Monday, November 13, 2017

Organização Administrativa- As pessoas coletivas públicas e os órgaos administrativos


Atendendo a uma perspetiva jurídico-administrativa das relações da Administração, interessa centrarmo-nos particularmente nos sujeitos a quem cabe a satisfação das necessidades coletivas e os órgãos que as constituem e que manifestam a vontade que lhes é imputável.
A relevância do estudo das pessoas coletivas públicas prende-se assim, em primeira linha, com o facto de em sistemas jurídicos como o nosso, elas desempenharem um papel fundamental na representação da Administração Pública nas suas relações administrativas. Como tal, um primeiro enquadramento que, a meu ver, importa ser traçado tem precisamente que ver com a definição deste conceito atendendo à forma como este tipo de pessoas coletivas se separa das já conhecidas pessoas coletivas privadas.

Como nos começa por alertar o Professor Diogo Freitas do Amaral, à partida, é importante eliminar algumas conceções erradas acerca da potencial distinção entre as duas figuras. A primeira passa por tornar claro que a base da distinção entre ambas nada tem que ver com o facto de uma atuar sobre o regime de Direito Público e outra sob Direito Privado. Muito pelo contrário, é perfeitamente possível existirem situações em que uma pessoa coletiva pública atue sujeita a regras de Direito Privado e vice-versa, casos em que as privadas também poderão atuar segundo um regime de Direito Público. Consequentemente, a outro aspeto fundamental passa por reconhecer, logicamente, que a pessoa coletiva pública terá assim uma capacidade jurídica tanto pública como privada, sendo que, por semelhança, a pessoa coletiva privada terá capacidade jurídica não só privada mas também pública.
Afastada esta configuração, vários são os critérios propostos pela doutrina a fim de traçar a divisão entre as duas figuras, que se fundam nos seguintes aspetos:
·         Iniciativa de criação
·         Fim prosseguido
·         Capacidade jurídica 
·         Regime jurídico global aplicável
·         Subordinação ao Estado
·         Obrigação de existência
·         Exercício ou não da função administrativa

Analisando a posição sustentada pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, esta centra-se na adoção de um critério misto, conjugando a criação, o fim e a capacidade jurídica da pessoa coletiva enquanto critérios. Assim, serão na sua opinião, pessoas coletivas públicas, as “criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos.”
Em detalhe, significa isto que a pessoa coletiva pública nascerá sempre de uma decisão pública, pelo que a criação de Pessoas coletivas públicas nunca terá iniciativa privada. (critério da Iniciativa da criação)
Adicionalmente, terá uma finalidade exclusiva e necessariamente ligada à prossecução do interesse público, pelo que este interesse jamais poderá estar ausente das suas atribuições. Por oposição, o mesmo já não pode ser dito relativamente às pessoas coletivas privadas uma vez que, ainda que seja possível conceber situações em pessoas coletivas privadas procurem a satisfação do interesse público, essa prossecução far-se-á sempre em termos distintos dos das Pessoas Coletivas Públicas. Essas poderão ou não escolher a satisfação do interesse público como fim, podendo em simultâneo ter em vista interesses privados. Acrescenta-se ainda o facto de muitas vezes essa prossecução de interesses públicos estar sujeita a uma fiscalização por parte da Administração. (critério do fim)
Por fim, as pessoas coletivas públicas serão, em nome próprio, titulares de poderes e deveres públicos. Entidades privadas de interesse público não se enquadram neste critério, por exemplo sociedades concessionárias que apesar de poderem exercer poderes públicos, e serem dotadas de autoridade, fazem-no em nome da Administração e não em nome próprio. (critério da capacidade jurídica)

CATEGORIAS DE PESSOAS COLETIVAS
Tentando agrupar as várias categorias de pessoas coletivas públicas podemos fazê-lo da seguinte forma:
                                 i.            Pessoas coletivas públicas de tipo territorial: correspondem ao Estado, às Regiões autónomas e às Autarquias Locais

                               ii.            Pessoas coletivas de tipo institucional: incluem as diversas espécies de institutos públicos

                              iii.            Pessoas coletivas públicas de tipo associativo: correspondem às Associações públicas

REGIME JURÍDICO
Perante a inexistência de um único regime, uniforme e aplicável a todas as pessoas coletivas públicas, resta-nos concluir que o regime dependerá da legislação especial aplicável a cada caso específico.
Por exemplo, as autarquias locais partilham um regime semelhante que lhes é aplicável nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei da Autarquias Locais (Lei 169/99, de 12 de Setembro). Por sua vez, no caso dos Institutos Públicos, apesar de existir uma Lei-Quadro, é mais relevante observar cada caso isoladamente, havendo variações no regime aplicável conforme as respetivas leis orgânicas.
Por regra e no geral, podemos afirmar que nestes regimes jurídicos são fixados os pressupostos da criação e extinção da pessoa coletiva; a capacidade de direito privado e património próprio; a capacidade de direito público; a autonomia administrativa e financeira; as isenções fiscais; o direito de celebrar contratos administrativos; a possível titularidade de bens de domínio público; os funcionários públicos; a sujeição da pessoa coletiva a um regime administrativo de responsabilidade civil distinta da regulada no Código Civil; a sujeição a tutela administrativa; a sujeição ao controlo pelo Tribunal de Contas e a sujeição à jurisdição dos Tribunais Administrativos.



ÓRGAOS ADMINISTRATIVOS
Sendo a pessoa coletiva destituída de uma existência física, há então que estudar os órgãos administrativos responsáveis pela manifestação e imputação de vontade à pessoa coletiva, a quem cabe tomar decisões em nome dela.
Nas palavras de Jorge Miranda, um órgão “é um centro autónomo institucionalizado de emanação de uma vontade que é imputada à pessoa coletiva pública”[1]
Todavia, a respeito da natureza dos órgãos das pessoas coletivas, duas conceções dividem a doutrina:
           i.            Defendida por Marcello Caetano, considera os órgãos instituições
         ii.            Defendida por Afonso Queiró e Marques Guedes, opõe-se à anterior, sustentando que os órgãos são os indivíduos

Já Freitas do Amaral ultrapassa esta dicotomia, distinguindo para esse efeito órgãos, sob uma perspetiva de teoria de organização administrativa, identificando-as com as instituições, ao passo que órgãos já serão os indivíduos sob uma teoria de atividade administrativa.

Para terminar, para uma mais abrangente compreensão das vicissitudes das pessoas coletivas públicas e dos órgãos que as representam, cumpre ainda fazer uma breve referência às muitas classificações possíveis de órgãos das pessoas coletivas públicas, cingindo-me apenas às mais importantes:
         i.            Singulares e colegiais (número de titulares)
       ii.            Ativos, consultivos e de controlo (tipos de funções exercidas)
      iii.            Permanentes e temporários (quanto à duração)
     iv.            Órgãos representativos e não representativos (quanto à forma de designação)
       v.            Simples e complexos (modo de funcionamento)


Para concluir, temos pois assim razões suficientes para traçar uma linha divisória entre a natureza das pessoas coletivas públicas e as privadas atendendo a uma multiplicidade de critérios, desde a criação aos fins da própria pessoa coletiva, atendendo ainda aos regimes jurídicos distintos aplicáveis respetivamente a uma e outra, observando ainda os órgãos administrativos que as constituem, havendo que reconhecer porém, em certa medida, algumas estruturas básicas de semelhança.




BIBLIOGRAFIA:
DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, «Introdução ao Direito Administrativo», 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016
JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS/FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «Noções Fundamentais de Direito Administrativo», 2ª Edição, Almedina, 2011




 Ricardo Ferreira
57016








[1] Neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo V

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