Monday, December 18, 2017

A Tutela Administrativa

O presente trabalho tem como objetivo esclarecer o conceito assim como o regime jurídico da tutela administrativa, distinguindo-o de figuras semelhantes.
Como tutela administrativa, deve entender-se o conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva pública. Desta forma, revela referir algumas características da tutela:
          Como a própria definição indicia, pressupõe a existência de duas pessoas coletivas: a tutelar e a tutelada;
          Destas pessoas coletivas, uma necessariamente terá que ser uma pessoa coletiva pública e a entidade tutelada também o será, à partida, dado que não deveria ser possível tutelar uma pessoa coletiva privada. Contudo, existem pessoas coletivas de utilidade pública (como os clubes de futebol) em que leis o impõem;
          A tutela tem como fim o de assegurar que a entidade tutelada cumpre as leis em vigor e garantir que se prossegue o interesse público. Já para Marcello Caetano, que defende um fim mais amplo, o fim da tutela seria o de garantir os interesses próprios da entidade tutelada e conjugá-los com os interesses da entidade tutelar.

 Esta figura distingue-se ainda da hierarquia, na medida em que esta última diz respeito a um modelo de organização administrativa (na qual os orgãos, criações do direito, prosseguem os interesses da pessoa coletiva)  dentro de uma pessoa coletiva, não envolvendo uma relação com uma segunda, como no caso; dos orgãos jurisdicionais tais como o Tribunal de Contas dado que existe uma separação entre a função administrativa e a função jurisdicional (que veio superar um dos traumas apresentados pelo Professor Vasco Pereira Da Silva) que desde então não se confundem; do controlo interno da Administração, na mesma linha de pensamento efetuado a respeito da primeira distinção, também se pressupõe a existência de duas pessoas coletivas, o que aqui não ocorre: atos como o referendo, autorização ou aprovação ocorrem dentro de uma mesma pessoa coletiva; do poder de superintendência, conferido ao Estado ou outra pessoa coletiva, de definir os fins, guiando a atuação das pessoas coletivas públicas; constituindo um poder mais amplo e mais intenso do que a tutela; esta distinção tem por base o art 199º d) CRP.

 É passível ainda de serem apontados diversos critérios para que se possam distinguir as principais espécies de tutela administrativa:
          Quanto ao fim, que releva sobretudo no exemplo em que o Governo tinha uma tutela de mérito e de legalidade sobre as autarquias locais, sendo que posteriormente passou a ser apenas de legalidade (art 242º/1 CRP), subdivide-se em
-     Tutela de legalidade: em que se visa aferir a legalidade de uma decisão, em que se procura saber se é ou não conforme à lei
-     Tutela de mérito: em que se visa aferir o mérito de uma decisão, importando saber se é ou não oportuna do pinto de vista técnico e financeiro, não importando se é ou não legal.

          Quanto ao conteúdo, distinguem-se cinco categorias, no entender do Professor Freitas do Amaral, e apenas três no entender da doutrina tradicional. Assim,
-     Tutela integrativa: em que se dá a aprovação ou renúncia dos atos da entidade tutelada, podendo ser efetuada a priori, autorizando-se (sendo que a entidade tutelada não pode praticar o ato sem a mencionada autorização; é a condição de validade para o exercício; é sanável) a prática de atos,  ou a posteriori, em que se aprovam os atos (pode praticar o ato sem esta, não pode é executá-lo; é a condição de eficácia para a execução; mais intensa e por isso não sanável). Tanto uma como outra podem ser expressas ou tácitas; puras, condicionais ou a termo; totais ou parciais; nunca contundo podendo modificar o ato sujeito a apreciação- não tem competência para se fazer substituir à entidade tutelada.
-     Tutela inspetiva : pretende-se fiscalizar a gestão feita por um dado orgão.
-     Tutela Sancionatória: consiste no poder de aplicar diferentes sanções por irregularidades cometidas pela entidade tutelada.
-     Tutela revogatória: poder de destruir os efeitos do ato por mérito ou legalidade.
-     Tutela substitutiva: poder de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando em nome e por conta desta, os atos devidos.

 Relativamente ao seu regime jurídico, não se presume a existência de uma tutela administrativa, pelo que apenas existe quando e nos termos que a lei expressamente o previr. Discute-se se a entidade tutelar possui ou não a faculdade de dar instruções à entidade tutelada. Tal dúvida prende-se com a interpretação dada ao art 337º CPA, a propósito do qual Marcello Caetano entendia que devia ser exercido com uma finalidade orientadora. Acontece que este preceito foi revogado por uma LAL e seria hoje manifestamente inconstitucional por força dos art 112º/6 e 242º/1. De acordo com o pensamento do Professor Freitas do Amaral, se assim o entenderem , poderão consultar o Governo mas a sua resposta nunca será vinculativa, funcionando como um mero parecer; até por via do Principio da Autonomia das Autarquias Locais e da descentralização administrativa também já abordada numa outra publicação. Por último, caso a entidade tutela exerça um poder que não seja no interesse da tutelada e que até a possa prejudicar, este ato pode ser impugnado junto dos tribunais administrativos (art 55º/1 c) CPTA).

 Por último, existe ainda uma querela doutrinária respeitante à natureza jurídica da tutela administrativa, sendo possível distinguir três orientações:

          Tese da analogia com a tutela civil, bastante antiga, em que se defendia que tanto uma como a outra haviam sido criadas para suprir deficiências orgânicas ou funcionais da entidade tutelada. É de fácil crítica dado que a tutela civil pressupõe a existência de um sujeito a quem a lei não reconhece capacidade para exercer a sua vontade; o que não ocorre nas entidades administrativas, plenamente capazes, tratando-se de diminuir esta plena capacidade de modo a serem evitados excessos; 
          Tese da hierarquia enfraquecida, defendida por Marcello Caetano e com grande ênfase até aos nossos dias, segundo a qual a tutela seriam poderes hierárquicos enfraquecidos na medida em que se exercem sobre entidades autónomas e não sobre uma mesma entidade- como no caso da hierarquia;
          Tese do poder de controlo, segundo a qual estamos perante uma figura suis generis, que se trata de um poder de controlo (em que se fiscaliza e se garante o cumprimento de certas normas) exercido sobre um orgão da administração sobre uma pessoa coletiva, para que se assegure a legalidade, bem como o mérito. Esta é atualmente a tese mais correta, no entender do Professor Freitas do Amaral, havendo contudo críticas a fazer: o facto de ser demasiado restrita, não integrando a tutela sancionatória, revogatória e substitutiva.

Bibliografia:

Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol I, 4ª ed., 2015, Almedina;
Mafalda Marques Saraiva
Subturma 14

Nº 56931 

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