Friday, November 10, 2017

Evolução histórica da Administração Pública portuguesa

A Administração Pública gere um conjunto de bens para a realização de diversos fins. Administrar é uma atividade que consiste na prossecução de interesses e a publicidade define que esses mesmos pertençam a uma generalidade de pessoas indistintas, a uma comunidade. É, então, uma organização politicamente organizada cujos órgãos avaliam a importância relativa das necessidades comuns que decorrem dos fins que a comunidade visa atingir.
A época medieval é caracterizada por um regime senhorial. Não se verifica a presença de racionalização e de institucionalização da sociedade política, visto que os centros de poder estão dispersos por senhores feudais e que são inexistentes órgãos encarregues de servir o interesse público. Ainda não fora criado um centro articulado de pessoal cuja função seja satisfazer os interesses gerais da população. A Igreja é talvez o maior centro, com um protagonismo único na organização social. A organização hierárquica eclesiástica permitia estabelecer algum tipo de racionalização da ordem social, mas esta ainda se encontra baseada em laços de subordinação pessoal. Não faz então sentido falar-se em Administração Pública neste período da história, visto que os tipos de administração que se observam são destinados a servir interesses de pequenos grupos e que não há ainda instituições cujo fundamento e fim seja o da Administração Pública atual, servir os interesses da comunidade. Há, com certeza, algumas exceções, entre as quais os Descobrimentos. Como toda a história é marcada de uma paulatina evolução, existiram futuros modelos nos quais se baseou a construção da Administração Pública atual. Dentro de cada cidade existia uma administração municipal, caracterizada por uma organização interna precária.
Verifica-se uma crescente centralização, pela concentração de poderes no rei, por motivos maioritariamente religiosos, pois a reforma protestante marca a autonomização do poder político face à Igreja, demonstrado pela desvinculação ao Papa. Surge o conceito de soberania. As razões são também militares, na medida em que as guerras religiosas implicam uma organização especial. Há por fim motivos económicos, visto que a abertura do comércio entre cidades vai aproximar as populações, reforçando a coesão do reino.
Com a evolução, dá-se uma modificação lenta marcada por um intuito racionalizador, pois a razão torna-se um valor fundamental de uma corrente que procura uma melhor organização. Esta exige atividade burocrática para se concretizar, cujas consequências são observáveis nos dias de hoje; a administração é marcada por uma excessiva burocratização que afasta os fins e dificulta a rápida resolução de problemas. É necessária tal organização, mas o numeroso número de órgãos destinados a resolver um determinado problema e produzir um determinado efeito muitas vezes dificultam e impedem, em vez de o resolverem. Tal como muitas das soluções oferecem novos problemas, a organização da Administração Pública não é exceção.
No Iluminismo o soberano é considerado um déspota iluminado, tomado como o intérprete mais fiel da razão. O principal motor não era servir o interesse público, mas engrandecer o país num quadro de competição com as outras nações cultas e polidas. É uma época de grandes realizações e obras públicas, desde a criação de universidades ao desenvolvimento da agricultura e da indústria. Observa-se desenvolvimento da Administração em torno da figura do rei, através da criação de órgãos e de funcionários que desempenham uma atividade intensa em vários setores, nomeadamente o económico. Apesar disso, ainda não se pode falar num Direito Administrativo, visto que esta organização era dotada de uma liberdade cuja atuação não tinha de se subordinar as regras do Direito, mas apenas à vontade do soberano.  O despotismo e absolutismo presentes nesta altura geram um sentimento de opressão na população. Desenvolve-se o conceito de nação, definido como o conjunto uniforme dos súbditos, que pouco valiam face ao poder.
Começa a surgir uma afirmação da liberdade individual (contra o arbítrio e a opressão a que estavam sujeitos) e social (forma de reação à intervenção do Estado na sociedade e na economia). Verifica-se um desenvolvimento da classe burguesa que vem a aliar-se ao povo de forma estratégica, desencadeando posteriormente as revoluções liberais.
Esta época, a Liberal, afirma-se com o princípio da separação de poderes e com princípio da legalidade, que se reflete na subordinação à lei pela Administração, com vista a defender os direitos dos cidadãos, como a liberdade e a propriedade. Tem-se como consequências a titularidade de direitos subjetivos públicos dos cidadãos e a tarefa administrativa executiva, marcada pela obediência à lei. Apesar disso, a Administração goza de um poder discricionário, nas situações que não se encontravam previstas na legislação.
O princípio da igualdade no Estado Liberal é uma fachada, pois verifica-se uma desigualdade substancial, pelo agravamento das condições de vida do povo. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, um dos traumas da infância difícil da Administração Pública foi o facto de haver uma radical separação de poderes, que vai dar origem à Administração a julgar-se a si própria. Os tribunais administrativos apareceram com as revoluções francesas. Os revolucionários queriam separar a Administração da justiça. Acabam por preferir os juízes ao rei, criando falsos tribunais encarregues de julgar a Administração. Até à Constituição de 1976, em Portugal, existiam órgãos administrativos no exercício de uma função jurisdicional. O outro trauma, é o da criação do Direito Administrativo que protege a Administração. Não há uma relação jurídica entre o particular e a Administração, há sim uma relação de poder, marcada pela sujeição do primeiro e a agressividade da segunda. O ato administrativo era definitivo e executório. A justiça administrativa excluía da sua competência algo que era da responsabilidade civil da Administração. E com o acórdão de Blanco a Administração protege-se e afirma-se privilegiada perante o particular.
Com o fim das grandes guerras há uma transformação constitucional. Verifica-se o crescimento e complexificação da Administração Pública, através da criação de novas entidades administrativas, as empresas públicas. Forma-se uma área conjunta do Estado e da sociedade, através da qual a sociedade participa no poder público. Mas, antes disso, enquanto Estado providência, ganha importância a ação social e assistencial, vê-se um aumento das tarefas públicas, uma descentralização da Administração. É o Estado social porque tem como seus objetivos centrais o desenvolvimento económico, o bem-estar e a justiça, sendo exigida transparência e possibilidade de participação pelo povo, continuando a vigorar um modelo capitalista económico, mas o Estado intervém para corrigir as falhas de mercado, aquilo que a mão invisível não controla. Com as crises do século XX, criadas pelo petróleo e pelo modelo teorizado por Keynes, que levou a um efeito multiplicador das despesas, pois a injeção de dinheiro para a prosperação económica revela-se insustentável, por estagnação e inflação, surgem obviamente também as crises sociais e culturais. Há uma necessidade de equilibrar também a oferta e não só a procura. Revelam-se as emergentes preocupações ambientais, que reclamam um repensar da política administrativa, acompanhadas com o desenvolvimento das novas tecnologias que implicam a criação de novos direitos para proteger o particular. Nesta medida, surgem novos direitos fundamentais que precisam de ser tutelados. O Estado pós-social torna-se então regulador, participando e cooperando com os particulares. O ato administrativo passa a ter uma eficácia que pode dizer-se multilateral, na medida em que deixa de influenciar um cidadão isolado para ter efeitos em privados em geral. Depois da descentralização o fenómeno é de privatização. A Administração assume formas de Direito Privado. A lei encontra-se ao lado da Administração, não confinada a defender os direitos dos cidadãos, mas à prossecução do interesse público. Só em 2004 o órgão que fiscaliza a Administração torna-se um tribunal independente desta, sendo que termina o império da mesma. O poder judicial afirma-se no que toca à fiscalização da atividade administrativa, exercendo um controlo autónomo.
E por isto, é necessário repensar o modelo administrativo, para responder às novas necessidades e a uma dimensão diferente, sem repetir os erros do passado.

Bibliografia:
Dias, José Eduardo Figueiredo & Oliveira, Fernanda Paula (2016). Noções fundamentais de Direito Administrativo. Lisboa: Almedina.

Silva, Vasco Pereira da (1996). Em Busca do Acto Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina.

Sofia Pádua Santos, 56832

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