Atendendo a uma perspetiva
jurídico-administrativa das relações da Administração, interessa centrarmo-nos
particularmente nos sujeitos a quem cabe a satisfação das necessidades
coletivas e os órgãos que as constituem e que manifestam a vontade que lhes é
imputável.
A relevância do estudo das pessoas coletivas
públicas prende-se assim, em primeira linha, com o facto de em sistemas
jurídicos como o nosso, elas desempenharem um papel fundamental na
representação da Administração Pública nas suas relações administrativas. Como tal, um primeiro enquadramento
que, a meu ver, importa ser traçado tem precisamente que ver com a definição
deste conceito atendendo à forma como este tipo de pessoas coletivas se separa
das já conhecidas pessoas coletivas privadas.
Como nos começa por alertar o Professor Diogo
Freitas do Amaral, à partida, é importante eliminar algumas conceções erradas
acerca da potencial distinção entre as duas figuras. A primeira passa por
tornar claro que a base da distinção entre ambas nada tem que ver com o facto
de uma atuar sobre o regime de Direito Público e outra sob Direito Privado.
Muito pelo contrário, é perfeitamente possível existirem situações em que uma
pessoa coletiva pública atue sujeita a regras de Direito Privado e vice-versa, casos
em que as privadas também poderão atuar segundo um regime de Direito Público.
Consequentemente, a outro aspeto fundamental passa por reconhecer, logicamente,
que a pessoa coletiva pública terá assim uma capacidade jurídica tanto pública
como privada, sendo que, por semelhança, a pessoa coletiva privada terá
capacidade jurídica não só privada mas também pública.
Afastada esta configuração, vários são os
critérios propostos pela doutrina a fim de traçar a divisão entre as duas
figuras, que se fundam nos seguintes aspetos:
·
Iniciativa de criação
·
Fim prosseguido
·
Capacidade jurídica
·
Regime jurídico global aplicável
·
Subordinação ao Estado
·
Obrigação de existência
·
Exercício ou não da função
administrativa
Analisando a posição
sustentada pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, esta centra-se na adoção de um critério misto, conjugando a
criação, o fim e a capacidade jurídica da pessoa coletiva enquanto critérios.
Assim, serão na sua opinião, pessoas coletivas públicas, as “criadas por
iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses
públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos.”
Em detalhe, significa isto que a pessoa
coletiva pública nascerá sempre de uma decisão pública, pelo que a criação de
Pessoas coletivas públicas nunca terá iniciativa privada. (critério da Iniciativa da criação)
Adicionalmente, terá uma finalidade exclusiva
e necessariamente ligada à prossecução do interesse público, pelo que este
interesse jamais poderá estar ausente das suas atribuições. Por oposição, o
mesmo já não pode ser dito relativamente às pessoas coletivas privadas uma vez
que, ainda que seja possível conceber situações em pessoas coletivas privadas
procurem a satisfação do interesse público, essa prossecução far-se-á sempre em
termos distintos dos das Pessoas Coletivas Públicas. Essas poderão ou não
escolher a satisfação do interesse público como fim, podendo em simultâneo ter
em vista interesses privados. Acrescenta-se ainda o facto de muitas vezes essa
prossecução de interesses públicos estar sujeita a uma fiscalização por parte
da Administração. (critério do fim)
Por fim, as pessoas coletivas públicas serão,
em nome próprio, titulares de poderes e deveres públicos. Entidades privadas de
interesse público não se enquadram neste critério, por exemplo sociedades
concessionárias que apesar de poderem exercer poderes públicos, e serem dotadas
de autoridade, fazem-no em nome da Administração e não em nome próprio. (critério da capacidade jurídica)
CATEGORIAS
DE PESSOAS COLETIVAS
Tentando agrupar as várias categorias de
pessoas coletivas públicas podemos fazê-lo da seguinte forma:
i.
Pessoas coletivas públicas de tipo
territorial: correspondem ao Estado, às Regiões autónomas e às Autarquias
Locais
ii.
Pessoas coletivas de tipo
institucional: incluem as diversas espécies de institutos públicos
iii.
Pessoas coletivas públicas de tipo
associativo: correspondem às Associações públicas
REGIME
JURÍDICO
Perante a inexistência de um único regime,
uniforme e aplicável a todas as pessoas coletivas públicas, resta-nos concluir
que o regime dependerá da legislação especial aplicável a cada caso específico.
Por exemplo, as autarquias locais partilham um
regime semelhante que lhes é aplicável nos termos da Constituição da República
Portuguesa e da Lei da Autarquias Locais (Lei 169/99, de 12 de Setembro). Por sua vez, no caso dos Institutos
Públicos, apesar de existir uma Lei-Quadro, é mais relevante observar cada caso
isoladamente, havendo variações no regime aplicável conforme as respetivas leis
orgânicas.
Por regra e no geral, podemos afirmar que
nestes regimes jurídicos são fixados os pressupostos da criação e extinção da
pessoa coletiva; a capacidade de direito privado e património próprio; a
capacidade de direito público; a autonomia administrativa e financeira; as
isenções fiscais; o direito de celebrar contratos administrativos; a possível
titularidade de bens de domínio público; os funcionários públicos; a sujeição
da pessoa coletiva a um regime administrativo de responsabilidade civil
distinta da regulada no Código Civil; a sujeição a tutela administrativa; a
sujeição ao controlo pelo Tribunal de Contas e a sujeição à jurisdição dos
Tribunais Administrativos.
ÓRGAOS
ADMINISTRATIVOS
Sendo a pessoa coletiva destituída de uma
existência física, há então que estudar os órgãos administrativos responsáveis
pela manifestação e imputação de vontade à pessoa coletiva, a quem cabe tomar
decisões em nome dela.
Nas palavras de Jorge Miranda, um órgão “é um
centro autónomo institucionalizado de emanação de uma vontade que é imputada à
pessoa coletiva pública”[1]
Todavia, a respeito da natureza dos órgãos das
pessoas coletivas, duas conceções dividem a doutrina:
i.
Defendida por Marcello Caetano,
considera os órgãos instituições
ii.
Defendida por Afonso Queiró e
Marques Guedes, opõe-se à anterior, sustentando que os órgãos são os indivíduos
Já Freitas do Amaral ultrapassa esta
dicotomia, distinguindo para esse efeito órgãos, sob uma perspetiva de teoria
de organização administrativa, identificando-as com as instituições, ao passo
que órgãos já serão os indivíduos sob uma teoria de atividade administrativa.
Para terminar, para uma mais abrangente
compreensão das vicissitudes das pessoas coletivas públicas e dos órgãos que as
representam, cumpre ainda fazer uma breve referência às muitas classificações
possíveis de órgãos das pessoas coletivas públicas, cingindo-me apenas às mais
importantes:
i.
Singulares e colegiais (número de
titulares)
ii.
Ativos, consultivos e de controlo
(tipos de funções exercidas)
iii.
Permanentes e temporários (quanto
à duração)
iv.
Órgãos representativos e não
representativos (quanto à forma de designação)
v.
Simples e complexos (modo de
funcionamento)
Para concluir, temos pois assim razões suficientes
para traçar uma linha divisória entre a natureza das pessoas coletivas públicas
e as privadas atendendo a uma multiplicidade de critérios, desde a criação aos
fins da própria pessoa coletiva, atendendo ainda aos regimes jurídicos
distintos aplicáveis respetivamente a uma e outra, observando ainda os órgãos
administrativos que as constituem, havendo que reconhecer porém, em certa
medida, algumas estruturas básicas de semelhança.
BIBLIOGRAFIA:
DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito
Administrativo», volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, «Introdução ao
Direito Administrativo», 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016
JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS/FERNANDA PAULA
OLIVEIRA, «Noções Fundamentais de Direito Administrativo», 2ª Edição, Almedina,
2011
Ricardo Ferreira
57016
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