O novo Código de Procedimento Administrativo tem sido alvo
de alguma controvérsia. Um dos temas mais debatidos sobre a nova reforma é a
diminuição da autotutela executiva e, consequentemente, a perda do privilégio
de execução prévia. No presente artigo a ser desenvolvido, pretendo abordar às
principais questões da alteração deste regime, criticando a (infeliz)
intervenção do legislador neste área. .
Cingir-nos-emos, apenas, ao estudo da autotutela executiva
para desenvolvimento do tema proposto. Em primeiro lugar, esta caracteriza-se
pelo uso da força por parte da administração, designada por coação, que visa o
cumprimento de obrigações que não tenham sido voluntariamente aceites por parte
dos particulares. Assim, a administração goza de um poder de execução, com
recurso aos seus próprios meios e se necessário coercivamente, dos atos
administrativos criadores de deveres para os particulares, no caso do seu
cumprimento esbarrar numa resistência ativa ou passiva destes, sem necessidade
de recorrer aos tribunais. Esta definição unilateral da determinação situação
jurídica designa-se por privilégio de execução prévia.
A maioria da doutrina entende que a autotutela executiva
corresponde a um dos principais pilares do poder da Administração Pública. Como
refere o Prof. Mário Aroso de Almeida “tanto
a obrigatoriedade, como a eventual executoriedade, são corolários da
circunstância de Administração Pública, ser instituída com um poder público, ao
qual o ordenamento jurídico confere, em maior ou menor medida, o poder de dizer
e executar o Direito”[1].
Tal como o ilustre Professor afirma,
é este poder conferido à administração que a distingue dos particulares. Um
particular, para fazer valer o seu direito subjetivo, tem que recorrer ao poder
judicial de forma a obter uma sentença que execute o seu direito reconhecido.
Diferentemente da posição acima sustenta, o Prof. Rui Guerra
da Fonseca vem refutar a contraposição acima referida. Para este, “ o principio da separação de poderes parece
representar, ele próprio (...) a negação de uma autotutela púbica enquanto
figura geral, contraponível à autotutela privada”[2].
Assim, o autor citado defende que estamos perante um heterotutela visto que
cabe, em primeira instância, aos tribunais a definição do direito à situação
concreta e aplicação do mesmo, segundo o Principio da Separação de Poderes
(art. 111.º CRP).
Já o Professor Vasco Pereira da Silva, tem vindo a defender
o abandono de uma Administração Publica autoritária. Como salienta o Sr.
Professor, o poder de execução forcada não está presente em todos os atos
administrativos, visto que em regra, é necessário a existência de um ato prévio
que legitime a atuação coativa da administração pública. Em segundo lugar, a
vertente autoritária do ato administrativo é posta em causa pelo surgimento de
uma Administração prestadora de serviços e infraestruturas, onde as decisões
administrativas têm mais em conta o Interesse Público, do que a imposição da
vontade administrativa aos cidadãos. Todos estes aspetos revelam que o ato
administrativo não é, nem pode ser, uma “manifestação
de um poder que se limita a agredir de forma egoísta e unilateral dos direitos
dos particulares”[3].
´
Com efeito, o antigo art. 149.º nº 2 consagrava o Princípio
da execução prévia dos atos administrativos. Segundo o corpo desta norma, as
decisões administrativas eram executórias por si só, podendo ser impostas
coercivamente aos particulares, pela administração, sem necessidade de um
recurso prévio ao poder judicial. Esse preceito legal constituía uma espécie de
habilitação genérica para a definição unilateral pela administração pública,
sem cobertura judicial prévia, do direito para determinada situação jurídica
concreta.
Ora com a aprovação do novo CPA, denota-se uma clara
propensão para um modelo de administração judiciária. Como refere o preâmbulo
do presente diploma, uma das inovações “ é a consagração do princípio de que a execução coerciva dos
atos administrativos só pode ser realizada pela Administração nos casos
expressamente previstos na lei ou em situações de urgente necessidade pública,
devidamente fundamentada ( artigo 176.º)”. Assim, a Administração
Pública vê diminuída a discricionariedade do seu poder de autotutela executiva,
ficando esta apenas reconduzida às situações previstas nos casos expressamente
previstos na lei (princípio da legalidade previsto no art. 3.º CPA) ou em casos
de urgente necessidade pública, devidamente fundamentada. Fora destes casos, a
administração terá que recorrer aos tribunais de forma a obter um título legítimo
para a sua atuação, conforme o art. 183.º CPA. Consequentemente, como aponta o
nº2 do art. 8.º do Decreto-Lei nº4/2015 de 7 de Janeiro, as situações em que a
Administração pode praticar atos administrativos impostos ficam sujeitas à
aprovação de um diploma legal que defina os casos, as formas e os termos em que
a administração pode atuar na vertente de autotutela executiva.
Esta opção legislativa, segundo o Professor Mário Aroso de
Almeida, expressa o princípio da legalidade, conjugando este com a necessidade
de resposta a situações urgentes de necessidade pública. Tecendo um elogio a
esta revolução administrativa, baseada no ordenamento Francês, este douto autor
refere que o novo CPA visa definir os pressupostos de atuação da Administração
Pública relativamente à pratica de atos materiais de execução coativa, de
acordo com um principio fundamental de toda a atuação administrativa, o
Princípio da Legalidade. Tal fundamento encontra-se no Estado de Direito
(artigo 2.º CRP), visto que qualquer atuação da Administração tem de resultar
de uma norma de competência que configure os poderes de ação do poder
administrativo no caso concreto.
Conforme o que foi referido, só quando a administração
obtiver um título executivo judicial é que poderá usar a força para obrigar a
realização do ato devido. Denota-se assim, uma administração paritária, isto é,
o balanço entre o efeito pretendido pelo Administração e o objetado pelo
particular.
No entanto, a aplicação do novo regime gera alguma
controvérsia. Primeiramente, como refere o Professor Paulo Otero, poderá pôr-se
em causa a constitucionalidade do regime. Tal como prevê o CPA, o novo regime
fica sujeito a uma lei, a ser publicada no prazo de 60 dias, de forma a definir
quais os critérios do privilégio de execução prévia da administração. Porém, já
transitados dois anos desde a publicação do CPA de 2015 e a lei nem vê-la.
Levanta-se assim um questão conturbada. A aplicação do regime
transitório poderá ser considerada inconstitucional. Verificou-se a pressa do
legislador na mudança já solicitada pela doutrina, esquecendo-se que a lei de
autorização legislativa não contempla o regime provisório indicado no art.6.º e
8.º nº2 do diploma preambular que aprova o CPA. Logo, fica suspenso o regime de
execução do ato.
Suscita-se outra particularidade. Durante a pendência deste
regime, não há legitimidade de atuação da Administração, uma vez que a
administração rege-se pelo Principio da Legalidade, e não existindo uma norma
de competência, todos os atos praticados estão ficam feridos de usurpação de
poderes, o que conduz à nulidade. E subsequentemente, não há dever de
obediência a atos nulos.
E mais, cria-se um verdadeiro impasse. Ora, a administração
não pode aplicar as normas do regime regra, visto que, de momento, se encontra
paralisada à espera da lei, no altar do
novo código de processo administrativo. Ora, a aplicação das normas do
regime transitório é inconstitucional e o particular pode oferecer resistência.
Lá se vai o ius imperii da
Administração, uma vez que está em causa a garantia de que cada um só possa
fazer a administração quer, se houver titulo judicial.
Portanto,
parece que se verifica uma repristinação de um regime anterior, que foi
integralmente revogado, suspendendo-se desta forma uma das maiores autoproclamadas inovações administrativas do
CPA em vigor. Não se compreende o eterno silêncio do legislador no
respeitante a esta questão. Tanto mais porque se trata de uma matéria situada
no cerne da relação jurídica administrativa, onde os particulares são afetados
diariamente e, onde, em ultima instância, se poderá convocar a própria
responsabilidade do Estado por omissão legislativa.
Portanto,
na minha opinião, tentou-se batizar o direito administrativo e eliminar o pecado original da autotutela executiva, associada a uma
Administração Autoritária, mas acabou por se verificar uma morte súbita da atuação administrativa, nomeadamente do privilégio
de execução prévia.
BIBLIOGRAFIA
RUI GUERRA DA FONSECA, O
fundamento da Autotutela Executiva da Administração Publica.
PEREIRA DA SILVA,VASCO, Em busca do Ato Administrativo.
AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Teoria Geral do Direito Administrativo, O novo regime do Código de
Procedimento Administrativo, 3ª Edição, 2016, Almedina.
COMENTÁRIOS
AO CPA, AAFDL
Trabalho Realizado por
Inês Lopes
Nº 26710
[1] AROSO DE ALMEIDA,
MÁRIO, Teoria Geral do Direito
Administrativo, O novo regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª
Edição, 2016, Almedina.
[2] RUI GUERRA DA
FONSECA, O fundamento da Autotutela
Executiva da Administração Publica.
[3] PEREIRA DA
SILVA,VASCO, Em busca do Ato
Administrativo.
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