Friday, November 3, 2017

"As mutações da Função Administrativa"

Temos presente que o conceito de Administração Pública está interligado com a função administrativa do Estado. Assim, quando enunciamos o termo Administração Pública referimo-nos ao conjunto de necessidades coletivas, cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de serviços por esta organizados e mantidos. Concluímos assim que, o bem-estar da coletividade é o grande objetivo a atingir pela função administrativa do Estado. Porém, para se obter a satisfação destas necessidades coletivas, é sempre necessário a existência de meios humanos e materiais.

Podemos falar ainda de dois tipos de funções do Estado, as funções primárias e as funções secundárias. A função administrativa insere-se nas funções secundárias, caracteriza-se por estar subordinada às funções primárias, ou seja, as suas decisões tem de estar em conformidade com as decisões das funções primárias (função política e função legislativa).

 Quer a função administrativa, quer a administração pública viram o seu conteúdo e amplitude alterar-se consoante os tipos e formas de Estado. Deste modo, podemos mencionar diferentes períodos onde se concretizaram essas alterações, são eles o Estado pré-constitucional, o Estado Liberal de Direito, o Estado Social de Direito e, por fim, os Estados de não-Direito.

Foi na Roma imperial, que verificamos a preocupação de criar um Estado que se caracteriza-se por ter um poder político completo e um território onde exercesse a sua soberania, tendo como fim a satisfação das necessidades coletivas, como por exemplo, a defesa, a segurança interna, as comunicações, o abastecimento de água, as infraestruturas de resíduos, entre outras. É certo que esta mutação em Roma serviu como base para o ascendente da função administrativa, no período do Estado pré-constitucional e seguintes.

No período da monarquia absoluta do Estado Absoluto e do Estado Polícia, assistimos a uma crescimento da dimensão do Estado, concentrando em si cada vez mais o poder. Em consequência, verificou-se o “desaparecimento” das autarquias locais e ainda de instituições sociais, como a Igreja. Estas tiveram uma enorme importância no período do feudalismo medieval, onde a satisfação das necessidades passava pela prestação de vassalagem, às instituições religiosas e pela administração a nível local, nomeadamente municipal.

No período do Estado pré-constitucional, a concentração do poder no monarca fez dele o supremo legislador, o supremo juiz e o supremo administrador, visto que, não havia separação entre a função orgânica e a função administrativa e entre esta e a função jurisdicional, surgiu assim, o sistema do administrador-juiz.

No Estado absoluto, o monarca não se encontrava vinculado pelo direito, tinha o poder de derrogar no caso concreto, os seus súbditos dependiam das suas decisões, não podiam opor ao poder público direitos subjetivos que ele, monarca, tivesse que respeitar. Acabaria por fazer sentido, porque o monarca concentrava em si todos poderes e qualquer decisão que efetuasse não poderia ser posta em causa, era decidida consoante os seus interesses e tinha que ser acatada e respeitada por todos os seus súbditos. Relativamente ao Estado Polícia, verificamos a autonomização do Fisco, ou seja, era uma entidade que regulava as relações jurídicas de carácter patrimonial com os particulares, limitada pelo direito, no entanto, existia uma diferença, a possibilidade de opor, jurisdicionalmente, as suas posições jurídicas subjetivas. 

O Estado Liberal surgiu no período das revoluções do final do século XVIII e início do século XIX, afirmou-se como divergente aos princípios do Estado Absoluto, deste modo, assumiu-se como defensor dos direitos fundamentais dos cidadão, do princípio da separação de poderes e o princípio da legalidade. A afirmação dos direitos fundamentais constituiu limites à atividade dos poderes públicos. Sob influência da Montesquieu, o princípio da separação de poderes foi entendido em sentido restrito, ou seja, cada função do Estado deveria ser exercida por órgãos diferentes do aparelho estadual e cada um devia exercer a função que lhe competia. Os revolucionários franceses, nomeadamente Laferrière, afirmavam que “julgar a administração ainda é administrar”, assim, assistia-se a um afastamento da administração ao controlo dos tribunais. Relativamente ao princípio da legalidade, Rousseau foi uma figura bastante importante, referindo nas suas teses de soberania popular que, a lei, expressão da vontade geral, constituía um limite à atividade administrativa. O princípio da legalidade tinha como base a preferência da lei (proibição da atividade administrativa contrária à lei) e a reserva da lei (a atuação administrativa tem que ter fundamento na lei). No que tange, à preferência da lei assistimos a uma valorização imensa da lei parlamentar, o que contribuiu para uma desvalorização da Constituição. A reserva da lei abrangeu apenas a atuação administrativa que ofendesse lei, resultando assim numa discricionariedade da lei.

Com o fim da I Guerra Mundial, surge o Estado Social de Direito como reformulação e aprofundamentos dos princípios do Estado Liberal. No entanto, aos fins que eram defendidos pelo Estado Liberal, foi acrescentado o bem-estar económico, social e cultural dos cidadãos e a dimensão redistributiva da justiça social. Como consequência, a administração também viu os seus fins alargados, ou seja, alargamento das tarefas administrativas e da própria administração em sentido orgânico. O princípio da separação de poderes foi alvo de uma reformulação, passou a ser um esquema historicamente inconstante e flexível de distribuição racional do poder pelos órgãos públicos. O princípio da legalidade assentou no conceito do bloco de legalidade, como contraposto ao conceito de preferência da lei, deste modo, a atuação administrativa encontrava-se limitada pela lei ordinária e pelos fatores normativos que se impunham por força da ordem jurídica, começando na Constituição e acabando nos regulamentos administrativos. A reserva da lei abrange todas as tarefas da administração, não só as referentes à liberdade e propriedade dos cidadãos.

Por fim, refere-se ainda os Estados antiliberais, antidemocráticos e totalitários, que se apresentam como oposição à conceção ocidental dos direitos fundamentais, são chamados os Estados de não-Direito (Estado Socialista e Estado Fascista). O Estados Socialista é caracterizado pelo regime político ditatorial (ditadura do proletariado), onde se procede à apropriação coletiva dos meios de produção, para se prosseguir os interesses coletivos, no entanto, não existe qualquer respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos. Porém, a função administrativa e a administração pública atingem o seu auge, o Estado funcionava como produtor, distribuidor e consumidor determinante. No Estado Fascista, assistimos a uma convergência entre o regime político ditatorial e o regime económico capitalista que era controlado protegido e condicionado pelo poder político do Estado. No entanto, a função administrativa e a administração pública assumem um papel amplo, no conducente à administração agressiva e à administração prestacional.

As várias mutações que assistimos na função administrativa, estiveram de acordo com a evolução política, social, económica da sociedade. Tendo sempre como objetivo primordial garantir o bem-estar e satisfação das necessidades dos cidadãos. 


Bibliografia: 

  • FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol I, 4ª ed., 2015, Almedina.
  • MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGaDO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, D. Quixote, Lisboa, Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2004.

Pedro Maria Morgado da Conceição 
Nº 56884    Turma B    Subturma 14


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