Wednesday, December 20, 2017

A pessoas coletivas públicas

Elementos da Organização Administrativa:
As pessoas coletivas
As pessoas coletivas públicas:
Primeiramente, ao fazer-se a distinção entre pessoas colectivas públicas e pessoas colectivas privadas, deve deixar-se claro que as primeiras não têm apenas capacidade jurídica pública e as segundas não têm apenas capacidade jurídica privada, ou seja, as pessoas colectivas públicas não atuam apenas à luz do direito público, e as pessoas colectivas privadas não atuam apenas à luz do direito privado. Podemos concluir, portanto que, tanto as pessoas colectivas públicas como as privadas têm ambas as capacidades (poderes e deveres públicos e privados).
Segundo o Professor Freitas do Amaral, podemos considerar as “pessoas coletivas públicas” como: “as pessoas coletivas criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos”.
Quanto ao fim, daqui decorre que as pessoas colectivas públicas, contrariamente das privadas, existem para prosseguir o interesse público e não para quaisquer outros fins. Há pessoas coletivas privadas, nomeadamente, as instituições particulares de interesse público, que também prosseguem interesses públicos; no entanto podem fazê-lo ou deixar de p fazer e, quando o fazem, podem simultaneamente prosseguir interesses privados; logo não existem exclusiva e necessariamente para prosseguir o interesse público. Por outro lado, mesmo quando tais entidades privadas exerçam realmente funções de interesse público, fazem-no sob a fiscalização da Administração Pública, à qual compete, institucionalmente, velar pela satisfação das necessidades coletivas e garantir a prossecução dos interesses comuns, o que os leva a concluir que a função das pessoas coletivas públicas é, não só prosseguir os interesses públicos, como sobretudo assegurar essa mesma prossecução.
Espécies de pessoas coletivas públicas:
Em relação às espécies das pessoas coletivas, podemos agrupá-las em sete categorias, segundo o artigo 2º, nº 4 do CPA:
O Estado;
Os institutos públicos;
As empresas públicas;
As associações públicas;
As entidades administrativas independentes;
As autarquias locais;
As regiões autónomas.
Regime jurídico das pessoas coletivas públicas:
Criação e extinção: A maioria das pessoas coletivas públicas são criadas por ato do Poder Central; mas há casos de criação por iniciativa pública local. Entretanto, as pessoas coletivas públicas não têm o direito de se dissolver: elas não se podem extinguir a si próprias, ao contrário do que acontece com as pessoas coletivas pivadas. E nem sequer estão sujeitas a falência ou insolvência: uma pessoa coletiva púbica não pode ser extinta por iniciativa dos respetivos credores, só por decisão pública;
Capacidade jurídica de direito privado e património próprio: Todas as pessoas coletivas possuem esta característica, que revela a sua importância aquando do desenvolvimento de actividades de gestão privada;
Capacidade de direito público;
Autonomia administrativa financeira;
Isenções Fiscais- As pessoas coletivas públicas são isentas do pagamento de impostos, o que caracteriza um dos traços principais de maior importância;
Sujeição ao regime da contratação pública e dos contratos administrativos- A regra é que as pessoas coletivas privadas não estão sujeitas ao regime de descontratação pública e não podem celebrar contratos administrativos com outros particulares;
Bens do domínio público- As pessoas coletivas públicas são ou podem ser titulares de bens do domínio público e não apenas de bens do domínio privado;
Regime da função pública- O pessoal das pessoas coletivas públicas está submetido a regimes laborais publicísticos, e não ao contrato individual de trabalho. As entidades públicas empresariais constituem uma das exceções a tal princípio;
Sujeições a um regime administrativo de responsabilidade civil- Pelos prejuízos que causarem a outrem, as pessoas coletivas respondem;
Sujeição a tutela administrativa- A atuação destas pessoas coletivas está sujeita à tutela administrativa do Estado;
Sujeição à fiscalização do Tribunal do Estado;
Foco administrativo- As questões surgidas da actividade pública destas pessoas coletivas pertencem à competência dos tribunais do contencioso administrativo, e não à dos tribunais judiciais.
Podem surgir, na prática da vida administrativa, conflitos de atribuições e conflitos de competência e estes tanto podem ser positivos como negativos.
Assim, diz-se que há um conflito positivo quando dois ou mais órgãos da Administração reivindicam para si a prossecução da mesma atribuição ou o exercício da mesma competência; e que há conflito negativo quando dois ou mais órgãos consideram simultaneamente que lhes faltam as atribuições ou a competência para decidir um dado caso concreto.
Por outro lado, entende-se por conflito de competência aquele que se traduz numa disputa acerca da existência ou do exercício de um determinado poder funcional; e por conflito de atribuições aquele em que a disputa versa sobre a existência ou a prossecução de um determinado interesse público.
Podemos falar ainda em conflito de jurisdição quando o litígio opõe órgãos administrativos e órgãos judiciais, ou órgãos administrativos e órgãos legislativos- isto é, quando o conflito se reporta ao princípio da separação de poderes.
Os critérios gerais de solução para ambos os conflitos (conflitos de atribuições e conflitos de competência) constam do artigo 51º do CPA.
A resolução administrativa dos conflitos- feita por acordo entre órgãos em conflito, ou por decisão do órgão administrativo competente pode ser promovida por duas formas diversas (artigo 52º do CPA).
Por iniciativa de qualquer particular interessado, isto é, que esteja a ser prejudicado pelo conflito;
Oficiosamente, quer por iniciativa suscitada pelos órgãos em conflito, “logo que dele tenham conhecimento”, quer pelo próprio órgão competente para a decisão, se for informado do conflito.

Bibliografia:
     - AMARAL, Diogo Freitas do “Curso de Direito Administrativo”, Volume I (4ª edição).Almedina, 2015.
       - SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.
 

Sofia Pádua Santos, 56832

Evolução Administrativa

A evolução da justiça administrativa e do próprio Direito Administrativo divide-se em três fases.

O primeiro momento situa-se entre os séculos XVIII e XIX. Segundo, o Professor Vasco Pereira da Silva, este período é designado como o período do pecado original. Nesta fase precoce do Direito Administrativo o sistema de administração recaia (tal como os julgamentos) sobre o juiz. Isto causou uma promiscuidade desnecessária entre a Administração e Justiça, sendo que por vezes era difícil separar o acto de administrar com o acto de julgar, mesmo para o próprio juiz.

Este período teve o seu fim com o momento do baptismo, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, já entre o século XIX e XX. Há portanto uma mudança de estatuto do tribunal, a competência do tribunal continua a mesma, e há uma limitação que tem a ver com duas realidades. Em primeiro lugar, o âmbito da jurisdição continua a ser limitado, e o que está em causa é o juiz que não goza da plenitude de poderes em face da administração, é o juiz que apenas tem poderes anulatórios. É, portanto, um juiz limitado que não assume integralmente a sua função.

Apenas com a lei fundamental de Bohn, já nos anos 50, surge a jurisdicionalização dos tribunais e, com ainda mais importância, a tutela dos interesses públicos por parte dos tribunais. Assim sendo, o juiz finalmente possui as ferramentas para proteger os particulares, através também da prossecução do interesse público, um dos princípios mais relevantes da Administração Pública. No entanto, apenas nos anos 70 é que essa mudança alcançou Portugal, sendo enunciada na Constituição deste mesmo período no artigo 268º/4: "É garantido aos administrados tutela juisicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem independentemente da sua forma, a determinação da práctica de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequeadas.".

A última mudança chega com a europeização. Com este fenómeno, o Direito Europeu passou a ser a principal fonte de Direito Administrativo. Mas a mudança no Direito Administrativo não foi apenas devido a isto. O modelo de Estado estava também a sofrer alterações e isto reflectiu-se no próprio Direito Administrativo. Com um estado liberal a intervenção administrativa era reduzida, apoiando essa pouca intervenção no princípio da legalidade. Já com a mudança para um Estado social o cenário é alterado. O Direito Administrativo deixa de ser passivo e passa a ser activo, prevenindo, tutelando de forma permanente o interesse público e não de forma reactiva. 

Com a mudança de Estado Liberal para Estado Social, a Administração passa a ser prestadora, ou seja, uma Administração que presta bens e serviços permanentemente. 


Bibliografia:

Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina 2015


Alexandre Gil, nº 56841

Interesse Público

O princípio da prossecução do interesse público inclui-se na competência dos órgãos da Administração Pública, à luz do artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa: "A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos do cidadão.". Assim sendo, pode se considerar este princípio como o fim principal da Administração Pública.

O mesmo princípio está enunciado no artigo 4º do Código do Processo Administrativo, ditando assim a competência mais relevante da própria Administração. Ao ser referido no Código do Processo Administrativo, este princípio, passa de um fim abstracto e geral para um fim concreto, resultante de uma lei administrativa, a ser prosseguido com obrigatoriedade. Acrescentando ainda a protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, a Administração Pública vê-se impedida de violar o direito ou interesse dos cidadãos (para além de prossegui-los) sob incumprimento de lei.

No entanto, apesar do esforço de concretizar este princípio no que toca à Administração Pública, o próprio princípio da prossecução do interesse público pode ser demasiado abstracto para esta tentativa de concretização através de lei.

O Professor Freitas do Amaral procura definir o interesse público como um interesse colectivo ou comum de uma determinada comunidade, ou seja, o bem comum de uma população.

Segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, o interesse público tem de ser prosseguido de tutelado tal como é definido pela Constituição, através da identificação das necessidades colectivas e dos meios para estas serem alcançadas. A definição do interesse público não cabe à Administração mas sim à própria Constituição. Isto acaba por reflectir a subordinação que a Administração Pública tem ao princípio da legalidade. Apenas o que é definido por lei é que pode ser tutelado pela Administração.

Concluindo, o interesse público é um conceito por vezes demasiado amplo, incluindo dentro de si diversas necessidades colectivas. A Administração Pública deve prosseguir estas necessidades tendo em conta a finalidade principal: o interesse público. Já em relação aos meios, ai a Administração Pública dispõe de diversas ferramentas, estando ela própria encarregue de as definir, para alcançar o fim.


Bibliografia:

Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos. Direito Administrativo Geral, Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote 2004

Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina 2015


Alexandre Gil, nº 56841

Monday, December 18, 2017

Grupo 3 - Simulação

Parecer jurídico sobre a Proteção Civil

Introdução

Em virtude dos incêndios ocorridos no verão de 2017, foi-nos solicitada a apresentação de alternativas para o futuro do serviço público da proteção civil. O ano de 2017 tem sido para Portugal um ano catastrófico em termos de desgraças florestais. As chamas causaram inúmeros danos, muitos deles ainda por calcular, um rasto de destruição enorme. Algo há de muito errado e deve haver uma mudança profunda nas estruturas da Proteção Civil e Bombeiros.
Neste sentido, cabe-nos agora apresentar a nossa proposta: a criação de uma entidade reguladora independente, destinada a regular e fiscalizar a realização das tarefas prosseguidas pela Proteção Civil, em simultâneo com a privatização das entidades públicas de proteção civil.
Quanto à questão do modo mais eficaz de organização dos bombeiros, sugerimos a criação de um Corpo de bombeiros profissionais privados.

Proteção Civil:

Atualmente
Primeiramente, cabe-nos definir o que é a Proteção Civil e qual o seu estatuto jurídico atual em comparação com o que estamos a propor.
A Proteção Civil, tal como referido na Lei nº 27/2006 de 3 de Julho, passando a citar: A atividade desenvolvida pelo Estado, Regiões Autónomas, Autarquias Locais, cidadãos e por todas as entidades públicas ou privadas com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidentes graves ou catástrofes, de atenuar os seus efeitos e de proteger as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram. O organismo responsável por planear, coordenar e executar a política portuguesa de proteção civil é a Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Neste momento, é um serviço central que se integra na Administração direta do Estado (tal como previsto no artigo 199º alínea d) da CRP), uma atividade exercida pelos serviços integrados que pertencem à pessoa coletiva do Estado. A Proteção Civil é, atualmente, dotada de autonomia administrativa e financeira, tendo um património próprio. As suas atribuições (fins) estão previstas no DL nº 163/2014 de 31 de Outubro. Esta Autoridade superintende a atividade de proteção e socorro no território continental português com um serviço central e 18 serviços distritais. Superintende também a atividade dos bombeiros e a atividade de proteção e socorro do território continental Português.
 Cumpre-nos fazer uma pequena nota ao que é o Estado para esclarecer a sua interação com a ANPC. O Estado é uma pessoa coletiva que prossegue diversos fins e que tem numerosos órgãos e serviços que o auxiliam na prossecução dos seus fins, é também organizado por ministérios (estes constituídos por matérias) que não têm personalidade jurídica, pois integram-se na pessoa coletiva do Estado. Toda a administração direta fica submetida ao poder de direção do Governo, diferentemente do que sucede na administração autónoma ou indireta. A administração direta é estruturada hierarquicamente (modelo de organização vertical) sendo que é conferido aos superiores um poder de direção e aos subalternos um dever de obediência (havendo um vínculo jurídico entre ambos).
A ANPC está sob tutela do Ministério da Administração Interna, sendo que mantem relações de cooperação com diversos serviços públicos.
Neste caso, o superior da ANPC será o Governo, mais concretamente o Ministério da Administração Interna (tal como previsto no DL nº 75/2007 de 29 de Março), enquanto que o subalterno será a própria ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil). Nas entidades político-administrativas que são responsáveis pela proteção civil, a nível distrital, é o membro do Governo que é responsável por aquela área de proteção civil (esse mesmo membro é auxiliado pelo comandante distrital das operações de socorro); a nível municipal, os responsáveis são os respetivos presidentes de câmara.
  Os poderes que o superior detém sobre o subalterno são três: poder de direção (faculdade que permite dar ordens e instruções em matéria de serviço); poder de supervisão (faculdade que permite revogar, anular ou suspender os atos administrativos feitos pelo subalterno) e o poder disciplinar (faculdade de punição sobre o subalterno)
  O dever de obediência do subalterno consiste na obrigação de cumprir as ordens e instruções dadas sobre matéria de serviço (que está enunciada na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, art.73º/8).
  Quanto à estrutura da ANPC, integram-na 4 direções-gerais: uma de planeamento de Emergência, outra referente aos Bombeiros, aos Recursos de Proteção Civil e ainda de Auditoria e Fiscalização. Um comando Nacional de Operações de Socorro (em Carnaxide), cinco Agrupamentos Distritais de Operações de Socorro e ainda dezoito Comandos Distritais de Operações de Socorro.
  Historicamente, a ANPC é a junção entre o Sistema Nacional de Proteção Civil, o Serviço Nacional de Bombeiros e a Comissão Especializada em Fogos Florestais.

Proposta:
Sugerimos a privatização da Proteção Civil através da transferência das funções prosseguidas pelo Estado no âmbito da Proteção Civil para uma empresa privada, mais propriamente uma sociedade de interesse coletivo, ou seja, uma empresa que presta serviços públicos de interesse geral. Esta transferência seria feita através de um concurso público para promoção da competitividade.
Trata-se assim de uma pessoa coletiva privada que prossegue o interesse público (prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram)
            É uma entidade particular que resultada de iniciativa privada, desempenha uma atividade administrativa de gestão pública e outras vezes de gestão privada e aplica-se-lhes o regime de direito privado e de direito administrativo.
            Em suma, propomos uma descentralização funcional do setor público, por transferência de poderes próprios do Estado para o setor privado. Esta empresa teria meios de financiamento e recursos humanos próprios.
Quanto à natureza jurídica desta sociedade de interesse coletivo, pergunta-se se estas sociedades/empresas farão ou não parte da AP pelo facto de exercerem funções de caráter público coincidentes com as atribuições da AP. A este propósito, a doutrina diverge: há a tese clássica e a tese defendida por Marques Guedes que considera que a sociedade faz parte da AP. Defendemos, tal como o Professor Freitas do Amaral, a tese clássica – entidades privadas estão sujeitas a regime administrativo mas continuam a ser pessoas coletivas privadas, sujeito de direito privado, criadas pela iniciativa privada.
A maioria dos seus atos é de direito privado, o regime da responsabilidade civil é o do CC e o pessoal ao serviço destas sociedades não pertence à função pública, sendo-lhes aplicável o regime do contrato individual de trabalho. Outro argumento a favor é o artigo 82º/2/3 CRP – fazem parte do setor privado os meios que pertencem a pessoas coletivas privadas. Assim, a sociedade privada não faz parte da AP.
A privatização afigura-se necessária. Porquê? Porque, conforme o sucedido no presente ano, a atuação da Administração verificou-se manifestamente incapaz para solucionar os problemas ocorridos designadamente em torno dos incêndios.
Antes de mais, é necessário referir o que é a privatização e quais as vantagens desta face à prossecução dos fins da Proteção Civil pela Administração Pública.
Assim, a privatização traduz-se no facto de conferir a pessoas privadas (singulares ou coletivas), neste caso a uma pessoa coletiva, a gestão ou a exploração de determinadas tarefas administrativas concretas ou, em termos mais amplos, de certos serviços administrativos na sua globalidade. 
Remetendo para entidades privadas a gestão ou a exploração de tais sectores da atividade administrativa, observa-se aqui, comparativamente com a privatização das formas organizativas da AP, um movimento privatizador em sentido estruturalmente contrário: Na privatização da gestão ou da exploração transferem-se funções até então prosseguidas por entidades públicas, determinando que os respetivos “meios de produção” de propriedade pública passem a integrar, segundo o artigo 82.º/3 CRP, o sector privado. 
Argumentos em concreto a favor da Privatização da Proteção Civil
·         Especialização desta atividade
A administração tem a seu cargo inúmeras funções. Logo a sua capacidade de resposta face a este tipo situações irá ser, tal como se tem observado sobretudo no último ano, na maioria dos casos, manifestamente precária, insuficiente e ineficiente. A incapacidade de resposta foi notória, sobretudo nos incêndios de Pedrogão.
A administração não tem recursos nem meios, para responder a tudo de uma forma pragmática, rápida e eficaz aos problemas que são colocados diariamente. Deste modo, a privatização da Proteção Civil é uma medida que retira à Administração um encargo que tem sob sua tutela.
A empresa privada deterá meios próprios e através de protocolos com o Estado pode aproveitar meios já existentes, o que resultará numa maior disponibilização de meios e serviços em prol da atividade em causa. A única função desta entidade será prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidentes graves ou catástrofes, de atenuar os seus efeitos e de proteger as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram.
Assim, quanto aos problemas que irão surgir, com a privatização haverá uma resposta automática mais eficiente, uma vez que o seu foco será apenas assegurar a proteção dos cidadãos do Estado Português.
·         Maior disponibilização de meios perante catástrofes:
A Administração tem vindo a racionalizar os sectores que dela fazem parte, nomeadamente o sector em causa porque não possuir o capital suficiente. Por exemplo, no decurso do presente ano verificou-se que os bombeiros não possuíam carros suficientes, e os que existiam encontravam-se num estado degradado. Tal facto teve um impacto negativo no controlo de incêndios e nos meios de respostas face às várias frentes que surgiram. Com o incremento de meios térreos e também aéreos, a título de exemplo, a capacidade de resposta perante os problemas seria mais eficiente.

Numa primeira abordagem, a privatização irá resultar numa diminuição dos encargos a cargo da Administração, podendo esta obter mais receitas públicas que irão ser consignadas aos diversos sectores. Noutra vertente, aferimos que a atividade em causa será financiada por capital privado, o que poderá resultar numa maior disponibilização de meios e recursos visto que se presume que a entidade adjudicada terá capacidade económica para assegurar a prossecução do interesse público. A privatização seria feita através de concurso público, o que proporcionará uma maior competitividade das empresas privadas e assegurará a privatização por um melhor preço e com as melhores condições possíveis.

·         Melhor controlo face à prevenção de riscos
Mais uma vez a falta de meios torna-se fatal para a prevenção dos riscos. É do conhecimento de todos que, nos incêndios quer em Pedrógão Grande, quer nos incêndios de outubro que se propagaram no norte e centro do país, houve uma enorme falha no que toca à prevenção do risco dos incêndios.
Um dos argumentos utilizados para o facto de este ano se ter verificado uma enorme falha no controlo e prevenção deveu-se ao facto de muitas torres de controlo estarem desativadas e abandonadas, juntamente com a falta de cuidado com a limpeza das matas. Assim, ao longo do ano verifica-se uma inércia por parte da Administração no que concerne ao planeamento e organização do setor em causa. Tal facto deve-se à falta de meios financeiros e humanos disponibilizados para a prevenção de catástrofes. Não se admite que haja árvores não cortadas junto aos fios elétricos, não funcionamento do SIRESP, por exemplo.
            Assim, a própria privatização contribuirá para um melhor controlo e consequentemente uma melhor prevenção de riscos. A entidade adjudicante terá capacidade para prevenir as situações uma vez que terá à sua disponibilidade mais capital e consequentemente mais recursos humanos de forma a proceder ao planeamento e ordenamento do território.
·         Maior competitividade e evita situações de corrupção
Em empresas como a EDP viu-se aumentar a concorrência e competitividade em fins que anteriormente eram prosseguidos apenas pelo Estado e que, com a privatização, passaram a ficar a cargo de empresas privadas. O que se pretende com a concorrência é diminuir os custos com o combate e prevenção das catástrofes prestando serviços melhores.
A Privatização evita a lotação política de cargos e reduz a corrupção e o tráfico de influência. Com esta medida, não havendo influência do Estado na gestão da ANPC evitar-se-ão situações de forte influência, sobretudo os lobbies e a corrupção. Casos fraudulentos, como por exemplo, a eleição para cargos muito relevantes no âmbito da Proteção Civil com base nas habilitações dos dirigentes que, por sua vez, as obtiveram através de meras equivalências na sua maioria, serão evitados.

 

As organizações de bombeiros:


Enquadramento e atualidade
Em volta da pessoa coletiva de utilidade administrativa surgiram divergências doutrinárias. Sendo que para alguns autores eram consideradas como pessoas de direito privado (Marcello Caetano), para outros de direito público (Afonso Queiró) e ainda no entendimento do professor Jorge Miranda a figura teria deixado de existir.
      Independentemente destas doutrinas, tanto a doutrina, como a legislação (Estatuto das coletividades de utilidade pública) e a jurisprudência atual convergem no sentido da existência de pessoas coletivas de utilidade pública. Estas assumem-se numa categoria autónoma, com personalidade jurídica de direito privado.
      O professor Freitas do Amaral refere que as associações de bombeiros voluntários (cerca de 90% dos bombeiros em Portugal) pertencem à categoria de pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
            A qualidade de pessoa coletiva de utilidade administrativa não é diretamente dada pela da lei. É necessário um reconhecimento, para a constituição destas associações, pelo órgão competente.
      Estas associações estão integradas no sistema nacional de proteção e socorro e determinam-se como unidades externas, ou seja, como organismos criados por entidades particulares com funções públicas de proteção e socorro. São assim essenciais no próprio sistema de proteção civil. São estas que formam os corpos de bombeiros e substituem os municípios, pois cabe a estes últimos suportar financeiramente os corpos de bombeiros. Posto isto, as associações de bombeiros voluntários não substituem o Estado, mas eventualmente os municípios.
Atualmente, os corpos de bombeiros estão regidos pelo Regulamento Geral de Corpos de Bombeiros, onde estão referidos os seus princípios. A criação destes corpos pode advir da iniciativa das associações de bombeiros voluntários cabendo ao Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil (SNBPC) a sua concreta criação, sendo que se atribui a esse corpo, regra geral, uma área municipal. Caberá à própria SNBPC a fiscalização e coordenação desses corpos de bombeiros, prestando-lhes apoio. Tal como acontece na criação destes corpos, também a nomeação dos seus comandantes cabe à associação com a respetiva homologação da SNBPC.
      Os bombeiros voluntários têm autonomia face às respetivas associações, estas representam uma desconcentração do serviço do Estado. Um dos princípios enunciado no regulamento (supra mencionado) é o princípio da unidade de comando, ou seja, os membros dos bombeiros estão submetidos à SNBPC (organização hierárquica) e acabam por exercer competências públicas que a lei lhes atribui, atuando assim como entidades particulares com poderes públicos.

 

Criação de um corpo de bombeiros profissionalizados

A proposta visa a criação de uma organização de bombeiros profissionais. Como já foi referido, atualmente os bombeiros estão organizados sobretudo pelas associações de bombeiros voluntários, porém não invalida já a existência de bombeiros profissionais no seio dessas associações. Havendo já alguns corpos de bombeiros mistos (profissionais e voluntários) e legislação que os cursos, as áreas de conhecimento, os estágios, a avaliação e o estatuto pessoal dos bombeiros profissionais.
      A proposta passa por um aumento, do ainda pequeno número existente de bombeiros profissionais, pois são esses que estão especificamente preparados para as complexas situações existentes. Sendo para além disso, também necessário legislação que comporte e sustente este aumento dos bombeiros profissionais, de forma a equipar e a tornar efetiva a resposta destes. Para a concretização desta proposta sugerimos que se siga aquilo que já ocorre, por exemplo, nos EUA com os “Interagency Hotshot Crew”. São equipas complexamente preparadas para as maiores catástrofes e respetivamente equipadas para tal, inclusive para o combate de incêndios. Sugerimos assim que se siga, de forma semelhante, para Portugal de modo a sustentar e a solucionar todos os problemas de uma forma mais eficiente e preparada, pois como já tivemos experiência a resposta deste ano face a estes problemas foi, drasticamente, insuficiente.
Admitimos, ainda assim, que um aumento dos bombeiros profissionais não solucionaria todos os problemas, é necessário agregar a esta medida umas quantas medidas que regulem e apliquem verdadeiramente o que é estipulado, desde logo o ordenamento do território, os meios técnicos, a distância das estradas face à florestação entre outras.
Parecer sobre a privatização dos bombeiros:
     O Orçamento do Estado para os bombeiros é de cerca de 26 mil euros. Só dois corpos de bombeiros profissionais custam 65 milhões de euros a duas câmaras municipais. É essa a razão que explica a existência de apenas sete corpos profissionais de bombeiros em Portugal. É este o nosso ponto de partida para a privatização, uma vez que, com esta, haverá naturalmente um maior investimento que proporcionará um cabimento orçamental superior àquele que o OE proporcionava.
      O que foi mencionado (supra) acerca da privatização da proteção civil aplica-se de igual modo à privatização dos bombeiros, essencialmente no que respeita às vantagens dessa mesma privatização.
      Ou seja, sendo os Bombeiros uma das entidades públicas da Proteção Civil que acima sugerimos privatizar, estes constituir-se-ão como uma empresa privada, uma sociedade de interesse coletivo.
      Quanto às críticas da privatização, na medida em que estas entidades privadas se descuidariam da tarefa pública sobre o efeito importante da criação do lucro já não é defensável, pois as decisões das entidades privadas têm de cumprir requisitos para assegurar a função pública que desempenham (sendo que estão vinculadas ao direito público). A atuação é dirigida ao interesse público, não ao lucro.

Vantagens da profissionalização/privatização do corpo de bombeiros

·         Maior capital para investir numa formação mais técnica dos bombeiros, especializando-os nos diferentes tipos de ocorrências.
·         Maior facilidade de resposta a determinadas catástrofes, com o investimento nos meios de combate e prevenção dos mesmos (tanques, torres de controlo, carros patrulha).
·         Possibilidade de investimento em tecnologias e equipamentos mais avanças para prevenção e combate dos incêndios, para se conseguir dar uma resposta mais eficaz.
·         Abertura do corpo a bombeiros voluntários que terão igualmente formação especializada nas diferentes áreas para as quais sejam necessários.
·         Reabilitação dos postos de controlo, com a inclusão de profissionais especializados nessa área.
·         Promoção de formações em épocas sazonais, sendo que no Verão relacionada com a prevenção e intervenção dos incêndios e no Inverno relacionada com a prevenção e intervenção nas inundações.

Criação da Entidade Reguladora Da Proteção Civil (Administração Independente)


Nos termos do artigo 267º da CRP nº3, no qual, através de uma lei, o legislador ordinário cria uma entidade administrativa independente que não se encontra subordinada aos poderes de direção, superintendência e tutela do Governo, propomos assim a criação de uma Entidade Administrativa Independente[1], com o objetivo de análise dos problemas existentes, visando a obtenção de soluções despolitizadas para os mesmos e o acompanhamento da implementação das soluções e da própria atuação geral da Autoridade Nacional para a Proteção Civil, dando particular atenção à missão do combate aos Incêndios.
De acordo com o referido artigo, podem ser criadas Entidades Reguladores Independentes por lei (tal como as já existentes: Provedor de Justiça, Conselho Económico e Social, Entidade Reguladora da Comunicação Social, entre outros). As Entidades Reguladores surgem assim como uma quarta modalidade de administração (direta, indireta, autónoma e independente).
            A existência de um órgão administrativo independente permite antecipar a tutela dos direitos que, de outro modo, só poderia ser obtida mais tarde nos tribunais, tal como se verifica atualmente com as vítimas dos incêndios a recorrerem aos tribunais para serem indemnizadas pela frustração do seu direito e pelas falhas dos órgãos competentes.
Consequentemente, sugerimos uma reforma generalizada na Proteção Civil de modo a prepará-la para diferentes tipos de problemas que possam surgir e não só os que se verificaram este verão.
Por forma a assegurar o nosso principal objetivo, que é assegurar a imparcialidade e independência da Entidade, propomos a seguinte estrutura orgânica para a ENPC:

§  Conselho Regulador (órgão colegial que define a atividade da Entidade, composto por 1 presidente, vice-presidente e 3 vogais. 4 membros deste Conselho são designados pela AR – processo de designação: os candidatos estão sujeitos a audição parlamentar para verificação dos requisitos necessários para desempenhar o cargo; Os membros são independentes no exercício das funções e não estão sujeitos nem a instruções nem a orientações específicas e são inamovíveis, exceto em certos casos como por exemplo quando faltem a 2 reuniões consecutivas. Não podem ser designados como membros quem nos últimos 2 anos tenha feito parte do Governo ou dos órgãos executivos das RA ou AL; Mandato: 5 anos, não renovável; tomada de posse perante o Presidente da AR; Competências: eleger o presidente e vice-presidente, definir a orientação geral da Entidade e acompanhar a sua execução, aprovar o orçamento, relatórios e contas; Elaboram anualmente um Relatório sobre as atividades da Proteção Civil e o mesmo será devidamente publicitado; reúne ordinariamente 1 vez por semana e extraordinariamente quando for convocada pelo seu presidente)
§  Direção Executiva (responsável por dirigir os serviços, gestão administrativa e financeira da entidade. Composição: presidente e vice-presidente do Conselho Regulador e Diretor Executivo)
§  Conselho Consultivo (órgão de consulta e define as linhas gerais de atuação da Entidade, contribui para a articulação com outras entidades; Composição: o presidente eleito pelos restantes membros, 1 representante dos Bombeiros, 1 representante das forças armadas, 1 representante da ANPC, 1 representante da Direção-Geral de Saúde; Reúne ordinariamente 2 x por ano por convocação do seu presidente e extraordinariamente por iniciativa do seu presidente ou a pedido de 1 terço dos seus membros; Mandato: 4 anos)
§  Conselho Fiscal Único (Composição: um membro designado pela AR; Competência: controlar e acompanhar a legalidade, eficiência da gestão financeira e patrimonial da Entidade. Emitir parecer sobre o orçamento, relatório e contas da Entidade. Mandato: 5 anos, não renovável)

Este órgão, para o qual propomos a designação de “Entidade Reguladora da Proteção Civil”, relacionar-se-á com a Assembleia da República, nomeadamente através do processo de designação dos órgãos que estão sujeitos a audiência parlamentar. O órgão tem personalidade jurídica própria e as suas atribuições principais serão a análise e regulação da atuação da Autoridade Nacional da Proteção Civil, bem como a fiscalização desta.
Com o intuito de promover a transparência da atuação desta ERPC e a possibilidade de responsabilização política e administrativa, os titulares dos órgãos da ERPC e os seus trabalhadores e agentes respondem civil, criminal, disciplinar e financeiramente pelos atos e omissões que pratiquem no exercício das suas funções, nos termos da Constituição e demais legislação aplicável.
No que respeita a aspetos de fiscalização, a Entidade fará auditorias às operações da Proteção Civil quando surjam razões específicas que justifiquem um especial controlo e de forma aleatória quando nada indique a específica necessidade de fiscalização.

      Estas características da Entidade pretendem garantir Independência do Governo e dos Partidos Políticos, independência de Lobbies, transparência na sua atuação e resultados práticos.
            Neste sentido, a vantagem principal do modelo apresentado é a necessidade dos direitos dos administrados não estarem apenas condicionados por decisões tomadas exclusivamente pelo governo.
Através da participação de órgãos como o Presidente da Assembleia República e a Assembleia da República na referida escolha de membros de um órgão independente como aquele que se propõe aqui criar, há, efetivamente, uma maior transparência.

Conclusão
Conforme exposto acima, a nossa proposta visa e foca-se numa maior transparência, imparcialidade, eficiência e economia na atuação da Proteção Civil e das Organizações de Bombeiros.
            As estratégias apresentadas surgem após a análise dos diferentes modelos existentes e o seu modo de execução em termos práticos no nosso país. Consideramos que aquilo que defendemos se afigura como a resposta mais eficaz para que as tragédias do passado não se repitam no futuro.
            Parece-nos ser a privatização das entidades da proteção civil, a criação de uma Entidade Reguladora Independente da Proteção Civil e a criação de um corpo de Bombeiros profissionalizado privado um excelente ponto de partida na resolução dos graves problemas com que nos deparamos atualmente.
            Deste modo, deixamos agora que o Governo delibere sobre as formulações que aqui apresentámos, demonstrando, desde já, a nossa disponibilidade para eventuais esclarecimentos acerca da nossa proposta.

Lisboa, 15 de dezembro de 2017
Anna Verbytska, nº 56802
Catarina Cruz, nº 56960
Daniela Silva, nº 57354
Inês Lopes, nº 26710
Mafalda Saraiva, nº 56931
Neuza Carreira, nº 57098
Pedro Conceição, nº 56884




[1] Freitas do Amaral - Com esta ENPC, o Governo renuncia quase na totalidade ao exercício dos poderes de superintendência e de tutela que o artigo 199º CRP lhe confere em geral sobre a administração indireta. Se essa renúncia é genuína na prática e se traduz em verdadeira independência de atuação só a pratica o dirá

Descentralização para as Autarquias Locais



A 16 de Fevereiro de 2017, o Conselho de Ministros aprova a Proposta de Lei n.º 62/XIII, que prevê a transferência de competências para as autarquias locais e entidades intermunicipais essencialmente nas áreas da educação, saúde (cuidados primários e continuados), ação social, transportes, cultura, habitação, proteção civil, segurança pública, áreas portuárias e marítimas e gestão florestal.
Em documento com a mesma data, emanado pelo Gabinete do ministro adjunto, é dito, em referência à proposta de lei citada que “este pacote de descentralização, previsto no programa do XXI Governo Constitucional e encarado como pedra angular da reforma do Estado, tem em vista reforçar e aprofundar a autonomia local, através da transferência de competências da administração direta e indireta do Estado para órgãos mais próximos das pessoas”. Entretanto, quando já este processo se encontrava em apreciação na especialidade no Parlamento, resolveu-se suspender a discussão das propostas do Governo e de outros partidos antes das eleições autárquicas de 1 de outubro de 2017. Apesar de tal interregno, acredita-se que a descentralização deve voltar à agenda parlamentar já no inicio de 2018, visto que o Governo tem vindo a negociar com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) um conjunto de 23 diplomas setoriais para a transferência de competências e entregou um anteprojeto de nova Lei das Finanças Locais.


Tendo em conta os factos apresentados, importa fazer uma breve análise jurídica dos vários conceitos em que subjaz esta noticia:

I.     A existência de autarquias locais no conjunto da Administração Pública portuguesa é um imperativo constitucional, estabelecido pelo artigo 235º, nº2 da CRP: “As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.” Trabalhando mais cuidadosamente neste conceito, o professor Freitas do Amaral refere que as autarquias locais são pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução de interesses comuns resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios, representativos dos respetivos habitantes. Esta definição tem a vantagem de por em destaque os elementos da noção de autarquia: a população, o território, a prossecução de interesses próprios, e a existência de órgãos representativos. Quanto a este Freitas do Amaral considera que não há autarquia local sem “órgãos eleitos em eleições livres pelas respetivas populações”.

II.    Associado ao conceito de autarquias locais temos o principio da autonomia local, consagrado no nº1 do artigo 6º da CRP: o nº1 do artigo 3º da Carta Europeia de Autonomia Local define este principio como impondo o direito e a capacidade efetiva de as autarquias locais regularem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos. Esta parte importante dos assuntos públicos que às autarquias locais deve caber é determinável com base no principio da subsidiariedade, consagrado, tanto no referido nº1 do artigo 6º da CRP, como no nº3 do artigo 4º da Carta: os interesses das populações devem ser prosseguidos pelas entidades publicas que se encontram mais próximas daquelas, sem prejuízo de eficiência económica e do respeito pelos princípios da igualdade e da solidariedade entre os cidadãos. Em termos práticos, dir-se-á que, em principio, tudo quanto puder ser eficazmente decidido e executado ao nível autárquico não deve ser atribuído ao Estado e aos seus agentes.

III.  No conjunto de autarquias locais existentes, os municípios são a autarquia local por excelência na expressão de um acórdão do Tribunal Constitucional e isso revela-se claramente na legislação. Importantes domínios de atividade administrativa estão reservados aos municípios e a justificação pode entender-se, quase sempre, no facto de eles possuírem a dimensão mais adequada para a realização de muitas tarefas. A complexidade da atividade administrativa requer meios financeiros, humanos e técnicos que uma autarquia de pequena dimensão, como é, normalmente, a freguesia, não está em condições de exercer devidamente.

IV.  Para uma melhor compreensão dos vários conceitos, importa ainda referir, que a expressão poder local não é sinónimo de administração local autónoma, nem de autarquia local. Segundo Freitas do Amaral, só existe poder local quando as autarquias locais são verdadeiramente autónomas e têm um amplo grau de autonomia administrativa e financeira: isto é, quando forem suficientemente largas as suas atribuições e competências, quando forem dotadas dos meios humanos e técnicos necessários, bem como dos recursos materiais suficientes, para o prosseguir e exercer, e quando não forem excessivamente controladas pela tutela administrativa e financeira do poder local. É difícil, na prática, saber onde e quando há poder local, porque se trata de uma questão de grau. Em Portugal não existe com toda a certeza, porque as competências das autarquias locais são restritas, os meios humanos e técnicos disponíveis escassos, os recursos financeiros claramente insuficientes, e a tutela do Estado sobre as autarquias locais – depois de algum tempo de atenuação – recrudesceu fortemente nos últimos anos.

V.   Depois da exposição de conceitos relativos às autarquias locais, e tendo em conta a noticia apresentada importa salientar que a existência constitucional de autarquias locais e o reconhecimento da sua autonomia face ao poder central fazem parte da própria essência da democracia, e traduzem-se efetiva e vulgarmente no conceito jurídico-político de descentralização, sobretudo no contexto português.

VI.  Na descentralização em sentido jurídico, as tarefas da administração pública não são desempenhadas por uma só pessoa coletiva – o Estado –, mas por várias pessoas coletivas diferentes. Já na descentralização em sentido político, os órgãos representativos das populações locais são eleitos livremente por estas. Pode haver descentralização em sentido jurídico e não em sentido político (assim sucedia com a Constituição de 1933, mas quando os dois tipos de descentralização se aliam, fala-se em autoadministração das populações locais.

VII. Chamar-se-á, portanto “descentralizado”, o sistema em que a função administrativa não esteja apenas confiada ao Estado, mas também a outras pessoas coletivas territoriais.

VIII.  De ma forma geral, a descentralização torna-se vantajosa tendo em conta que: primeiro, garante as liberdades locais, servindo de base a um sistema pluralista de Administração Pública, que é por sua vez uma forma de limitação ao poder político; segundo, proporciona a participação dos cidadãos na tomada das decisões públicas em matérias que concernem aos interesses, e a participação é um dos grandes objetivos do Estado moderno (art. 2º CRP); depois, permite aproveitar para a realização do bem comum a sensibilidade das populações locais relativamente aos seus problemas, e facilita a mobilização das iniciativas e das energias locais para as tarefas de administração pública; e proporcionar, em princípio, soluções mais vantajosas do que a centralização, em termos de custo-eficácia.

IX.  Todavia, a descentralização também oferece alguns inconvenientes: o primeiro é o de gerar alguma descoordenação no exercício da função administrativa; e o segundo é o de abrir a porta ao mau uso dos poderes discricionários da Administração por parte de pessoas nem sempre bem preparadas para os exercer.

X.    Em Portugal, o art. 6º/1 CRP, estabelece que o “Estado é unitário e que respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locas e da descentralização democrática da administração pública”. E no mesmo sentido vai o art. 267º/2 CRP. Por consequência, constitucionalmente, o sistema administrativo português tem de ser um sistema descentralizado: toda a questão está em saber qual o grau, maior ou menor, da descentralização que se pode ou deve adotar.

XI.  A descentralização tem de ser submetida a certos limites, não podendo ser ilimitada, visto que se assim fosse degeneraria rapidamente no caos administrativo e na desagregação do Estado, alem de que provocaria atropelos à legalidade, à boa administração e aos direitos dos particulares. Esses limites podem ser de três ordens: limites a todos os poderes da Administração, e, portanto também aos poderes das entidades descentralizadas; limites à quantidade de poderes transferíveis para as entidades descentralizadas (art. 267º/2 CRP).; e limites ao exercício dos poderes transferidos (chamada “Tutela Administrativa, ou seja, conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação)

XII. A tutela administrativa sobre as autarquias locais é hoje uma simples tutela de legalidade, pois já não há tutela de mérito sobre as autarquias locais (art. 242º/1 CRP e Lei 27/96). - Quando averiguamos da legalidade de uma decisão, estamos a apurar se essa decisão é ou não conforme à lei. Portanto, a entidade tutelada (autarquias locais) tem legitimidade para impugnar, quer administrativa quer contenciosamente, os atos pelos quais a entidade tutelar (Estado) exerça os seus poderes de tutela.


Em jeito de conclusão, e a propósito dos factos apresentados na noticia referida é relevante esclarecer que: no quadro atual em Portugal temos um sistema administrativo descentralizado, se bem que ainda algo robusto, isto é, as competências das autarquias locais são restritas, os meios humanos e técnicos disponíveis escassos, os recursos financeiros claramente insuficientes, e a tutela do Estado sobre as autarquias locais – depois de algum tempo de atenuação – recrudesceu fortemente nos últimos anos, tal como se verificou a nível da educação , a quem foram auferidas algumas competências do ensino básico às autarquias locais.

Todavia, e mostrando o meu profundo agrado por esta nova proposta, as mudanças apenas se traduziram numa diferente repartição das competências entre os órgãos estaduais e os órgãos autárquicos. Ou seja, pegando nos exemplos da área da saúde e do ensino, as autarquias passaram a ter competência também a nível do ensino secundário e de outros, o mesmo acontecerá na gestão de serviços de saúde, em que os órgãos autárquicos poderão ter alguma expressão nas suas autarquias. Portanto, a ideia desta “descentralização para as autarquias locais” recai essencialmente na transferência de competências, e por inerência de maior autoridade e responsabilidade, da tutela para entidades locais/regionais, permitindo  que, por exemplo, no âmbito da saúde a gestão dos serviços também passe a depender das autarquias , se bem que se mantenha a lógica do Serviço Nacional de Saúde e das competências do ministério (são apenas alterações que não poem em causa o esquema da organização). Assim, poderão haver diferenças de autarquia para autarquia, por opção dos órgãos autárquicos nas matérias que cabem á sua organização (a organização e distribuição de centros de saúde poderá começar a caber exclusivamente ás autarquias), todavia, mantém-se as exigências do SNS (tem de haver hospitais, centros de saúde, cuidados primários – mantem-se inalteráveis), apenas se alteraram do ponto de vista de organização dos serviços;  assim como,  os ministérios continuam a desempenhar as funções de coordenação geral , se bem que com uma repartição diferente das competências entre os órgãos estaduais e os órgãos autárquicos.

Do meu ponto de vista, e tendo em conta que a proposta apresentada pelo Conselho de Ministro, esta em nada viola os limites à descentralização ou um possível limite à revisão constitucional. Considero, portanto, benéfica a proposta de “descentralização apresentada”, visto que permitirá proporcionar decisões mais ajustadas às condições locais/regionais, pela maior proximidade do poder local com os seus munícipes, e, não menos importante, pelo facto de libertar a tutela para outro tipo de decisões, vincadamente estratégicas para o país e indutoras de uma visão conceptual do Estado. Assim, esta “reorganização administrativa” poderá ser o ponto de partida para o desenvolvimento do país como um todo, mas apenas considerando o conjunto de ressalvas referidas e em estrito respeito face às idiossincrasias locais/regionais.



Bibliografia:




Daniela Silva, nº57354