O nascimento do princípio da legalidade e a sua análise
enquanto princípio norteador e delimitador da administração pública e da função
administrativa
O princípio da legalidade, a conceptualização do princípio
característico do Estado de Direito Democrático e a sua base legal no
ordenamento português
O princípio da legalidade surge consagrado no Art 266º/2 da
CRP” sendo que o mesmo princípio surge igualmente no Art3º do CPA ocupando um
lugar de primazia face aos demais princípios existentes. O princípio da
legalidade, também conhecido como o princípio da legalidade administrativa, é o
grande princípio geral responsável por orientar a atividade administrativa e
todo o setor referente à Administração Publica, pelo que podemos sustentar a
afirmação de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, de que “ a lei não é apenas o limite mas o
pressuposto e o fundamento de toda a atividade administrativa, pelo que não
existe a Administração Pública, nem exercício da função administrativa, sem
lei, sem norma legal que o fundamente.” DIOGO FREITAS DO AMARAL admite que, a
administração e a atuação desta, devem ter como linha orientadora, a utilização
eficiente dos serviços e recursos disponíveis ainda que estes se apresentem
escassos, de forma a assegurar uma resposta eficaz quanto ao conjunto de
necessidades coletivas que requerem ser satisfeitas por parte da administração.
É do entendimento do professor que o fundamento da existência e do fim da
administração pública se fundamentam na prossecução do interesse comum, sendo
que para este interesse ser prosseguido em conformidade com a lei advém a
necessidade de impor limites à arbitrariedade da administração, através da
consagração de princípios entre os quais o princípio da legalidade.
O nascimento do princípio da legalidade; Breve
contextualização histórica
O princípio da legalidade decorre diretamente da revolução
francesa em 1789 e da consequente implementação do estado liberal que sucede às
monarquias absolutas que predominavam na Europa no século XVIII marcadas pela
figura do Estado policia (marca a ideia de um poder absoluto) e pelo livre
arbítrio do monarca e da sua administração pública. No estado absoluto a
concentração do poder real faz do monarca, o supremo legislador, juiz e
administrador o que implica que “não só não existe separação orgânica entre
função administrativa e função jurisdicional como os órgãos que exercem ambas o
fazem em nome do rei” como aponta MARCELO REBELO DE SOUSA. Neste período
podemos afirmar que os direitos fundamentais dos particulares não estão
tutelados pelo direito nem tão pouco podem ser oponíveis contra o monarca e à
vontade deste, nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA “ o monarca absoluto não
está vinculado pelo direito e os súbditos dependem da sua graça, da sua vontade
não lhe podendo opôr direitos subjetivos que ele tenha de respeitar.” Neste
período não há quaisquer normas constitucionais que subordinem a administração
pública e a função administrativa uma vez que o poder legislativo a par dos
restantes está à mercê do monarca. Existe o denominado sistema do
administrador-juiz que marca como assinala MARCELO REBELO DE SOUSA “ a ausência
de separação orgânica entre as funções administrativa e jurisdicional.” Após a
revolução francesa surgem mutações no quadro político e administrativo no
entanto não podemos dizer que é através do surgimento do Estado liberal que
surge o termo dos estados absolutos, tal como aponta VASCO PEREIRA DA SILVA não
há uma “rutura total” visto que continuam a existir “linhas de continuidade”
notórias do Antigo Regime. Atualmente com o princípio da legalidade a
administração encontra-se subordinada à lei e tem de respeitar os direitos
fundamentais dos particulares, ou seja tal como afirma MARCELO REBELO DE SOUSA,
“deixa de valer a lógica da liberdade ou autonomia da qual gozam os privados,
que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar
a primazia da competência, a administração publica só pode fazer o que lhe é
permitido pela constituição e a lei, e nos exatos termos em que elas o
permitem.” A imagem da administração agressiva deu progressivamente lugar à
administração prestadora que atua em conformidade com a lei e sem interferir ou
prejudicar os direitos fundamentais dos particulares e ganhou relevância no
termo do Estado liberal onde a legalidade externa vai reforçando os limites da
atividade administrativa, sendo a lei e a constituição entendidas como o
fundamento da mesma.
O princípio da legalidade e as suas faces
MARCELO REBELO DE SOUSA identifica duas vertentes, ou como o
próprio designa, “faces” existentes no princípio da legalidade em sentido
amplo:
- A face objetiva, que compreende o princípio da legalidade em sentido restrito isto é o seu objetivo.
- A face subjetiva, que compreende o princípio do respeito dos direitos e interesses legítimos, sendo a legalidade vista com o recurso à subjetivação do seu conteúdo
O princípio da legalidade em sentido restrito
O princípio da legalidade em sentido restrito compreende em
si dois princípios de enorme relevância, nomeadamente:
- O princípio da prevalência da lei
- O princípio da reserva da lei
O princípio da prevalência da lei
Determina que nenhum ato exercido pela administração pode
afrontar ou violar as disposições normativas que integrem o denominado bloco de
legalidade que segundo MARCELO REBELO DE SOUSA, compreende “ o conjunto formado
pelos princípios e pelas regras constitucionais, internacionais, legais, bem
como por atos como os regulamentos administrativos, os contratos
administrativos e de Direito Privado e atos administrativos constitutivos de
direitos que, nos termos da lei, condicionam a atuação da Administração Pública”.
O princípio da prevalência da lei, determina e reforça a ideia de que a
administração a par dos regulamentos administrativos, estão subordinados e
dependem, da Constituição, do Direito Internacional, da lei e do costume onde
esteja exista o que consagra a figura da legalidade-limite.
O princípio da reserva da lei:
Este princípio determina que a
administração, nomeadamente os atos que esta pratique têm de ter o seu
fundamento conforme ao bloco da legalidade, o que consagra a figura da legalidade-fundamento.
Exceções que se opõem ao princípio da legalidade?
Normalmente alguma da doutrina afirma que o princípio da
legalidade conhece três exceções a saber:
- Os atos políticos
- A discricionariedade
- O estado de necessidade
No entanto, MARCELO REBELO DE SOUSA não segue o mesmo
entendimento uma vez que segundo este defende, os atos políticos não pertencem
à atividade administrativa, a discricionariedade confere liberdade à
administração e determina o seu exercício o que demonstra uma “projeção do
princípio da legalidade” e não uma exceção. O estado de necessidade não
representa uma exceção uma vez que a própria lei o prevê no Art 3º/2 do CPA.
O princípio do respeito dos direitos e interesses legítimos
Compreende a vertente subjetiva do princípio da legalidade e
está legalmente consagrada no Art 266º/1 da CRP a par do Art 4º do CPA. Este
princípio aborda a tutela dos direitos subjetivos, estes englobam normas ou
atos respeitantes tanto ao Direito Público como ao Direito Privado, o que se
traduz na subordinação e o respeito que a Administração Pública deve prestar a
ambos. Os direitos subjetivos comportam os direitos, liberdades e garantias a
par dos direitos de natureza análoga Art 17ºCRP. Os preceitos constitucionais
fornecem a estes direitos subjetivos uma proteção reforçada visto que a
constituição garante com base no Art 18º a vinculação das entidades públicas e
privadas a estes, um carater restritivo das restrições a que eles se impõe e a
consagração da generalidade e da abstração a par da proibição da
retroatividade. Tal como aponta MARCELO REBELO DE SOUSA, “ os direitos
subjetivos públicos não vinculam só a Administração Publica, mas vinculam-na em
primeira linha, ao passo que os direitos subjetivos privados a vinculam,
amiúde, em paridade com os demais cidadãos”. Juridicamente poderá ser relevante
fornecer proteção a alguns interesses no entanto sem o mesmo grau de que goza
um direito subjetivo. MARCELO REBELO DE SOUSA, dita que o interesse legalmente
protegido compreende duas realidades distintas:
Ø O interesse indiretamente protegido: Compreende o interesse que recebe a
proteção imediata da legalidade que visa proteger primeiramente um interesse
público e a par deste, embora de forma indireta, o interesse de cada cidadão e
os direitos subjetivos destes. O exemplo clássico desta situação compreende a
imposição da vacinação geral que assegura a saúde pública e a saúde individual
de cada cidadão.
Ø O interesse reflexamente protegido: Compreende um interesse que não é
alvo de proteção imediata, ainda que indireta, pela lei. A legalidade entende
que a sua tutela não releva a nível principal ou secundário. Ainda assim, ele
pode ainda gozar de proteção, sendo esta resultante da tutela respeitante a um
ou a outros interesses. Um exemplo clássico desta situação compreende, os
importadores de produto X que beneficiam com a proibição da importação levada a
cabo por concorrentes seus, sendo esta aplicação feita em prol da proteção da
saúde pública. Uma vez que o principal interesse é a saúde publica, e a saúde cada
cidadão o interesse secundário, o interesse dos importadores não goza de
qualquer proteção fornecida pela lei ainda que que dela retirem benefícios.
Reflexão pessoal: O principio da legalidade representa um traço
característico do Estado de direito democrático uma vez que tal como afirma
GOMES CANOTILHO, os dois princípios que lhe estão adjacentes nomeadamente a
prevalência da lei e a reserva de lei, são “princípios que permanecem válidos,
pois num Estado-democrático-constitucional a lei parlamentar é ainda, a
expressão privilegiada do principio democrático e o instrumento mais apropriado
e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos
fundamentais e da vertebração democrática do Estado”. O princípio da legalidade
contempla uma enorme importância na medida em que assegura a proteção dos
direitos fundamentais dos cidadãos, face à administração e aos atos que esta
executa uma vez que toda a atividade administrativa tem de ser conforme ao
bloco de legalidade existente sob pena de existirem excessos e abusos
provocados pela atividade administrativa que serão na grande parte das vezes,
ilegais. A meu ver, este princípio permite a convivência e um relacionamento
maioritariamente das vezes, estável entre a administração pública e os particulares
uma vez que esta impõe o seu caráter agressivo/ caráter prestador quanto à
prossecução dos interesses públicos, estando no entanto subordinada à lei o que
confere um equilibro na relação que mantém com os particulares que vêm os seus
direitos subjetivos tutelados face à administração e à atividade desta.
Ana Corte Real; Aluna: 56945
Bibliografia
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Freitas do Amaral, Diogo. Curso
de Direito Administrativo, Vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2015
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Aroso de Almeida, Mário. Teoria Geral do
Direito Administrativo, O novo regime do código do procedimento administrativo,
3ªed, Almedina, 2016
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Pereira da Silva, Vasco , 1995
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Rebelo de Sousa, Marcelo, Lisboa, 1995
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Joaquim Gomes Canotilho, José, Coimbra,
Direito Constitucional
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