Tendo como base os acontecimentos de dia 12 de Dezembro de
2017 e as aulas do professor Vasco Pereira da Silva, talvez seja necessário
esclarecer alguns pontos no que concerne á actuação das forças policiais nesse
dia.
A Policia de Segurança Pública íntegra a administração
indirecta por prosseguir o interesse público geral, sendo no entanto é uma
entidade distinta do Estado. “A PSP depende do membro do Governo responsável
pela Administração Interna, a sua organização é única para todo o território
nacional e está organizada hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”,
ou seja o Ministério da Administração Interna controla, de certo modo, a PSP.
Sendo o Ministério da Administração Interna o responsável pela realização da
política de segurança pública é compreensível que a polícia lhe esteja subordinada.
Então o Estado exerce poderes de superintendência e de tutela sobre a PSP.
Se uma entidade que “prossegue interesses públicos próprios
das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com
independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a
superintendência do Governo”, pertence a Administração autónoma, de acordo com
o professor Freitas Do Amaral, é também possível integrar as Universidades
Públicas nesta forma de administração, esta é a posição seguida pelo professor
Marcelo Rebelo de Sousa. Partindo deste raciocínio, vemos que a Universidade
está apenas submetida a tutela do Estado (artigo 199ºd’ da Constituição Da Republica
Portuguesa) não ao poder de direcção, nem ao de superintendência.
Como sabemos na passada terça-feira a faculdade de direito
da Universidade de Lisboa deparou-se com uma manifestação estudantil, que
surpreendeu uns e expressou o descontentamento de outros.
O direito de reunião e manifestação é reconhecido pela
Constituição da Republica Portuguesa. De acordo com o artigo 45º:
1. Os cidadãos têm o
direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao
público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de
manifestação.
No entanto este direito é regulado pelo decreto-lei 406/74
de 29 de Agosto que dispõe que “A todos os cidadãos é garantido o livre
exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos
ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não
contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e
à ordem e à tranquilidade públicas”. Como a “cidade universitária” pertence a
freguesia de Alvalade e consequentemente ao concelho Lisboa era necessário
avisar, por escrito e com antecedência mínima de dois dias uteis o presidente
da camara, isto de acordo com o artigo 2º do Decreto-lei 406/74 e devido a
extinção da figura de governador. O aviso teria de ser assinado por três dos
promotores devidamente identificados (artigo 3º D.L 406/74) indicando “a hora,
o local, o objecto da reunião e (…) a indicação” do local do protesto (Artigo
4º D.L 406/74), sendo que a entidade a quem teria de ser submetido o aviso
passaria um “recibo comprovativo da sua recepção” (artigo 3º).” As autoridades
competentes só poderão impedir as reuniões cujo objecto ou fim contrarie o disposto
no artigo 1º” (artigo 3º).
Averiguando se estes pressupostos estavam reunidos cabe-nos
saber se tal manifestação teve “fins não contrários à lei, à moral, aos
direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e tranquilidade públicas”, objectivamente tal
não se pode depreender do sucedido. O artigo 12º dispõe que “Não é permitida a
realização de reuniões, comícios ou manifestações com ocupação abusiva de
edifícios públicos ou particulares”, ora os estudantes realizaram um “fecho
simbólico da entrada principal da faculdade”, mantendo abertas todas as outras
portas que dão acesso ao edifício de modo a não prejudicar aqueles que não se
quiseram associar ao protesto, o fecho da porta e a manutenção do protesto
naquele local pode ser considerado “ocupação abusiva”. Durante a tarde a
manifestação deu-se dentro do edifício, aí estávamos perante uma efectiva “ocupação
abusiva”, no entanto, a quando da actuação da Policia de Segurança Publica os
alunos ocupavam apenas a entrada principal e do lado de fora da mesma, poderemos
dizer que houve “ocupação abusiva”. Mas qual é a justificação para uma actuação
policial que empurrou manifestantes e jornalistas, arremessou
indiscriminadamente mochilas e fez uso de cassetetes, quando os manifestantes
sempre afirmaram fazer uma manifestação pacífica e não procuraram criar
desacatos?
É importantíssimo falar da autonomia universitária e da relação que esta entidade de
administração autónoma tem com a administração central.
Desde os primórdios daquilo que hoje conhecemos como
universidade, que os seus membros (professores e alunos) formavam grupos livres
e independentes das autoridades civis ou eclesiásticas, interagindo com as
mesmas. Sempre que reis ou membros do clero procuravam instrumentalizar estes
grupos, acabavam por vê-los abandonar o local e instalar-se em sítios que lhes
permitissem manter a sua independência. Já no século XII, os universitários gozavam
de imunidade contra prisão injusta, de direito a moradia segura, a interromper
os estudos e de protecção contra extorsão em negócios financeiros. Actualmente
a prática da autonomia universitária continua a existir e é consagrada, entre
outros, pelo costume e pela lei 108/88 de 24 de Setembro.
Para que forças policiais entrem no campus universitário é
necessária a autorização do reitor, caso contrário estão impossibilitadas de o
fazer. O professor Vasco Pereira da Silva dá como exemplo a intervenção de
Marcello Caetano (também ele impulsionador do Direito Administrativo) que,
enquanto reitor da universidade de Lisboa, impediu que a polícia interviesse
numa manifestação estudantil da época. A intervenção de terça-feira passada,
tanto quanto se sabe não foi solicitada pelo reitor da universidade, mas sim
pela segurança da faculdade, a pedido da direcção da mesma (segundo informação
transmitida por um docente), como tal a presença da polícia, especialmente
no interior da faculdade e após a abertura da porta, por parte dos bombeiros, é
contrária ao princípio de independência universitária e o uso da força é
injustificado devido a desproporcionalidade de meios, as ofensas a integridade
física dos presentes, bem como aos seus pertences que foram atirados com
intuito de os agredir.
É dever da universidade manter a distância necessária da administração
central e da administração indirecta, como é a polícia de segurança pública,
sem esquecer a cooperação necessária com ambas. Essa cooperação com a polícia
deve ser respeitante a aspectos legais, sociais e históricos. A polícia é um meio
a que a universidade deve recorrer para assegurar defesa de pessoas e bens, mas
de modo a que a autonomia universitária não seja posta em causa ou que os seus
membros tenham prejuízos ilegítimos nas suas esferas jurídicas. Estamos perante
uma excelente oportunidade para debater a autonomia universitária, bem como a
sua relação com as demais formas de administração, em particular com as forças
policiais. Será benéfico para a própria universidade que discentes, docentes e
funcionários tenham consciência dos seus direitos e deveres enquanto seus membros.
É também necessário que as autoridades saibam quando e como intervir no âmbito
da autonomia universitária. Não nos podemos esquecer da comunidade, que mesmo
não integrando nenhum destes órgãos, precisa de ser esclarecida quanto ao que
aconteceu esta semana, que embora não tenha sido um episódio tão grave quanto
outros anteriores, ainda assim se pode questionar sobre a sua legalidade e até
constitucionalidade.
Quer estudantes, quer direcção devem dialogar de modo a que
não seja necessário fazer uso do direito consagrado no artigo 45º da
Constituição, ou seja devem chegar a consensos tendo em conta que o mais
importante da universidade são os alunos e a sua aprendizagem em condições
benéficas e tranquilas. Sempre que esses consensos não surjam e alguma das
partes sinta necessidade de se manifestar deve fazê-lo dentro dos limites
legais e à outra caber-lhe-á respeitar esse direito, e se necessário requerer a
quem é competente para intervir. Ambas as partes deverão sempre respeitar-se e
procurar ultrapassar os seus diferendos.
Webgrafia:
https://www.dn.pt/portugal/interior/diretor-da-faculdade-de-direito-de-lisboa-surpreendido-com-protesto-dos-estudantes-8979245.html
http://www.psp.pt/Pages/apsp/quemsomos.aspx
Bibliografia:
Constituição Da Republica Portuguesa
Cadeiras estudadas relevantes:
Direito Administrativo
Direito Constitucional
História do Direito Português
Tiago A.F.R.J Rodrigues
57337
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