Monday, December 18, 2017

A Codificação

Antes de iniciar o presente tema é importante ter em conta a existência de Fontes que, logicamente, exigem uma codificação. Uma Fonte não é um facto gerador do texto normativo, mas sim todo e qualquer facto constituinte da normatividade. Num sentido restrito, e apenas parcial, corresponde ao modo de produção de enunciados normativos.
O Direito Administrativo tem como Fontes a Constituição, no qual esta acolhe os princípios fundamentais de natureza organizativa (art. 267º CRP), funcional (art. 267 CRP) e relacional (arts. 266º e 268º CRP), entre outros. O Direito Internacional também tem grande relevância como fonte, através do costume e convenções internacionais e, até, decisões de organizações internacionais que disciplinam o exercício da função administrativa na ordem interna. Existe, também, o Direito Comunitário, de grande importância que, com a aprovação de uma “Constituição Europeia”, vários autores falam de uma verdadeira “comunitarização” ou “europeização” dos direitos administrativos nacionais. 
Em termos estatísticos, a principal fonte primária do Direito Administrativo português é a lei (art. 112º/1 CRP), sendo esta fonte quem concretiza e desenvolve os interesses públicos definidos na Constituição e estabelece os termos concretos para a sua prossecução. Noutras palavras, é a lei que confere à Administração a habilitação normativa de que ela necessita para poder agir. Seguidamente, existem os regulamentos, atos normativos emitidos por órgãos administrativos no exercício da função administrativa que possuem eficácia externa vinculativa constituindo, desta forma, fontes de direito. O costume vê a sua importância variar consoante os sistemas de direito, sendo que na ordem jurídica portuguesa é faticamente reduzida – exceto quando de origem internacional – e, devido ao princípio da legalidade, a incidência é ainda menor, não servindo de fundamento da atuação administrativa, tendo a sua atividade circunscrita a aspetos periféricos.
Por último, mas não menos importante, existem a jurisprudência e a doutrina. Na ordem jurídica portuguesa, a jurisprudência vale como fonte (negativa) de direito, tendo em conta que os atos jurisprudenciais são dotados de força de lei (como os acórdãos com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional – art. 282º CRP). Também a doutrina não é, no sistema jurídico português, fonte de direito, contudo a sua importância prática varia em função da sua capacidade de influenciar a jurisprudência, a administração e até o legislador.

Colocando de parte a questão da hierarquia das fontes de Direito administrativo, é conveniente que se codifiquem as leis administrativas.

Um código é o diploma legislativo que reúne em síntese as normas aplicáveis a um conjunto de relações jurídicas afins, coordenadas sistematicamente de harmonia em certos princípios fundamentais e segundo uma técnica uniforme.[1] Este mecanismo permite, assim, uniformizar como lei única ou dominante a orientação doutrinária e técnica da regulamentação de um grupo de relações sociais conexas ou de atividades complementares.

O Decreto de 16 de Maio de 1832 e a experiência portuguesa de codificação
O Decreto supra mencionado tentou introduzir em Portugal o sistema administrativo francês, como afirmação revolucionária do regime político liberal, sendo que, sem este último, o movimento de codificação administrativo em Portugal seria incompreensível. Este diploma decalcava a nova divisão e organização administrativa na divisão e organização francesas.

Código de 1836
As primeiras Cortes reunidas após a vitória liberal de 1834 ocuparam-se pela substituição ou emenda do Decreto de 16 de Maio de 1832. Posteriormente nasce o Decreto de 31 de Dezembro de 1836, referendado por Passos Manuel, que aprovou aquele que seria o primeiro “Código Administrativo”.
Compõe-se de 256 artigos, repartidos por seis títulos e regula a divisão administrativa, a organização e funcionamento dos corpos administrativos, a competência dos magistrados administrativos, o estatuto do pessoal da administração local e contencioso, além de conter disposições gerais, penais e transitórias.
Contudo, o Código não entrou bem em execução. Segundo um documento oficial da época, os seus vícios eram a existência de um grande número de cargos eletivos, a breve duração dos mandatos, a multiplicidade e frequência das eleições e a falta de responsabilidade dos funcionários.
Chegou-se, então, à conclusão de que poder-se-ia tratar de uma lei extensa e não de um verdadeiro código. Isto porque faltava-lhe um sistema, uma uniformidade técnica e mesmo uma extensão ao conjunto das relações sociais nascidas da vida administrativa local que lhe conferissem o legítimo caráter de código.

Código de 1842
A principal razão que inspirou o surgimento da Lei de 29 de Outubro de 1840 foi o facto de reinar uma anarquia. Esta lei modificou a organização anterior e a coordenação das disposições vigentes do Código de 1836 com as das leis posteriores que o alteraram, originou o Código de 16 de Março de 1842, referendado por Costa Cabral.
Tem este Código 387 artigos, repartidos por 9 títulos que tratam da organização administrativa, formação e atribuições dos corpos administrativos, magistrados e tribunais administrativos, administração paroquial, disposições especiais para as ilhas adjacentes, disposições gerais e penais e emolumentos.
O espírito do Código era centralizador: aos agentes do poder central deu-se larga competência e os corpos administrativos ficaram sujeitos a apertada tutela. Esteve em vigor durante trinta e seis anos, respondendo este Código às necessárias adaptações ao longo do tempo.

Código de 1878
Em 1872, vingou a proposta por Rodrigues Sampaio discutida e apreciada, dentro e fora do Parlamento, durante seis anos.
A sua índole descentralizadora provocou rapidamente a desordem administrativa e financeira, tantas foram as iniciativas discordantes e os impostos locais a que deu lugar.

Código de 1886
Este Código foi publicado ditatorialmente em 17 de Julho de 1886, por José Luciano de Castro. As principais inovações foram (1) a representação das minorias nos corpos administrativos, (2) a criação de um regime especial para os concelhos de Lisboa e Porto, e para os de população superior a 40.000 habitantes que assim o requeressem e (3) organização dos tribunais administrativos distritais compostos de três juízes togados cada.

Códigos de 1895 e de 1896
 Das disposições do Código de 1886 e as dos Decretos de 1892 nasceu o Código de 2 de Março de 1895, aprovado por decreto ditatorial, referendado por João Franco. Este código não se limitava a compilar e sistematizar normas, mas sim a modificá-las e completá-las. Este Código foi submetido a revisão parlamentar e transformado no Código aprovado por Lei de 4 de Maio de 1896. É, então, legítimo reunir os dois Códigos e considera-los como um só: Código de 1895-96.
O Código de 1896 trata-se de uma lei centralizadora que aos magistrados administrativos confere uma situação preponderante na vida local e submete os corpos administrativos a rigorosa tutela.
Foi em 23 de Julho de 1900 publicado um novo Código destinado a substituí-lo, contudo não chegou a ser executado, uma vez suspenso em 5 de Julho de 1900.

Tentativas de codificação no regime republicano
Estava em vigor o Código de 1896 aquando da proclamação do regime republicano e considerava-se este incompatível, devido ao espírito centralizador que inspirava este Código, com as ideias triunfantes.
O Decreto c.f. Lei de 13 de Outubro, prometendo a breve publicação de um código republicano, pôs em vigor o Código 1878, ficando o Código de 1898 como diploma subsidiário e complementar.
Poucos dias após o Decreto de 13 de Outubro encetaram-se os trabalhos de codificação, deles resultando a proposta de lei apresentada às Constituintes pelo ministro António José de Almeida em Agosto de 1911. A discussão parlamentar estava cheia de vicissitudes. Numerosas tentativas se seguiram até 1926 para elaborar um projeto de Código, tendo todas falhado. A confusão legislativa e as dúvidas de interpretação e aplicação iam, entretanto, aumentando.
Após a Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926 encetaram-se novos trabalhos de codificação. O Decreto c.f. Lei nº 12073, de 9 de Agosto de 1926, esclareceu quais as matérias em que se deveria aplicar o Código de 1878 e quais as que eram reguladas pelo Código de 1896, pondo termo a constantes incertezas e hesitações da jurisprudência.

Código de 1936 e sua extensão às ilhas adjacentes
Em 1934, o Código de 1936 foi elaborado por um professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Lisboa, por encargo do Governo.
O Código de 1936 tem como principais fontes os Códigos administrativos de 1895-96, a legislação publicada depois de 1910, os projetos de reforma apresentados em diversas épocas do século passado e do corrente, sobretudo os trabalhos posteriores a 1910, a Reforma administrativa ultramarina, entre outras.
Para além das fontes, o Código de 1936 apresenta um sistema completamente inovador comparativamente com as codificações anteriores, sendo que estas eram, mais propriamente, compilações legislativas, cujos capítulos se sucediam sem obediência a um pensamento unificador. Este novo sistema é constituído por quatro partes, não obedecendo estas a um critério estritamente científico.
1.       A primeira parte aborda o estatuto das autarquias locais, a enumeração dos seus órgãos e serviços que lhe pertençam. Posteriormente à constituição, funcionamento e fiscalização desses órgãos, tratam-se de matérias comuns.
2.       A segunda parte contém o estatuto dos funcionários e dos assalariados das autarquias locais, governos civis e administrações dos bairros.
3.       Na terceira parte segue-se o estatuto financeiro das autarquias locais, regime jurídico das suas receitas, despesas, orçamentos e contabilidade.
4.       Por último, na quarta parte trata-se do contencioso da administração.
O Código de 1936, além dessas matérias que andavam dispersas por leis avulsas, contém profundas reformas da orgânica administrativa e da regulamentação da administração local.
As ilhas adjacentes gozam, desde 1895, de um regime administrativo regional especial, o chamado regime autonómico, a que corresponde um regime financeiro especial também. Em 1938 foi, então, publicada, sob proposta do Governo à Assembleia Nacional uma Lei – Lei nº 1967, de 30 de Abril de 1938 - que continha as bases do regime administrativo insular, tendo sido completada pelo Estatuto dos distritos autónomos das ilhas adjacentes (contém o regime especial aplicável às ilhas, vigorando o Código Administrativo naquilo que nele se não encontre regulado) que, com as disposições transitórias e de adaptação dos serviços constantes da “lei orgânica dos serviços das juntas gerais dos distritos autónomos das ilhas adjacentes”, foi aprovado em 1939, ficando igualmente sujeito à revisão prevista para o Código. E, de facto, saiu, em 1940, de novo, com o texto revisto deste.

Código de 1940
O espírito e o sistema deste texto são os mesmos de 1936; apenas se mudou a redação de bastantes artigos, acrescentou-se matéria nova e suprimiram-se as divisões.
Este Código surgiu em consequência do trabalho de revisão operado de concerto com todas as entidades e autoridades que superintenderam na execução do Código de 1936, tratando-se de uma redação definitiva do Código Administrativo do Estado Novo, complementado pelo Estatuto dos distritos autónomos das ilhas adjacentes, em 31 de Dezembro de 1940.
Na revisão constitucional de 1959 foram alterados os preceitos da Constituição relativos à divisão do território e às autarquias locais, tendo sido suprimida a província e restabelecido o caráter autárquico do distrito. Daí, resultou a necessidade de modificar profundamente o Código administrativo, o que foi feito pelo Decreto-Lei nº 42536, de 28 de Setembro de 1959. O artigo 14º do decreto determinou que o governo procedesse, até 31 de Dezembro de 1960, “à revisão e nova publicação integral do Código Administrativo”, contudo, tal preceito não foi cumprido.
Para terminar, existem determinadas características que, para o sistema do nosso Direito, determinam a designação de “códigos administrativos”, como tal, tais códigos: são leis de administração local autárquica; regulam as matérias respeitantes à divisão do território, organização, funcionamento e atribuições das autarquias locais, instituição e competência das autoridades locais de administração geral, funcionários e empregados administrativos, finanças locais e contencioso; apresentam uma certa permanência de conteúdo sob a aparente instabilidade legislativa, pois pode dizer-se que a partir de 1886 houve apenas várias edições de um só código administrativo.


BIBLIOGRAFIA
CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 9ª Edição, Coimbra Editora, 1970
REBELO DE SOUSA, Marcelo/SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral, Introdução e Princípios fundamentais, Tomo I. 3ª Edição, Dom Quixote, 2004

Beatriz Fernandes nº 57054

[1] CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 9ª Edição, Coimbra Editora, 1970

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