Sunday, November 5, 2017

O Primeiro-Ministro e o Conselho de Ministros ou o Primeiro-Ministro e o desaconselho dos ministros ?

I – Introdução Histórica
Faz-se aqui eco da premissa académica de que o estudo de um objeto é sempre facilitado se este for iniciado pela compreensão, por mais vaga e superficial que seja, do seu surgimento e desenvolvimento cronológico. Este exercício é indispensável, pois acaba sempre por fornecer factos e conceitos sem os quais será impossível abarcar a verdadeira natureza do objeto em observação. Esta metodologia será aqui então repercutida, ao dar início ao estudo do órgão do Conselho de Ministros, ainda que de forma muito genérica. 
Esclarece-se que o preâmbulo seguinte não tem, de forma alguma, como escopo fazer uma crónica da evolução histórica da própria administração pública. Será quanto muito um mero roteiro temporal, abstrato, com o intuito de fornecer um conjunto de elementos que facilitem a posterior análise da definição, da relevância e da função do Conselho de Ministros no ordenamento jurídico, bem como o contributo da sua atuação para a moldagem da administração pública.

I.1 -  Conceitos e Factos Históricos Elucidativos

São os Estados orientais - classificação tradicionalmente atribuída aos tipos históricos de Estado das civilizações do mediterrâneo e do Médio Oriente, entre o terceiro e o primeiro milénio a.C. – quem tem as bases primitivas do que é um ministro. Nestes Estados vai surgindo, progressiva e gradualmente, em torno do Imperador teocrático, autoritário e totalitário, um sistema burocrático central formado por um leque de profissionais que, sob o comando do Imperador, sistematizam o intervencionismo do Estado, a nível social e económico. São considerados funcionários públicos e permanentes, sendo financiados e remunerados através de receitas públicas. A atuação destes funcionários destina-se apenas à satisfação das mais basilares e primitivas necessidades da vida em coletividade, sendo que neste período estamos meramente perante um modelo administrativo que corresponderá, ao início da fase embrionária da administração pública. Apesar de incomensuravelmente longe de ser um Conselho de Ministros, é esta a primeira vez na História que se estabelece em torno de um líder político um grupo, ainda que em grande escala, de ministros 1
Por volta de 20 a.C., surge-nos, em Roma, o conceito de consilium pricipis. Este conselho do príncipe é criado por Augusto, já no final do seu reinado e mais não foi do que uma solução política que lhe permitiu interferir diretamente na atividade legislativa do Senado, vindo colocar-se de forma superior a este como principal órgão legislativo do Império. Este consililium é encabeçado pelo próprio Imperador, sendo constituído por magistrados e membros do poder político, que selecionam as propostas a ser apresentadas no Senado. Assim, a rigor, este conselho do príncipe, era um órgão político e legislativo não tendo de facto, pelo menos de forma direta, de poderes ou funções administrativas. É aqui que nos surge pela primeira vez o conceito de Conselho 2 como um órgão colegial deliberativo, restrito e limitado, com competências políticas e legislativas. 
Durante toda a Idade Medieva os conceitos e as funções de Conselho e de Ministro vão sendo aperfeiçoadas e especializadas, até que com o Estado moderno – tido como tipo histórico de Estado característico do período entre o século XVI e o século XVIII – já temos, submetidos à veneta Real, um grupo limitado e restrito de ministros sendo estes responsáveis pela execução direta da vontade do Monarca. Este grupo de ministros ocupa, imediatamente abaixo do Rei, o fastígio de um tentacular sistema burocrático e estatal, que monopoliza poderes executivos, legislativos, judiciais e administrativos. É nesta época também que surgem várias figuras institucionais que se vão aperfeiçoando até dar origem ao que conhecemos como um Primeiro-Ministro.
Com o advento das Revoluções Liberais e o arvorar do Constitucionalismo, no período que vai do final do século XVIII ao século XIX, o Governo, e consequentemente o Conselho de Ministros, deixará de ser composto por membros da Família Real e de ordens religiosas, para passar a ser composto exclusivamente por ministros, não nomeados pelo Monarca mas eleitos através de um sufrágio cada vez mais universal. Através do princípio da separação de poderes receberá a tutela das funções executivas e administrativas. Será submetido a outros como o princípio da legalidade. Crescerá em estrutura, dimensão e complexidade, ficando com um âmbito de atuação e especialização muito maior. 
Durante o século XX terá a sua nomenclatura mudada diversas vezes, existindo por vezes uma fusão entre o Governo e o Conselho de Ministros, ou o desaparecimento de um deles. Ao longo da centúria o líder do governo foi assim referido como Presidente do MinistérioPresidente do Conselho de Ministros e Primeiro-Ministro. Há países onde o Conselho de Ministros recebe a nomenclatura de gabineteconselho de estadoconselho executivo ou comissão executiva. Outros países usam como sinónimo governo ou ministério.
II – O Governo

Mantendo que de uma perspetiva prática e pedagógica é mais fácil a abordagem temática do geral para o particular, será impossível abordar Conselho de Ministros sem abordar Governo, já que, agora numa perspetiva jurídica, a natureza de ambos se encontra intrinsecamente unida.

II.1. – Definição

A Constituição da República Portuguesa começa por nos dizer no artigo 110º que o Governo é um dos órgãos de soberania do Estado. O artigo 182º vem defini-lo como “o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública”. O artigo seguinte diz-nos que é composto “pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Secretários e Subsecretários de Estado”. A Constituição define ainda como elementos essenciais do Governo o Primeiro-Ministro e os Ministros, sendo os Vice-Primeiros-Ministros, os Secretários de Estado e os Subsecretários de Estado tidos como facultativos ou eventuais. Temos assim que o Governo será um órgão soberano de natureza dualista ou mista. É como órgão político e administrativo que detém primazia no ordenamento, apesar de ser também um órgão legislativo. Como órgão político está vinculado à “condução da política geral do pais”; como principal órgão administrativo está vinculado “à superior administração do país” e para além disso aos princípios enumerados no artigo 266º - igualdadeproporcionalidadejustiçaimparcialidade e boa-fé. À frente se tratará se o Governo é um órgão político e administrativo, administrativo e político ou detentor de uma harmoniosa simbiose de ambos os poderes.

II.2 – Competência

Após estas classificações mais genéricas, a Constituição apresenta especificações nos artigos 197º - para a competência política -, 198º - para a competência legislativa- e 199º - para a competência administrativa. 
Na sua análise e interpretação do artigo 199º, o Professor Freitas do Amaral propõem uma classificação tripartida das principais funções administrativas do Governo, a saber:

  1. Garantir a execução das leis – alíneas c) e f) 
  2. Assegurar o funcionamento da Administração Pública – alíneas a)b)d) e e)
  3. Promover a satisfação das necessidades – alínea g)

II. 3 - O Primeiro-Ministro

Como chefe do executivo, o Primeiro-Ministro exerce funções de chefia e de gestão. Como funções de chefia, destaca-se aqui o facto de ser no cumprimento das mesmas que o Primeiro-Ministro pode presidir ao Conselho de Ministros. Tem ainda de dirigir a atividade do Governo e coordenar a conduta de cada um dos Ministros. Paralelamente, como funções de gestão, destaca-se o facto de ser através delas que o Primeiro-Ministro comanda os serviços inerentes ao Conselho de Ministros.

II. 4 – A Coordenação Ministerial

Corresponde à forma como os trabalhos dos vários Ministros podem ser articulados entre si de forma a assegurar o mais correto e eficiente funcionamento de toda a atividade do próprio aparelho governativo. Esta articulação tem como principal responsável o Primeiro-Ministro. Contudo, será natural que não tenha condições logísticas para coordenar tudo sozinho. Surgem assim vários métodos de coordenação ministerial, dos quais se transcreve abaixo dois dos propostos pelo Professor Freitas do Amaral, aqueles referentes ao que o Autor define por “intervenção superior de um órgão colegial”:

  1. Método de Coordenação pelo Conselho de Ministros: «Aqui verifica-se a intervenção formal do Primeiro-Ministro (…) Este método resulta bem com frequência. Mas o Primeiro-Ministro pode não querer pôr a sua autoridade à prova, ou pode preferir que a decisão de coordenação seja tomada por outro, que não por ele. Ele mesmo leva então o assunto a outra instância».
  2. Método de por Conselho de Ministros Especializados: «Trata-se de secções do Conselho de Ministros plenário (…) Lá são levados e tratados os assuntos de natureza predominantemente técnica. Estes Conselhos constituem um bom meio de coordenação, nos assuntos mais difíceis».

II.5 – O Governo nos diferentes tipos Regime Político

II.5.1

 – Inverte-se aqui a tendência de prosseguir do geral do particular. Esta inversão é propositada, atendendo ao facto de este ponto ter especial correlação com os seguintes, pois do regime político de um Estado também depende quem preside ao Conselho de Ministros e em que condições atua ao fazê-lo. 

II.5.2 – Podemos dualiza-los primeiramente em sistemas democráticos e ditatoriais. Nos primeiros será um órgão principalmente administrativo ou com relativo equilíbrio entre a função política e a administrativa. Nos segundos será um órgão predominantemente administrativo.
No caso dos regimes democráticos podemos ainda subdividi-los em três sistemas de Governo:

  1. Sistema Presidencialista: Aqui a função política será predominantemente do Chefe de Estado, enquanto que a administrativa pertencerá ao Governo, estando este excluído da orientação política do país. Os ministros são meros executores da vontade presidencial, sendo que nem são denominados ministros, mas sim secretários de Estado
  2. Sistema Parlamentar: Onde o Governo é primariamente político, operando reunido em Conselho de Ministro para determinar a orientação da política geral do país. A função administrativa é tida como secundária.
  3. Sistema Semipresidencialista: No qual o Governo é simultaneamente político e administrativo de forma algo equilibrada. É aqui que se insere o caso de Portugal. 
III – O Conselho de Ministros
Considera-se que agora já estão, de forma genérica, dispostos todos os elementos tidos como essenciais para a análise, ainda que perfunctória, do Conselho de Ministros. Começar-se-à por dar continuidade ao ponto anterior, desta vez em contexto com o Conselho de Ministros.

III. 1 - 

  1.  No Sistema Presidencialista: Neste sistema o Conselho de Ministros é amiúde reduzido a um órgão de consulta em relação ao titular do poder executivo. É característico destes sistemas não haver qualquer de regularidade em relação a quando o Chefe de Estado escolhe reunir o Conselho de Ministros. Como os Ministros – neste caso Secretários de Estado - atuam como seus executores diretos, o Chefe de Estado pode preferir reunir-se individualmente com cada um deles, sem qualquer tipo de agendamento. Casos há neste tipo de sistema em que a consulta do Conselho de Ministros é, na maioria das vezes, meramente simbólica ou tradicional. 
  2.  No Sistema Parlamentar: Aqui o Conselho de Ministros é tido como o órgão colegial de onde emana efetivamente a direção política do governo. 
  3.  No Sistema Semipresidencialista: Onde o Conselho de Ministros é mormemente presidido ou pelo Chefe de Estado ou pelo Chefe do Executivo. O Conselho de Ministros não costuma aqui poder aturar em matérias reservadas aos órgãos parlamentares.

III. 2 – Definição

O Conselho de Ministros será o órgão colegial ao qual, sob a tutela da Presidência do Conselho de Ministros e através da assembleia de todos os Ministros, compete as funções políticas e administrativas que a Constituição e a lei atribuem coletivamente ao Governo. O Conselho de Ministros só tem assim de atuar colegialmente nos casos em que a Constituição lhe dê manifestas competências para tal. Contudo é de salientar que a regra que vigora no ordenamento é a do exercício individual dos Ministros. 

III. 3 – A Presidência do Conselho de Ministros

A Presidência do Conselho é tida no ordenamento como o primeiro ministério do país, sendo ainda considerada um departamento governativo e um conjunto de serviços administrativos. O ser Presidente do Conselho de Ministros é, contudo, uma função e um cargo em si. Em Portugal é atribuída ao chefe do governo, sendo que este a executa com o auxílio de serviços de apoio ao Primeiro-Ministro, serviços de coordenação intermeninisterial e serviços de utilidade comum aos diferentes ministérios. Atualmente, existem ainda casos onde o Presidente do Conselho de Ministros executa este cargo como uma função autónoma, não a acumulando com nenhuma das outras pastas do Governo. O artigo 11º do Decreto-Lei nº 251-A/2015, de 17 de dezembro, versa a definição de que «é o departamento central do  Governo que tem por missão prestar apoio ao Conselho de Ministros, ao Primeiro-Ministro e aos demais membros do Governo aí organicamente integrados e promover a coordenação interministerial dos diversos departamentos governamentais».

III. 4 – Competência

As funções incumbidas ao Conselho de Ministros estão previstas no artigo 200º da Constituição, nas alíneas a)e)f) e g). Existem várias leis ordinárias e muita legislação avulsa que vieram alargar ou especificar o seu âmbito de competência. Destes diplomas destacam-se, entre outras, competências como a gestão da função pública, a concessão de determinados benefícios fiscais ou a aplicação de determinadas sanções administrativas mais graves.

Conclusão

No fundo, este texto tem como cardeal objetivo estabelecer um roteiro com as coordenadas contextualizadoras, concetuais e normativas, referentes ao Conselho de Ministros. Não se arroga aqui que esta seja uma pormenorizada e exaustiva análise do órgão. Não é esse o intuito. É sim, meramente, o de facilitar a compreensão da sua natureza e o permitir que existam as condições básicas necessárias para que se possa responder à questão aqui lançada no título. Claro está que a resposta será um exercício de consciência cívica e de posicionamento político, dependente da análise pessoal que cada um fará, no caso concreto, sobre os conselhos dos Conselhos que (des)aconselham os (Primeiros-)Ministros.

 1 Do latim minus,  que deu menos, mais tarde minister e minitrisignificando aquele que serve num cargo de menor importânciaalguém que está sobre as ordens de outremum servidorum criado. A terminologia com a conotação que aqui lhe damos, e que prevalece nos dias de hoje, só foi cunhada pela Constituição de 1838. Até aqui o ministro era secretário de Estado ou escrivão de puridade. Manteve a nomenclatura no sentido em que os ministros são servidores subordinados a quem os elege.

2 Do latim consilium, referente ao lugar onde se delibera assembleia deliberativaparecervotodesígniomoderação, opinião que se emite sobre o que convém fazer por um corpo coletivo, prudência.

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016.

SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 12ª ed., Dom Quixote, Lisboa.

SILVA, Vasco Pereira da, "Em busca do Acto Administrativo Perdido", Almedina, Coimbra, 2016

O Aluno,
André Pereira,
Nº 57339

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