que não deveria ser possível tutelar uma pessoa coletiva privada.
Contudo, existem pessoas coletivas de utilidade pública (como os clubes de
futebol) em que leis o impõem;
•
A tutela tem como fim o de assegurar que a
entidade tutelada cumpre as leis em vigor e garantir que se prossegue o
interesse público. Já para Marcello Caetano, que defende um fim mais amplo, o
fim da tutela seria o de garantir os interesses próprios da entidade tutelada e
conjugá-los com os interesses da entidade tutelar.
Esta figura distingue-se ainda da
hierarquia, na medida em que esta última diz respeito a um modelo de
organização administrativa (na qual os orgãos, criações do direito, prosseguem
os interesses da pessoa coletiva) dentro
de uma pessoa coletiva, não envolvendo uma relação com uma segunda, como no
caso; dos orgãos jurisdicionais tais como o Tribunal de Contas dado que
existe uma separação entre a função administrativa e a função jurisdicional
(que veio superar um dos traumas apresentados pelo Professor Vasco Pereira Da
Silva) que desde então não se confundem; do controlo interno da Administração,
na mesma linha de pensamento efetuado a respeito da primeira distinção, também
se pressupõe a existência de duas pessoas coletivas, o que aqui não ocorre:
atos como o referendo, autorização ou aprovação ocorrem dentro de uma mesma
pessoa coletiva; do poder de superintendência, conferido ao Estado ou outra
pessoa coletiva, de definir os fins, guiando a atuação das pessoas coletivas
públicas; constituindo um poder mais amplo e mais intenso do que a tutela; esta
distinção tem por base o art 199º d) CRP.
É passível ainda de serem apontados diversos
critérios para que se possam distinguir as principais espécies de tutela
administrativa:
•
Quanto ao fim, que releva sobretudo no
exemplo em que o Governo tinha uma tutela de mérito e de legalidade sobre as
autarquias locais, sendo que posteriormente passou a ser apenas de legalidade
(art 242º/1 CRP), subdivide-se em
- Tutela
de legalidade: em que se visa aferir a legalidade de uma decisão, em que se
procura saber se é ou não conforme à lei
- Tutela
de mérito: em que se visa aferir o mérito de uma decisão, importando saber se é
ou não oportuna do pinto de vista técnico e financeiro, não importando se é ou
não legal.
•
Quanto ao conteúdo, distinguem-se cinco
categorias, no entender do Professor Freitas do Amaral, e apenas três no
entender da doutrina tradicional. Assim,
- Tutela
integrativa: em que se dá a aprovação ou renúncia dos atos da entidade
tutelada, podendo ser efetuada a priori, autorizando-se (sendo
que a entidade tutelada não pode praticar o ato sem a mencionada autorização; é
a condição de validade para o exercício; é sanável) a prática de atos, ou a posteriori, em que se aprovam os
atos (pode praticar o ato sem esta, não pode é executá-lo; é a condição de
eficácia para a execução; mais intensa e por isso não sanável). Tanto uma como
outra podem ser expressas ou tácitas; puras, condicionais ou a termo; totais ou
parciais; nunca contundo podendo modificar o ato sujeito a apreciação- não tem
competência para se fazer substituir à entidade tutelada.
- Tutela
inspetiva : pretende-se fiscalizar a gestão feita por um dado orgão.
- Tutela
Sancionatória: consiste no poder de aplicar diferentes sanções por
irregularidades cometidas pela entidade tutelada.
- Tutela
revogatória: poder de destruir os efeitos do ato por mérito ou legalidade.
- Tutela
substitutiva: poder de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando em
nome e por conta desta, os atos devidos.
Relativamente ao seu regime jurídico, não se
presume a existência de uma tutela administrativa, pelo que apenas existe
quando e nos termos que a lei expressamente o previr. Discute-se se a entidade
tutelar possui ou não a faculdade de dar instruções à entidade tutelada. Tal
dúvida prende-se com a interpretação dada ao art 337º CPA, a propósito do qual
Marcello Caetano entendia que devia ser exercido com uma finalidade
orientadora. Acontece que este preceito foi revogado por uma LAL e seria hoje
manifestamente inconstitucional por força dos art 112º/6 e 242º/1. De acordo
com o pensamento do Professor Freitas do Amaral, se assim o entenderem ,
poderão consultar o Governo mas a sua resposta nunca será vinculativa,
funcionando como um mero parecer; até por via do Principio da Autonomia das
Autarquias Locais e da descentralização administrativa também já abordada numa
outra publicação. Por último, caso a entidade tutela exerça um poder que não
seja no interesse da tutelada e que até a possa prejudicar, este ato pode ser
impugnado junto dos tribunais administrativos (art 55º/1 c) CPTA).
Por último, existe ainda uma querela
doutrinária respeitante à natureza jurídica da tutela administrativa, sendo
possível distinguir três orientações:
•
Tese da analogia com a tutela civil, bastante
antiga, em que se defendia que tanto uma como a outra haviam sido criadas para
suprir deficiências orgânicas ou funcionais da entidade tutelada. É de fácil
crítica dado que a tutela civil pressupõe a existência de um sujeito a quem a
lei não reconhece capacidade para exercer a sua vontade; o que não ocorre nas
entidades administrativas, plenamente capazes, tratando-se de diminuir esta
plena capacidade de modo a serem evitados excessos;
•
Tese da hierarquia enfraquecida, defendida por
Marcello Caetano e com grande ênfase até aos nossos dias, segundo a qual a
tutela seriam poderes hierárquicos enfraquecidos na medida em que se exercem
sobre entidades autónomas e não sobre uma mesma entidade- como no caso da
hierarquia;
•
Tese do poder de controlo, segundo a qual
estamos perante uma figura suis generis, que se trata de um poder de
controlo (em que se fiscaliza e se garante o cumprimento de certas normas)
exercido sobre um orgão da administração sobre uma pessoa coletiva, para que se
assegure a legalidade, bem como o mérito. Esta é atualmente a tese mais
correta, no entender do Professor Freitas do Amaral, havendo contudo críticas a
fazer: o facto de ser demasiado restrita, não integrando a tutela
sancionatória, revogatória e substitutiva.
Bibliografia:
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de
Direito Administrativo, Vol I, 4ª ed., 2015, Almedina;
Mafalda
Marques Saraiva
Subturma
14
Nº 56931
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