Antes de iniciar o presente tema
é importante ter em conta a existência de Fontes que, logicamente, exigem uma
codificação. Uma Fonte não é um facto gerador do texto normativo, mas sim todo
e qualquer facto constituinte da normatividade. Num sentido restrito, e apenas
parcial, corresponde ao modo de produção de enunciados normativos.
O Direito Administrativo tem como
Fontes a Constituição, no qual esta acolhe os princípios fundamentais de
natureza organizativa (art. 267º CRP), funcional (art. 267 CRP) e relacional
(arts. 266º e 268º CRP), entre outros. O Direito Internacional também
tem grande relevância como fonte, através do costume e convenções
internacionais e, até, decisões de organizações internacionais que disciplinam o
exercício da função administrativa na ordem interna. Existe, também, o Direito
Comunitário, de grande importância que, com a aprovação de uma
“Constituição Europeia”, vários autores falam de uma verdadeira
“comunitarização” ou “europeização” dos direitos administrativos
nacionais.
Em termos estatísticos, a
principal fonte primária do Direito Administrativo português é a lei
(art. 112º/1 CRP), sendo esta fonte quem concretiza e desenvolve os interesses
públicos definidos na Constituição e estabelece os termos concretos para a sua
prossecução. Noutras palavras, é a lei que confere à Administração a
habilitação normativa de que ela necessita para poder agir. Seguidamente,
existem os regulamentos, atos normativos emitidos por órgãos
administrativos no exercício da função administrativa que possuem eficácia
externa vinculativa constituindo, desta forma, fontes de direito. O costume vê
a sua importância variar consoante os sistemas de direito, sendo que na ordem
jurídica portuguesa é faticamente reduzida – exceto quando de origem
internacional – e, devido ao princípio da legalidade, a incidência é ainda
menor, não servindo de fundamento da atuação administrativa, tendo a sua
atividade circunscrita a aspetos periféricos.
Por último, mas não menos
importante, existem a jurisprudência e a doutrina. Na ordem
jurídica portuguesa, a jurisprudência vale como fonte (negativa) de direito,
tendo em conta que os atos jurisprudenciais são dotados de força de lei (como
os acórdãos com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional – art. 282º
CRP). Também a doutrina não é, no sistema jurídico português, fonte de direito,
contudo a sua importância prática varia em função da sua capacidade de
influenciar a jurisprudência, a administração e até o legislador.
Colocando de parte a questão da
hierarquia das fontes de Direito administrativo, é conveniente que se
codifiquem as leis administrativas.
Um código é o diploma legislativo que reúne em síntese as normas aplicáveis a um
conjunto de relações jurídicas afins, coordenadas sistematicamente de harmonia
em certos princípios fundamentais e segundo uma técnica uniforme.[1]
Este mecanismo permite, assim, uniformizar como lei única ou dominante a
orientação doutrinária e técnica da regulamentação de um grupo de relações
sociais conexas ou de atividades complementares.
O Decreto de 16 de Maio de 1832 e a experiência portuguesa de
codificação
O Decreto supra mencionado tentou
introduzir em Portugal o sistema administrativo francês, como afirmação
revolucionária do regime político liberal, sendo que, sem este último, o
movimento de codificação administrativo em Portugal seria incompreensível. Este
diploma decalcava a nova divisão e organização administrativa na divisão e
organização francesas.
Código de 1836
As primeiras Cortes reunidas após
a vitória liberal de 1834 ocuparam-se pela substituição ou emenda do Decreto de 16 de Maio de 1832. Posteriormente
nasce o Decreto de 31 de Dezembro de 1836,
referendado por Passos Manuel, que aprovou aquele que seria o primeiro “Código
Administrativo”.
Compõe-se de 256 artigos,
repartidos por seis títulos e regula a divisão administrativa, a organização e
funcionamento dos corpos administrativos, a competência dos magistrados
administrativos, o estatuto do pessoal da administração local e contencioso,
além de conter disposições gerais, penais e transitórias.
Contudo, o Código não entrou bem
em execução. Segundo um documento oficial da época, os seus vícios eram a
existência de um grande número de cargos eletivos, a breve duração dos
mandatos, a multiplicidade e frequência das eleições e a falta de
responsabilidade dos funcionários.
Chegou-se, então, à conclusão de
que poder-se-ia tratar de uma lei extensa e não de um verdadeiro código. Isto
porque faltava-lhe um sistema, uma uniformidade técnica e mesmo uma extensão ao
conjunto das relações sociais nascidas da vida administrativa local que lhe
conferissem o legítimo caráter de código.
Código de 1842
A principal razão que inspirou o
surgimento da Lei de 29 de Outubro de
1840 foi o facto de reinar uma anarquia. Esta lei modificou a organização
anterior e a coordenação das disposições vigentes do Código de 1836 com as das leis posteriores que o alteraram,
originou o Código de 16 de Março de 1842,
referendado por Costa Cabral.
Tem este Código 387 artigos,
repartidos por 9 títulos que tratam da organização administrativa, formação e
atribuições dos corpos administrativos, magistrados e tribunais
administrativos, administração paroquial, disposições especiais para as ilhas
adjacentes, disposições gerais e penais e emolumentos.
O espírito do Código era
centralizador: aos agentes do poder central deu-se larga competência e os
corpos administrativos ficaram sujeitos a apertada tutela. Esteve em vigor
durante trinta e seis anos, respondendo este Código às necessárias adaptações
ao longo do tempo.
Código de 1878
Em 1872, vingou a proposta por
Rodrigues Sampaio discutida e apreciada, dentro e fora do Parlamento, durante
seis anos.
A sua índole descentralizadora
provocou rapidamente a desordem administrativa e financeira, tantas foram as
iniciativas discordantes e os impostos locais a que deu lugar.
Código de 1886
Este Código foi publicado ditatorialmente
em 17 de Julho de 1886, por José
Luciano de Castro. As principais inovações foram (1) a representação das minorias nos corpos administrativos, (2) a criação de um regime especial
para os concelhos de Lisboa e Porto, e para os de população superior a 40.000
habitantes que assim o requeressem e (3)
organização dos tribunais administrativos distritais compostos de três juízes
togados cada.
Códigos de 1895 e de 1896
Das disposições do Código de 1886 e as dos Decretos de 1892 nasceu o Código de 2 de Março de 1895, aprovado por decreto
ditatorial, referendado por João Franco. Este código não se limitava a compilar
e sistematizar normas, mas sim a modificá-las e completá-las. Este Código foi
submetido a revisão parlamentar e transformado no Código aprovado por Lei de 4 de Maio de 1896. É, então,
legítimo reunir os dois Códigos e considera-los como um só: Código de 1895-96.
O Código de 1896 trata-se de uma
lei centralizadora que aos magistrados administrativos confere uma situação
preponderante na vida local e submete os corpos administrativos a rigorosa
tutela.
Foi em 23 de Julho de 1900 publicado um novo Código destinado a substituí-lo,
contudo não chegou a ser executado, uma vez suspenso em 5 de Julho de 1900.
Tentativas de codificação no regime republicano
Estava em vigor o Código de 1896 aquando da proclamação do
regime republicano e considerava-se este incompatível, devido ao espírito
centralizador que inspirava este Código, com as ideias triunfantes.
O Decreto c.f. Lei de 13 de Outubro, prometendo a breve publicação de
um código republicano, pôs em vigor o Código
1878, ficando o Código de 1898
como diploma subsidiário e complementar.
Poucos dias após o Decreto de 13 de Outubro encetaram-se os
trabalhos de codificação, deles resultando a proposta de lei apresentada às
Constituintes pelo ministro António José de Almeida em Agosto de 1911. A
discussão parlamentar estava cheia de vicissitudes. Numerosas tentativas se
seguiram até 1926 para elaborar um projeto de Código, tendo todas falhado. A
confusão legislativa e as dúvidas de interpretação e aplicação iam, entretanto,
aumentando.
Após a Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926 encetaram-se novos
trabalhos de codificação. O Decreto c.f.
Lei nº 12073, de 9 de Agosto de 1926, esclareceu quais as matérias em que
se deveria aplicar o Código de 1878 e quais as que eram reguladas pelo Código de 1896, pondo termo a constantes
incertezas e hesitações da jurisprudência.
Código de 1936 e sua extensão às ilhas adjacentes
Em 1934, o Código de 1936 foi
elaborado por um professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de
Lisboa, por encargo do Governo.
O Código de 1936 tem como principais fontes os Códigos
administrativos de 1895-96, a legislação publicada depois de 1910, os projetos
de reforma apresentados em diversas épocas do século passado e do corrente,
sobretudo os trabalhos posteriores a 1910, a Reforma administrativa
ultramarina, entre outras.
Para além das fontes, o Código de
1936 apresenta um sistema completamente inovador comparativamente com as
codificações anteriores, sendo que estas eram, mais propriamente, compilações
legislativas, cujos capítulos se sucediam sem obediência a um pensamento
unificador. Este novo sistema é constituído por quatro partes, não obedecendo
estas a um critério estritamente científico.
1. A
primeira
parte aborda o estatuto das autarquias locais, a enumeração dos seus
órgãos e serviços que lhe pertençam. Posteriormente à constituição,
funcionamento e fiscalização desses órgãos, tratam-se de matérias comuns.
2. A
segunda
parte contém o estatuto dos funcionários e dos assalariados das
autarquias locais, governos civis e administrações dos bairros.
3. Na
terceira
parte segue-se o estatuto financeiro das autarquias locais, regime
jurídico das suas receitas, despesas, orçamentos e contabilidade.
4. Por
último, na quarta parte trata-se do contencioso da administração.
O Código de 1936, além dessas
matérias que andavam dispersas por leis avulsas, contém profundas reformas da
orgânica administrativa e da regulamentação da administração local.
As ilhas adjacentes gozam, desde
1895, de um regime administrativo regional especial, o chamado regime
autonómico, a que corresponde um regime financeiro especial também. Em
1938 foi, então, publicada, sob proposta do Governo à Assembleia Nacional uma
Lei – Lei nº 1967, de 30 de Abril de 1938
- que continha as bases do regime administrativo insular, tendo sido completada
pelo Estatuto dos distritos autónomos das
ilhas adjacentes (contém o regime especial aplicável às ilhas, vigorando
o Código Administrativo naquilo que nele se não encontre regulado) que, com as disposições transitórias e
de adaptação dos serviços constantes da “lei orgânica dos serviços das juntas
gerais dos distritos autónomos das ilhas adjacentes”, foi aprovado em 1939,
ficando igualmente sujeito à revisão prevista para o Código. E, de facto, saiu,
em 1940, de novo, com o texto revisto deste.
Código de 1940
O espírito e o sistema deste
texto são os mesmos de 1936; apenas se mudou a redação de bastantes artigos,
acrescentou-se matéria nova e suprimiram-se as divisões.
Este Código surgiu em
consequência do trabalho de revisão operado de concerto com todas as entidades
e autoridades que superintenderam na execução do Código de 1936, tratando-se de
uma redação definitiva do Código Administrativo do Estado Novo, complementado
pelo Estatuto dos distritos autónomos das ilhas adjacentes, em 31 de Dezembro
de 1940.
Na revisão constitucional de 1959
foram alterados os preceitos da Constituição relativos à divisão do território
e às autarquias locais, tendo sido suprimida a província e restabelecido o
caráter autárquico do distrito. Daí, resultou a necessidade de modificar
profundamente o Código administrativo, o que foi feito pelo Decreto-Lei nº 42536, de 28 de Setembro de
1959. O artigo 14º do decreto determinou que o governo procedesse, até 31
de Dezembro de 1960, “à revisão e nova publicação integral do Código
Administrativo”, contudo, tal preceito não foi cumprido.
Para terminar, existem
determinadas características que, para o sistema do nosso Direito, determinam a
designação de “códigos administrativos”, como tal, tais códigos: são leis de administração
local autárquica; regulam as matérias respeitantes à divisão do território,
organização, funcionamento e atribuições das autarquias locais, instituição e
competência das autoridades locais de administração geral, funcionários e
empregados administrativos, finanças locais e contencioso; apresentam uma certa
permanência de conteúdo sob a aparente instabilidade legislativa, pois pode
dizer-se que a partir de 1886 houve apenas várias edições de um só código
administrativo.
BIBLIOGRAFIA
CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. 9ª Edição, Coimbra Editora, 1970
REBELO DE SOUSA, Marcelo/SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral, Introdução e Princípios fundamentais, Tomo I. 3ª Edição, Dom Quixote, 2004
Beatriz Fernandes nº 57054
[1] CAETANO,
Marcello. Manual de direito administrativo. 9ª Edição, Coimbra Editora, 1970
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