Podemos falar de Administração Pública como sendo uma unidade administrativa, tendo como órgão superior o Governo, nos termos do artigo 182.º da Constituição.
No entanto, assistimos hoje a uma administração bastante complexa, uma vez que esta se agrupa num grande número de entes públicos, organizados em vários setores. A complexidade da Administração Pública advém de fenómenos de pluralização, mas também de privatização.
Entende-se por privatização a substituição de procedimentos públicos por procedimentos privados.
Tradicionalmente, a administração pública era constituída por pessoas coletivas públicas exclusivamente, submetidas a direito público.
No Estado Pós-Social, com a descoberta da 3ª geração de direito fundamentais e da passagem do modelo de Estado prestador para um modelo de Estado regulador, este controla e fiscaliza aquilo que os particulares fazem no desenvolvimento da função administrativa, tendo por base uma colaboração entre o Estado e os particulares.
Temos então uma administração infraestrutural, uma vez que o Estado vai criar infraestruturas, como aeroportos e intervir nos meios de comunicação, de maneira a que os particulares são chamados a colaborar no exercício da função administrativa.
Atualmente, para além das pessoas coletivas públicas, o exercício da atividade administrativa também embarca pessoas coletivas que, embora de criação e/ou controlo público, se revestem de forma jurídica privada e pessoas coletivas puramente privadas. Temos como exemplos as sociedades anónimas e as fundações, respetivamente. Em ambos os casos, as entidades são regidas pelo direito privado e submetidas a um controlo público diferenciado do das entidades públicas.
Posto isto, fica difícil de saber o que é realmente o Direito Administrativo. Direito Público ou Direito Privado? Podemos ter em conta 3 critérios para definir Direito Administrativo:
- Critério dos sujeitos: Porque é que o direito administrativo não se aplica só às entidades públicas? Porque tem capacidade de direito privado, mas não exatamente como as pessoas, no domínio da sua autonomia privada. Temos uma fuga para o direito privado. Nem todo o direito que se aplica à administração pública é direito administrativo (público). Também atua ao abrigo do direito privado.
- Critério dos meios: Qual o poder que a administração tem perante os particulares? A doutrina veio dizer que cada vez mais a administração também exerce prestações. Hoje em dia, não temos só uma administração agressiva, mas também uma administração prestadora de bens e serviços. A administração pode ter de pagar uma indemnização a um particular, por razões de expropriação, como também presta serviços de cuidados de saúde num hospital público.
- Critério do fim: Regra geral temos que a administração pública visa o interesse público e o direito privado serve para prosseguir interesse privado. No entanto, nem sempre é assim. Há uma dificuldade acrescida para distinguir o que é o interesse privado do interesse público. Por outro lado, há pessoas coletivas privadas que prosseguem o interesse público e também o interesse público pode ser seguido por sujeitos privados. O critério do fim também não serve para caraterizar o direito administrativo.
Quem tem de definir o interesse público é a lei e não a administração. Consoante a melhor forma de o fazer, pode utilizar direito privado ou o direito público. No entanto, é o interesse público a razão pela qual a administração está sob o principio da legalidade da competência. Ela prossegue o interesse público. A administração pública tem uma competência atribuída por uma norma.
José Carlos Vieira de Andrade defende que atualmente, a comunidade política tem 2 tipos de interesses públicos. O interesse público primário, constituído pela prossecução da Segurança, da Justiça e do Bem-estar, e os interesses públicos secundários. A lei define-os como as necessidades coletivas instrumentais das 3 finalidades do interesse público primário. Impõe às entidades públicas a realização de tarefas públicas, que podem ser atribuídas em exclusividade, através do uso legítimo da força, justiça, defesa, segurança pública e tributação, e sobretudo no que respeita ao Bem-estar, a ação dos sectores social e privado, nas áreas da saúde, segurança social e educação.
Atualmente, a competência contenciosa pertence aos tribunais comuns, não só nos aspetos fulcrais de defesa da liberdade e propriedade, mas também nos atos administrativos praticados sob a égide do direito privado. Defende o professor Freitas do Amaral que «a razão de ser dos tribunais administrativos não reside hoje em dia no privilégio de um foro privativo da Administração, mas na vantagem de uma especialização material dos órgãos jurisdicionais».
Admite-se então a delegação de algumas das tarefas públicas a favor de entidades privadas. Acentua-se hoje uma limitação das tarefas da prestação pública, privatizando-se serviços essenciais ou de interesse económico geral, como por exemplo, os transportes e as telecomunicações. Afirma José Carlos Vieira de Andrade que a Administração passa a centrar-se em tarefas como a regulação, a fiscalização e a proteção dos consumidores, “cuja prestação passou a ser tarefa privada e a ser cometida a empresas privadas, atuando em concorrência no mercado.”
As pessoas coletivas sob a forma jurídica privada que exercem a função administrativa estão submetidas também ao direito público. Estão vinculadas aos princípios fundamentais do Direito Administrativo e ao regime dos direitos, liberdades e garantias, consagrado no artigo 18º da CRP, distinguindo-se assim dos meros particulares.
No Direito Administrativo Privado temos a chamada fuga para o Direito Privado. Este é um direito mais simplificado, mas é cada vez mais destacado que se tem de conter essa fuga, nomeadamente através dos princípios da atividade administrativa. O artigo 2º nº3 do Código do Processo Civil consagra isso mesmo: a contenção da fuga para o Direito Privado. A Administração pode usar o direito privado, a não ser que haja uma norma que o proíba e tendo em conta que está sujeita aos princípios da administração.
Tem-se então que a Administração atua no Direito Público, desenvolvendo uma atividade administrativa pública, como lançar e cobrar impostos e expropriar terrenos, mas outras vezes atua segundo o Direito Privado, exercendo uma atividade administrativa privada, como comprar, vender e arrendar. Defende o professor Freitas do Amaral que a gestão pública é uma expressão que designa a atividade pública da Administração, sob a égide do Direito Administrativo e em contrapartida, gestão privada designa a atividade que a Administração exerce para fins de interesse público, usando meios de direito privado, seja Direito Civil, Comercial ou do Trabalho. É necessário ter assente a ideia de que o Direito Administrativo regula apenas a atividade de gestão pública e à atividade de gestão privada aplica-se o Direito privado.
Para Vital Moreira, existem 2 limites para a atuação da administração ao abrigo do direito privado. Antes de mais, ela não pode ter como objeto, matérias que estejam reservadas à Administração Pública, sendo essa reserva dada pela Constituição. Adicionalmente, a administração privada deve revestir um caráter excecional, ou pelo menos de menor atuação em relação à administração pública.
As entidades privadas que exercem funções administrativas não dispõem de uma capacidade genérica para a prática de atos de Direito Público. Sem delegação ou fora dos limites dela, a entidade privada não atua na esfera do Direito Público, mas no âmbito do Direito Privado. Não lhe falta competência para a execução de uma determinada função pública, mas sim capacidade jurídica.
Por isso, quando a Administração atua como particular, servindo-se e sujeitando-se ao Direito Privado, não é no princípio da autonomia privada que a sua atuação se funda, mas no princípio da especialidade que lhe concede todos os direito e obrigações convenientes à livre prossecução dos seus fins institucionais, no caso, do interesse público previamente definido e qualificado pela lei, fundamento e limite inalienável da Administração Pública.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
- MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «Direito Administrativo Geral», Tomo I – Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª edição, D. Quixote, 2008.
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume 1, 4º Edição, Almedina, Coimbra, 2016.
- VITAL MOREIRA, «Administração Autónoma e Associações Públicas», Coimbra Editora, 1997.
- JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, «Lições de Direito Administrativo», Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.
Daniela Silva
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