Monday, December 18, 2017

A DELEGAÇÃO DE PODERES




Enquadrada como uma forma de desconcentração de poderes derivada, dependente de um ato específico de transferência de competências, opõe-se à desconcentração originária, que se verifica nos casos em que é a própria lei a reparti-las. Adicionalmente, como fenómeno de desconcentração de competências que é, naturalmente conduz a um descongestionamento de competências, permitindo a outros órgãos exercerem poderes decisórios que numa administração concentrada nunca teriam lugar.

Como define o Professor Freitas do Amaral, entende-se por delegação de poderes “o ato pelo qual um órgão da administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria”
Desta forma, identifica três requisitos para que haja uma delegação de poderes:
1.       Lei de habilitação
2.       Elementos subjetivos na forma de dois órgãos administrativos, nomeadamente delegante e delegado
3.       Ato de delegação propriamente dito

Regime Jurídico

A figura da delegação de poderes encontra-se regulada pelo CPA, mais especificamente nos artigos 44º e seguintes. Em primeira linha, a possibilidade de haver delegação de poderes depende da existência de uma lei que a preveja, o que decorre do art.º44, nº1 do CPA. Sem a presença desta habilitação legal estaremos na verdade perante uma mera renúncia de competências e por isso ferida de nulidade (art.º36, nº2 do CPA). Por consequência, o ato que possa vir a ser praticado ao abrigo desta relação de delegação estará viciado por falta de competência.

É de referir ainda a existência de um certo leque de poderes previstos no art.45º do CPA que são indelegáveis. Assumem esta natureza:
a)      A globalidade dos poderes do delegante
b)      Os poderes suscetíveis de serem exercidos sobre o próprio delegado
c)       Poderes as exercer pelo delegado fora do âmbito da respetiva competência territorial
A alínea a) vem vedar o que era a regra até à inclusão deste artigo no CPA, que permitia que na falta de indicação, o poder transferido para o delegado coincidia com o que o delegante detinha na totalidade. Desta forma, na falta de especificação dos poderes que são delegados ou dos atos que podem ser praticados, consideram-se delegados todos os poderes do delegante exceto aqueles que possam ser exercidos sobre o próprio delegado, como decorre da alínea b).

A lei admite ainda a possibilidade de haver subdelegação de competências sendo que, para tal, já não será necessária uma autorização legal. Esta figura encontra-se regulada no CPA, especificamente nos artigos 46º e seguintes. Nestes termos, o órgão subdelegante pode sempre subdelegar, salvo se o delegante ou subdelegante se opuser. Para que o delegado possa subdelegar necessita da autorização do delegante, ao passo que o subdelegado já não precisará da autorização para também ele subdelegar.

Do ponto de vista do conteúdo o órgão delegante ou subdelegante deve especificar concretamente quais são os poderes a ser delegados (art.47º CPA), impedindo-se assim uma delegação genérica e demasiadamente vaga. Simultaneamente, os atos de delegação estão ainda sujeitos a publicação, também de acordo com o art.47º, nº2 do CPA, remetendo-se para esse efeito para o disposto no art.159º. A falta de publicação nos termos deste artigo determina a incompetência do órgão delegado, que não cumprindo os requisitos legais exigidos, não pode ser qualificado como tal. Tal requisito impõe-se pelo facto de a relação de delegação de poderes ter uma eficácia externa, devendo, como tal, ser dado o seu conhecimento aos potenciais interessados.

Exige-se ao órgão delegado ou subdelegado que faça menção da sua qualidade, estabelecendo-se que a sua falta, ainda que não determine a invalidade do ato, não pode vir a prejudicar os interessados pelo seu desconhecimento. (art.48º CPA). Esta disposição concretiza, em certa medida, o dever de informação e de transparência que se exige de órgãos e agentes administrativos.

O órgão delegante, para além de poder emitir diretivas ou instruções vinculativas para o delegado, tem ainda o poder de avocar, anular, revogar ou substituir o ato praticado pelo delegado ao abrigo da delegação. (Art.49º)

Por fim, a extinção da delegação dá-se por várias formas, podendo extinguir-se por revogação ou anulação, e por caducidade, resultante de se terem esgotado os seus efeitos ou em virtude da mudança dos titulares dos órgãos na relação de delegação.

Natureza Jurídica

Quanto à natureza jurídica do instituto da delegação de poderes existem várias teses, de entre as quais se torna relevante referir as seguintes:

1)      Tese da transferência ou alienação de competências
Segundo este entendimento, a delegação de poderes é um ato de transmissão da competência do delegante para o delegado. Os poderes da titularidade do delegante passam, em virtude do ato da delegação e com fundamento na lei da habilitação, para a esfera de competência do delegado. Como alertam alguns setores da doutrina, se a delegação tivesse efetivamente esta natureza, então os poderes delegados deixariam de pertencer, na sua totalidade, ao delegante, desligando-se este de toda e qualquer responsabilidade quanto a esses mesmos poderes. Não será esta, por várias razões, uma boa solução para esta questão, falhando em explicar corretamente o regime jurídico da delegação de poderes.

2)      Tese da autorização
Para os defensores desta tese, o que se verifica é que a lei de habilitação confere uma competência condicional ao delegado, sobre as matérias em que permite a delegação. Conclui-se daqui que mesmo antes da delegação, o delegado já é competente, carecendo apenas da permissão do delegante. Deste modo, a delegação será apenas um ato pelo qual um órgão permite a outro o exercício de poderes próprios, tendo por isso, a natureza de autorização. À semelhança da primeira tese, também esta falha em explicar adequadamente o regime jurídico da delegação de poderes por vários motivos, sendo mais importante o facto de parecer ser contrária à letra da lei, que em nenhum lugar nos permite inferir que o órgão delegado é já competente na matéria delegada.

3)      Tese da transferência do exercício
Sendo a tese maioritariamente defendida pela doutrina, entende que a delegação de poderes constitui uma verdadeira transferência do delegante para o delegado, não da titularidade dos poderes, mas sim do seu exercício. Assim, o órgão delegado, quando exerce os poderes delegados, está a exercer uma competência do delegante, uma competência que só existe por causa do ato de delegação. A titularidade, todavia, permanecerá sempre na esfera do órgão delegante, o que também justifica, em parte, a possibilidade de revogação, avocação e orientação, em certos casos.


BIBLIOGRAFIA:
DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS/FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «Noções Fundamentais de Direito Administrativo», 2ª Edição, Almedina, 2011
FERNANDO GONÇALVES, MANUEL JOÃO ALVES, VÍTOR MANUEL FREITAS VIEIRA, RUI MIGUEL GONÇALVES, BRUNO CORREIA, MARIANA VIOLANTE GONÇALVES, «Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e comentado», 4ª edição, Almedina,2016


Ricardo Ferreira
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