Sunday, December 17, 2017

Autonomia Universitária e Polícia



Tendo como base os acontecimentos de dia 12 de Dezembro de 2017 e as aulas do professor Vasco Pereira da Silva, talvez seja necessário esclarecer alguns pontos no que concerne á actuação das forças policiais nesse dia.
A Policia de Segurança Pública íntegra a administração indirecta por prosseguir o interesse público geral, sendo no entanto é uma entidade distinta do Estado. “A PSP depende do membro do Governo responsável pela Administração Interna, a sua organização é única para todo o território nacional e está organizada hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”, ou seja o Ministério da Administração Interna controla, de certo modo, a PSP. Sendo o Ministério da Administração Interna o responsável pela realização da política de segurança pública é compreensível que a polícia lhe esteja subordinada. Então o Estado exerce poderes de superintendência e de tutela sobre a PSP.
Se uma entidade que “prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo”, pertence a Administração autónoma, de acordo com o professor Freitas Do Amaral, é também possível integrar as Universidades Públicas nesta forma de administração, esta é a posição seguida pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa. Partindo deste raciocínio, vemos que a Universidade está apenas submetida a tutela do Estado (artigo 199ºd’ da Constituição Da Republica Portuguesa) não ao poder de direcção, nem ao de superintendência.

Como sabemos na passada terça-feira a faculdade de direito da Universidade de Lisboa deparou-se com uma manifestação estudantil, que surpreendeu uns e expressou o descontentamento de outros.
O direito de reunião e manifestação é reconhecido pela Constituição da Republica Portuguesa. De acordo com o artigo 45º:
 1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.
No entanto este direito é regulado pelo decreto-lei 406/74 de 29 de Agosto que dispõe que “A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas”. Como a “cidade universitária” pertence a freguesia de Alvalade e consequentemente ao concelho Lisboa era necessário avisar, por escrito e com antecedência mínima de dois dias uteis o presidente da camara, isto de acordo com o artigo 2º do Decreto-lei 406/74 e devido a extinção da figura de governador. O aviso teria de ser assinado por três dos promotores devidamente identificados (artigo 3º D.L 406/74) indicando “a hora, o local, o objecto da reunião e (…) a indicação” do local do protesto (Artigo 4º D.L 406/74), sendo que a entidade a quem teria de ser submetido o aviso passaria um “recibo comprovativo da sua recepção” (artigo 3º).” As autoridades competentes só poderão impedir as reuniões cujo objecto ou fim contrarie o disposto no artigo 1º” (artigo 3º).
Averiguando se estes pressupostos estavam reunidos cabe-nos saber se tal manifestação teve “fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e  tranquilidade públicas”, objectivamente tal não se pode depreender do sucedido. O artigo 12º dispõe que “Não é permitida a realização de reuniões, comícios ou manifestações com ocupação abusiva de edifícios públicos ou particulares”, ora os estudantes realizaram um “fecho simbólico da entrada principal da faculdade”, mantendo abertas todas as outras portas que dão acesso ao edifício de modo a não prejudicar aqueles que não se quiseram associar ao protesto, o fecho da porta e a manutenção do protesto naquele local pode ser considerado “ocupação abusiva”. Durante a tarde a manifestação deu-se dentro do edifício, aí estávamos perante uma efectiva “ocupação abusiva”, no entanto, a quando da actuação da Policia de Segurança Publica os alunos ocupavam apenas a entrada principal e do lado de fora da mesma, poderemos dizer que houve “ocupação abusiva”. Mas qual é a justificação para uma actuação policial que empurrou manifestantes e jornalistas, arremessou indiscriminadamente mochilas e fez uso de cassetetes, quando os manifestantes sempre afirmaram fazer uma manifestação pacífica e não procuraram criar desacatos?
É importantíssimo falar da autonomia universitária e da relação que esta entidade de administração autónoma tem com a administração central.
Desde os primórdios daquilo que hoje conhecemos como universidade, que os seus membros (professores e alunos) formavam grupos livres e independentes das autoridades civis ou eclesiásticas, interagindo com as mesmas. Sempre que reis ou membros do clero procuravam instrumentalizar estes grupos, acabavam por vê-los abandonar o local e instalar-se em sítios que lhes permitissem manter a sua independência. Já no século XII, os universitários gozavam de imunidade contra prisão injusta, de direito a moradia segura, a interromper os estudos e de protecção contra extorsão em negócios financeiros. Actualmente a prática da autonomia universitária continua a existir e é consagrada, entre outros, pelo costume e pela lei 108/88 de 24 de Setembro.
Para que forças policiais entrem no campus universitário é necessária a autorização do reitor, caso contrário estão impossibilitadas de o fazer. O professor Vasco Pereira da Silva dá como exemplo a intervenção de Marcello Caetano (também ele impulsionador do Direito Administrativo) que, enquanto reitor da universidade de Lisboa, impediu que a polícia interviesse numa manifestação estudantil da época. A intervenção de terça-feira passada, tanto quanto se sabe não foi solicitada pelo reitor da universidade, mas sim pela segurança da faculdade, a pedido da direcção da mesma (segundo informação transmitida por um docente), como tal a presença da polícia, especialmente no interior da faculdade e após a abertura da porta, por parte dos bombeiros, é contrária ao princípio de independência universitária e o uso da força é injustificado devido a desproporcionalidade de meios, as ofensas a integridade física dos presentes, bem como aos seus pertences que foram atirados com intuito de os agredir.

É dever da universidade manter a distância necessária da administração central e da administração indirecta, como é a polícia de segurança pública, sem esquecer a cooperação necessária com ambas. Essa cooperação com a polícia deve ser respeitante a aspectos legais, sociais e históricos. A polícia é um meio a que a universidade deve recorrer para assegurar defesa de pessoas e bens, mas de modo a que a autonomia universitária não seja posta em causa ou que os seus membros tenham prejuízos ilegítimos nas suas esferas jurídicas. Estamos perante uma excelente oportunidade para debater a autonomia universitária, bem como a sua relação com as demais formas de administração, em particular com as forças policiais. Será benéfico para a própria universidade que discentes, docentes e funcionários tenham consciência dos seus direitos e deveres enquanto seus membros. É também necessário que as autoridades saibam quando e como intervir no âmbito da autonomia universitária. Não nos podemos esquecer da comunidade, que mesmo não integrando nenhum destes órgãos, precisa de ser esclarecida quanto ao que aconteceu esta semana, que embora não tenha sido um episódio tão grave quanto outros anteriores, ainda assim se pode questionar sobre a sua legalidade e até constitucionalidade.
Quer estudantes, quer direcção devem dialogar de modo a que não seja necessário fazer uso do direito consagrado no artigo 45º da Constituição, ou seja devem chegar a consensos tendo em conta que o mais importante da universidade são os alunos e a sua aprendizagem em condições benéficas e tranquilas. Sempre que esses consensos não surjam e alguma das partes sinta necessidade de se manifestar deve fazê-lo dentro dos limites legais e à outra caber-lhe-á respeitar esse direito, e se necessário requerer a quem é competente para intervir. Ambas as partes deverão sempre respeitar-se e procurar ultrapassar os seus diferendos.

Webgrafia:
https://www.dn.pt/portugal/interior/diretor-da-faculdade-de-direito-de-lisboa-surpreendido-com-protesto-dos-estudantes-8979245.html
http://www.psp.pt/Pages/apsp/quemsomos.aspx

Bibliografia:
Constituição Da Republica Portuguesa

Cadeiras estudadas relevantes:
Direito Administrativo
Direito Constitucional
História do Direito Português

Tiago A.F.R.J Rodrigues
57337

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