Saturday, November 11, 2017

O abandono da presunção de legalidade do atos administrativos


No presente artigo, iremos abordar a evolução do direito da administrativo, na perspectiva em que se verifica um maior controlo por partes dos tribunais administrativos e tributário relativamente ao controlo da legalidade dos atos da administração e, subsequentemente, o abandono da presunção de legalidade dos atos administrativos.

Cabe então, primeiramente, definir o Princípio da Legalidade. Este princípio basilar do Estado de Direito encontra hoje positivação no art. 266.º nº2 da CRP e no art. 3.º CPA. Da interpretação destes preceitos infere-se que toda a organização administrativa encontra-se vinculada aos termos da Lei, uma vez que os órgãos da Administração Pública devem atuar dentro dos limites estabelecidos da lei, sendo que os seus poderes são conferidos pelas normas de competência que se destinam a prosseguir o interesse público. Este princípio está intimamente ligado à exigência de precedência de lei, de acordo com a qual o exercício de podes administrativos pressupõe a existência de uma base normativa que radica os efeitos jurídicos a introduzir. Assim a lei é o limite, o pressuposto e o fundamente de toda e qualquer atuação administrativa. Para toda e qualquer atuação administrativa é necessário que exista uma norma de habilitação, que legitime a ingerência da administração na vida dos particulares. O princípio da legalidade constitui a principal garantia dos particulares, ao implicar a total submissão da Administração ao tal bloco de legalidade.

No nosso ordenamento jurídico, a fiscalização da constitucionalidade cabe essencialmente aos órgãos jurisdicionais. Porém, a Assembleia da República, nos termos do art. 162.º a) CRP tem também competência genérica para vigiar o cumprimento da Constituição. Mas de facto, é essencialmente aos tribunais que compete o poder-dever de apreciar a inconstitucionalidade, conforme o art. 204.º CRP.  Assim, conforme tudo o que foi anteriormente exposto, sempre que a administração atue fora dos parâmetros concedidos pela norma, o ato administrativo é nulo nos termos do artigo 161.º do CPA. Quando tal sucede, podem os particulares recorrer aos tribunais de forma a assegurarem o controlo da legalidade e cumprimento do ato administrativo devido, nos termos do artigo 268.º nº3 CRP.

É necessário recordar que nem sempre a Administração esteve sujeita a uma fiscalização por parte de outros órgãos. Mais uma vez, denotamos, na presente matéria, um “trauma de infância do Contencioso Administrativo”. Em razão do princípio da separação de poderes, o juiz não poderia anular os atos administrativos devido a uma presunção de legalidade dos atos, corolário de uma Administração autoritária. Surge então uma nova concepção do principio da legalidade e o entendimento do poder discricionário como modo de realização do direito. No Estado Social o principio da legalidade passa a ter duas dimensões: a negativa e a positiva. A dimensão negativa, já anteriormente reconhecida, surgia como a simples limitação da Administração de agredir a esfera privada dos particulares, isto é, a “reserva de lei”. No período do Estado Liberal, esta passa a ter uma dimensão positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa. Assim, a administração fica vinculada não só à Constituição mas também aos princípios gerais de direito, a normas internacionais, a disposições de carácter regulamentar, etc. Com a revisão de 1997, a administração fica sujeita ao controlo de legalidade por parte dos tribunais, sendo a “determinação da pratica de atos administrativos legalmente devidos”, uma componente essencial do principio da tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares na sua relação com a administração (art. 268.º nº3 CRP).

Tradicionalmente, era entendido pela doutrina que a administração beneficiava de uma presunção de legalidade. Tal afirmação resulta historicamente, como refere Rui Chancerelle de Manchete do “labor dos juristas que no seu afã criador de descobrirem e tornarem operacional a estrutura constitucional do Estado Liberal oitocentista”[1] de forma a explicar e dar coerência ao sistema erguido ao longo do século. Contudo, entende-se que esta presunção de legalidade de atos administrativos foi abandonada.

A construção da presunção da legalidade assenta no pressuposto de que os atos anuláveis são desconformes às normas por ele impostas, sendo que o ordenamento jurídico não lhe pode atribuir relevância sem considerar que, primeiramente, estes possam ver válidos. Contudo, entendo que hoje em dia tal afirmação não é procedente. O ordenamento português prevê-se a existência de atos nulos, que não impõem o acatamento de tais atos, visto que se reconhece aos interessados o direito de resistência passiva perante eles. É neste panorama que se entende que os atos administrativos anuláveis não produzam efeitos, quando praticados em desconformidade com os parâmetros de legalidade previstos na norma.

A superação do entendimento que os atos administrativos anuláveis não lhes pode atribuir relevância sem eventualmente considerar que possa ser válidos, reside numa opção deliberada do ordenamento jurídico. Isto é, o ordenamento opta por integra no sistema as situações consideradas menos gravosas de desconformidade, através de uma configuração especifica de relevância jurídica. Só através da anulação é que os efeitos produzidos pelo ato podem ser desconsiderados. Ora a anulação é um efeito que cuja verificação é possível logo desde o início. O que sucede é que a sua verificação encontra-se suspensa ou pendente, uma vez que desde logo surge na esfera jurídica do particular um direito ou interesse legalmente protegido de fazer valer a sua invalidade. Este direito subjetivo ou interesse legalmente protegido, pode e deve ser reconhecido perante os tribunais, uma vez que a atuação da administração, apesar de não ter a conduta mais gravosa (nulidade), está ferida de uma ilegalidade que deve ser assegura nos termos do art. 3.º CPA.

Tenho que concordar quanto ao abandono desta presunção por diversas razões. Primeiramente, penso que esta ideia de presunção de legalidade estava relacionada com a concepção de Administração antes do Estado Social. Sucede que na altura, verificava-se uma Administração fortemente autoritária, cujos os atos não eram, nem podiam ser postos em causa. Primeiro, porque os tribunais descartavam a competência para julgar assuntos de carácter administrativo, visto que proclamavam a sua incompetência em tais matérias. Segundo, pelo postulado do Princípio da Separação de Poderes, não podiam outros órgãos ingerir-se nos poderes e funções da administração.
Ora, como foi anteriormente referido, a Constituição de 1976 vêm atribuir competências aos tribunais no controlo de legalidade e na tutela jurisdicional efetiva plena dos particulares contra administração. É, assim, hoje em dia reconhecido que administração não é o ser omnipotente que tudo faz sem sofrer qualquer consequência.
Quanto à questão em torno dos atos anuláveis, visto que considero que não se levanta qualquer problema no que toca aos atos nulos, concordo com a corrente que refere que desde o início que o atos está ferido de uma ilegalidade e que não é necessário considera-los válidos para que essa desconformidade possa ser em causa. Para além disso, como é que é possível considera-los válidos, quando é algo que inexiste logo à partida?
Desde o seu nascimento que o ato administrativo anulável não corresponde aos pressuposto concretizados pela norma de competências. Assim, desde o momento da prática do ato que os particulares lesados pela administração possuem na sua esfera jurídica um direito subjetivo de forma a obter a vinculação da administração à prática do ato legalmente devido.



Bibliografia

RUI CHANCERELLE DE MACHETE, “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos atos administrativos”, in Estudo de Homenagem ao Professor Doutro Pedro Soares Martinez, vol. I, Coimbra, 1999.


PEREIRA DA SILVA,VASCO, Em busca do Ato Administrativo.

AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Teoria Geral do Direito Administrativo, O novo regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª Edição, 2016, Almedina.



Trabalho Realizado por

Inês Lopes

Nº26710

[1] RUI CHANCERELLE DE MACHETE, “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos atos administrativos”, in Estudo de Homenagem ao Professor Doutro Pedro Soares Martinez, vol. I, Coimbra, 1999.

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