No presente artigo, iremos abordar a evolução do direito da
administrativo, na perspectiva em que se verifica um maior controlo por partes
dos tribunais administrativos e tributário relativamente ao controlo da
legalidade dos atos da administração e, subsequentemente, o abandono da
presunção de legalidade dos atos administrativos.
Cabe então, primeiramente, definir o Princípio da
Legalidade. Este princípio basilar do Estado de Direito encontra hoje
positivação no art. 266.º nº2 da CRP e no art. 3.º CPA. Da interpretação destes
preceitos infere-se que toda a organização administrativa encontra-se vinculada
aos termos da Lei, uma vez que os órgãos da Administração Pública devem atuar dentro
dos limites estabelecidos da lei, sendo que os seus poderes são conferidos
pelas normas de competência que se destinam a prosseguir o interesse público.
Este princípio está intimamente ligado à exigência de precedência de lei, de
acordo com a qual o exercício de podes administrativos pressupõe a existência
de uma base normativa que radica os efeitos jurídicos a introduzir. Assim a lei é o limite, o pressuposto e o fundamente
de toda e qualquer atuação administrativa. Para toda e qualquer atuação
administrativa é necessário que exista uma norma de habilitação, que legitime a
ingerência da administração na vida dos particulares. O princípio da legalidade
constitui a principal garantia dos particulares, ao implicar a total submissão
da Administração ao tal bloco de legalidade.
No nosso ordenamento jurídico, a fiscalização da
constitucionalidade cabe essencialmente aos órgãos jurisdicionais. Porém, a
Assembleia da República, nos termos do art. 162.º a) CRP tem também competência
genérica para vigiar o cumprimento da Constituição. Mas de facto, é
essencialmente aos tribunais que compete o poder-dever
de apreciar a inconstitucionalidade, conforme o art. 204.º CRP. Assim, conforme tudo o que foi anteriormente
exposto, sempre que a administração atue fora dos parâmetros concedidos pela
norma, o ato administrativo é nulo nos termos do artigo 161.º do CPA. Quando
tal sucede, podem os particulares recorrer aos tribunais de forma a assegurarem
o controlo da legalidade e cumprimento do ato administrativo devido, nos termos
do artigo 268.º nº3 CRP.
É necessário recordar que nem sempre a Administração esteve
sujeita a uma fiscalização por parte de outros órgãos. Mais uma vez, denotamos,
na presente matéria, um “trauma de
infância do Contencioso Administrativo”. Em razão do princípio da separação
de poderes, o juiz não poderia anular os atos administrativos devido a uma
presunção de legalidade dos atos, corolário de uma Administração autoritária.
Surge então uma nova concepção do principio da legalidade e o entendimento do
poder discricionário como modo de realização do direito. No Estado Social o
principio da legalidade passa a ter duas dimensões: a negativa e a positiva. A
dimensão negativa, já anteriormente reconhecida, surgia como a simples
limitação da Administração de agredir a esfera privada dos particulares, isto
é, a “reserva de lei”. No período do
Estado Liberal, esta passa a ter uma dimensão positiva, constituindo o
fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa. Assim, a
administração fica vinculada não só à Constituição mas também aos princípios
gerais de direito, a normas internacionais, a disposições de carácter
regulamentar, etc. Com a revisão de 1997, a administração fica sujeita ao
controlo de legalidade por parte dos tribunais, sendo a “determinação da pratica de atos administrativos legalmente devidos”, uma
componente essencial do principio da tutela jurisdicional plena e efetiva dos
direitos dos particulares na sua relação com a administração (art. 268.º nº3 CRP).
Tradicionalmente, era entendido pela doutrina que a
administração beneficiava de uma presunção de legalidade. Tal afirmação resulta
historicamente, como refere Rui
Chancerelle de Manchete do “labor dos
juristas que no seu afã criador de descobrirem e tornarem operacional a estrutura
constitucional do Estado Liberal oitocentista”[1]
de forma a explicar e dar coerência ao sistema erguido ao longo do século.
Contudo, entende-se que esta presunção de legalidade de atos administrativos
foi abandonada.
A construção da presunção da legalidade assenta no
pressuposto de que os atos anuláveis são desconformes às normas por ele
impostas, sendo que o ordenamento jurídico não lhe pode atribuir relevância sem
considerar que, primeiramente, estes possam ver válidos. Contudo, entendo que hoje
em dia tal afirmação não é procedente. O ordenamento português prevê-se a
existência de atos nulos, que não impõem o acatamento de tais atos, visto que
se reconhece aos interessados o direito de resistência passiva perante eles. É
neste panorama que se entende que os atos administrativos anuláveis não
produzam efeitos, quando praticados em desconformidade com os parâmetros de
legalidade previstos na norma.
A superação do entendimento que os atos administrativos
anuláveis não lhes pode atribuir relevância sem eventualmente considerar que
possa ser válidos, reside numa opção deliberada do ordenamento jurídico. Isto
é, o ordenamento opta por integra no sistema as situações consideradas menos
gravosas de desconformidade, através de uma configuração especifica de
relevância jurídica. Só através da anulação é que os efeitos produzidos pelo
ato podem ser desconsiderados. Ora a anulação é um efeito que cuja verificação
é possível logo desde o início. O que sucede é que a sua verificação
encontra-se suspensa ou pendente, uma vez que desde logo surge na esfera
jurídica do particular um direito ou interesse legalmente protegido de fazer
valer a sua invalidade. Este direito subjetivo ou interesse legalmente
protegido, pode e deve ser reconhecido perante os tribunais, uma vez que a
atuação da administração, apesar de não ter a conduta mais gravosa (nulidade),
está ferida de uma ilegalidade que deve ser assegura nos termos do art. 3.º
CPA.
Tenho que concordar quanto ao abandono desta presunção por
diversas razões. Primeiramente, penso que esta ideia de presunção de legalidade
estava relacionada com a concepção de Administração antes do Estado Social.
Sucede que na altura, verificava-se uma Administração fortemente autoritária,
cujos os atos não eram, nem podiam ser postos em causa. Primeiro, porque os
tribunais descartavam a competência para julgar assuntos de carácter
administrativo, visto que proclamavam a sua incompetência em tais matérias.
Segundo, pelo postulado do Princípio da Separação de Poderes, não podiam outros
órgãos ingerir-se nos poderes e funções da administração.
Ora, como foi anteriormente referido, a Constituição de 1976
vêm atribuir competências aos tribunais no controlo de legalidade e na tutela
jurisdicional efetiva plena dos particulares contra administração. É, assim,
hoje em dia reconhecido que administração não
é o ser omnipotente que tudo faz sem sofrer qualquer consequência.
Quanto à questão em torno dos atos anuláveis, visto que
considero que não se levanta qualquer problema no que toca aos atos nulos,
concordo com a corrente que refere que desde o início que o atos está ferido de
uma ilegalidade e que não é necessário considera-los válidos para que essa
desconformidade possa ser em causa. Para além disso, como é que é possível
considera-los válidos, quando é algo que inexiste
logo à partida?
Desde o seu nascimento que o ato administrativo anulável não
corresponde aos pressuposto concretizados pela norma de competências. Assim, desde
o momento da prática do ato que os particulares lesados pela administração
possuem na sua esfera jurídica um direito subjetivo de forma a obter a
vinculação da administração à prática do
ato legalmente devido.
Bibliografia
RUI CHANCERELLE
DE MACHETE, “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos atos
administrativos”, in Estudo de Homenagem
ao Professor Doutro Pedro Soares Martinez, vol. I, Coimbra, 1999.
PEREIRA DA SILVA,VASCO, Em busca do Ato Administrativo.
AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Teoria Geral do Direito Administrativo, O novo regime do Código de
Procedimento Administrativo, 3ª Edição, 2016, Almedina.
Trabalho Realizado por
Inês Lopes
Nº26710
[1] RUI CHANCERELLE DE
MACHETE, “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos atos
administrativos”, in Estudo de Homenagem
ao Professor Doutro Pedro Soares Martinez, vol. I, Coimbra, 1999.
No comments:
Post a Comment