A tutela
administrativa consiste no poder
conferido ao órgão de uma pessoa coletiva de intervir na gestão de outra pessoa
coletiva autónoma. Sendo esta um abordagem inicial, é possível demarcar 4
aspetos desta intervenção:
1) Autorização ou aprovação dos seus atos;
2) Modificação (a título
excecional);
3) Revogação ou Suspensão;
4)
Fiscalização dos seus serviços;
Segundo a
ótica do professor Diogo Freitas do Amaral, o leque de poderes de intervenção
de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva justifica-se
pela necessidade de assegurar a legalidade ou o mérito de atuação da entidade
tutelada. Daqui resulta que:
1)
A tutela pressupõe a existência
de duas pessoas coletivas: a pessoa coletiva tutelar e pessoa coletiva tutelada
2)
A pessoa coletiva tutelar é
necessariamente pública, no entanto, a pessoa coletiva tutelada pode ser, a título excecional,
uma pessoa coletiva privada. O Professor Diogo Freitas do Amaral faz questão de
relembrar que, em bom rigor, não deveria ser aceite o exercício de poderes de
tutela administrativa sobre pessoa coletiva privada. Ainda assim, é necessário
compreender que, quer a lei ordinária, quer a “lei fundamental” portuguesa, em
nada obstam a que esteja em causa uma pessoa coletiva privada, isto porque
existem diversos tipos de pessoas coletivas de utilidade pública, logo, pressupõe-se que as pessoas coletiva
privadas estariam aqui elencadas e, assim, tuteladas;
Esta esfera
de poderes incide no poder de fiscalização e de intervenção, instrumentos esses
que são utlizados com o intuito último da tutela administrativa: assegurar a
legalidade e o cumprimento das leis por parte da entidade tutelada bem como,
nos casos que a lei o permita, garantir que sejam adotadas as soluções mais
convenientes e oportunas na prossecução do interesse público, ou seja, soluções
de mérito.
O professor Marcello Caetano entende que a
finalidade da tutela administrativa se prende pela coordenação de interesses entre a entidade tutelar e tutelada. Esta
posição merece uma “chamada de atenção” por parte do professor Diogo Freitas do
Amaral, que entende esta “coordenação de interesses” como uma possível abertura
ao excessivo grau de intervenção estadual na vida das entidades
descentralizadas. A finalidade da tutela e o seu conteúdo permitem a distinção
de várias espécies de tutela.
Quanto ao seu fim, a tutela decompõe-se em:
1) Tutela de legalidade;
2) Tutela de mérito;
Quanto ao seu conteúdo:
1) Tutela
Integrativa;
2) Tutela
Inspetiva;
3) Tutela
sancionatória;
4) Tutela
revogatória;
5) Tutela
substitutiva;
A tutela de legalidade aponta para o controlo da legalidade (decisão
conforme/desconforme perante a lei) de todas as decisões da entidade
tutelada. A legalidade pressupõe uma preferência de lei e uma reserva de lei. A
primeira veda à administração que contrarie o direito vigente, ao passo que a
segunda exige que a actuação administrativa tenha fundamento numa norma
jurídica.
A tutela de mérito
não indaga a legalidade de uma determinada decisão, ocupando-se pelo que
afeta a decisão no sentido da conveniência e oportunidade, não só no ponto de
vista da administração, mas também de uma ótica técnica, financeira e jurídica.
Da comunhão
do Decreto-Lei 100/84 de 29 de Março
com revisão constitucional de 1982
emerge a necessidade de distinção entre estas duas tutelas: a tutela que
existiria na relação Governo-Autarquias Locais seria, somente e apenas, a tutela da legalidade (e não mais a
junção destes 2 tipos de tutela) - CRP, artigo 242º/1). Parece oportuno esclarecer
que nada obsta a que o Governo, órgão superior da Administração Pública - CRP
artigo 199º d) – exerça a tutela de mérito sobre institutos públicos, ou até
sobre associações públicas. A relação entre o Governo e as autarquias locais
reveste uma peculiaridade que se cristaliza numa única possível forma de tutela
– a tutela da legalidade.
Detenhamo-nos agora sobre o seu conteúdo.
Segundo uma classificação mais tradicional, o
conteúdo da tutela apenas permitira a demarcação de 3 modalidades, porém, o
professor Diogo Freitas do Amaral elenca 5:
1) Tutela
Integrativa (“Poder de autorizar ou aprovar atos da entidade tutelada)- A
classificação enquanto tutela integrativa a
priori ou posteriori, faz-se pelo entendimento dos
conceitos acima referidos: autorizar (autorização) ou aprovar (aprovação). Conclui-se,
então, que a autorização é uma condição de validade
( gerando, no caso de invalidade, uma ilegalidade sanável). Por sua vez, a aprovação é uma condição de eficácia, (gerando uma ilegalidade não sanável). Daqui
se conclui que a subordinação à aprovação tutelar é uma forma de intervenção mais intensa do que a exigência de
autorização. Em suma, a tutela inspetiva abrange o poder de
fiscalizar a forma como se organiza e funciona a entidade tutelada, seja nos
seus órgãos, serviços, documentos ou contas;
2) Tutela sancionatória (“consiste em aplicar sanções por
irregularidades”) – a tutela inspetiva fiscaliza,
descobre irregularidades na entidade tutelada. As irregularidades precisam
de ser alvo de sanções, e esse é o objetivo da tutela sancionatória – aplicar
sanções por irregularidades detetadas no âmbito da tutela inspetiva
3) A tutela revogatória é a atribuição de poder à entidade tutelar
de revogar os atos administrativos exercidos pela entidade tutelada. Só
existe excecionalmente na tutela administrativa este poder;
4) A tutela substitutiva,
como o nome indica, ocorre quando o órgão tutelar substitui o órgão da entidade
tutelada e pratica, em vez dele e por conta dele, os atos legalmente devidos,
suprimindo assim as omissões da entidade tutelada.
O
estabelecimento de formas de tutela (integrativa, sancionatória, revogatória ou
substitutiva) pela lei ordinária sobre as autarquias locais, tem vindo a ser
debatido pela doutrina. O debate assenta na interpretação do artigo já referido
242º/1 da CRP:
1)
Interpretação literal do 242º/1 –
segundo esta interpretação, estaria apenas considerada a tutela inspetiva,
visto que é esta que se traduz, em bom rigor, na verificação da legalidade da atuação das autarquias
locais;
2)
Em oposição, o professor Freitas
do Amaral rejeita esta interpretação – a verificação do cumprimento da lei é
uma operação de controlo de legalidade que se encontra ao alcance de outras
espécies de tutela (já é mais dúbio se enveredarmos pela tutela sancionatória e
revogatória, isto porque quando há uma ilegalidade por um órgão competente da
Administração do Estado, a aplicação de sanção deve ser efetivada em tribunais,
mediante ação do Ministério Público). A “verificação do cumprimento da lei”
nunca se poderá traduzir numa tutela substitutiva. Depreender a tutela
substitutiva implica uma colisão, não só com o artigo 243º/1 da Constituição da
República, mas também com o já referido princípio da autonomia do poder local.
Uma das principais
características do Estado encontra-se consagrado no artigo 6º/1 da CRP, leia-se
“O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento (...) o
princípio da descentralização democrática”. Por conseguinte, a tutela tem como
dever capital a intervenção do Estado, sobretudo no que respeita à gestão das
autarquias locais, devendo intervir sempre que se revele necessário.
Ao abordarmos o regime jurídico
da tutela, não podemos deixar de evidenciar um dos princípios de enorme
relevância - “princípio da não
presunção”, o que significa que a
tutela só existe quando a lei expressamente a prevê e só existe nas modalidades
que a lei consagrar, e nos termos e limites que a lei impuser.
O segundo entendimento a ter
presente, é o da já referida revisão constitucional de 1982, que tornou a
tutela administrativa apenas uma tutela de legalidade sobre as autarquias, sendo
suprida a menção à tutela de mérito (CRP, artigo 242.º/1) – O Estado, como
entidade tutelar, não pode dirigir e orientar a atuação das autarquias locais,
enquanto entidades tuteladas, quem dirige e orienta a atuação destas são os
seus próprios órgãos, como é típico da administração autónoma.
O terceiro entendimento engloba
a discussão dos verdadeiros poderes da autoridade tutelar: será que a
autoridade tutelar possui poderes de dar instruções à entidade tutelada quanto
à interpretação de leis e regulamentos em vigor ou quanto ao modo de exercer a
competência própria da segunda?
Num primeiro
momento, a resposta a esta pergunta fora positiva – o Governo disporia do uso
dessas capacidades e poderia utilizá-las como melhor se justificasse.
Atualmente, esta posição é claramente inconstitucional, violando os artigos
122º/6 e 242º/2 da CRP.
Como refere
o Professor Freitas do Amaral e havendo concordância pela maioria da doutrina,
os órgãos autárquicos podem consultar o Governo sobre dúvidas de interpretação
de diplomas em vigor. A consulta é respondida com pareceres do Governo,
afastando-se portanto, o caráter vinculativo desta resposta. Qualquer outra
solução, redunda, como já referido anteriormente, numa inconstitucionalidade
nos artigos já mencionados, violando-se também os princípios que brotam do
artigo 6º/1 da CRP - princípios das
autarquias locais e da própria descentralização de democrática.
Em suma, é de realçar que a entidade tutelada tem
legitimidade para impugnar os atos
pelos quais a entidade tutelar exerça os seus poderes: caso a entidade tutelar
venha a exercer algum poder que prejudique a entidade tutelada, esta última tem
o direito de impugnar junto dos tribunais administrativos (artigo 55º. N.º1 al c), do CPTA).
Finalmente,
importa referir que existe pouca atenção por parte da doutrina em determinar a
verdadeira essência da natureza jurídica tutela. Assim, surgem 3 orientações
quando ao modo de conceber a natureza jurídica da tutela:
1) Analogia com
a tutela civil: ambas visariam o suprimento de
incapacidades – a civil supriria incapacidades da pessoa concreta, enquanto que
a administrativa visaria o suprimento de deficiências dos actos
administrativos.;
2) Tese da
hierarquia enfraquecida: defendida
pelo Professor Marcello Caetano, os poderes tutelares seriam como poderes
hierárquicos, mas enfraquecidos, pois está em causa a tutela de entidades
autónomas e não a tutela de entidades dependentes. Como refere o
Autor "nos poderes tutelares é, de resto, fácil encontrar os poderes
hierárquicos enfraquecidos ou quebrados pela autonomia"
3)
Tese do poder de controlo: esta
é a tese posição defendida pelo Professor Freitas do Amaral. Os poderes
tutelares nunca poderiam ser poderes hierárquicos por aí se verificarem poderes
de direcção. A tutela engloba um conjunto de poderes de controlo:
-
Fiscalização da actuação do ente
tutelado;
- Acatamento da legalidade e
do mérito da actuação.
A tese do
professor Freitas do Amaral é a mais próxima à real natureza jurídica da
tutela: a ideia de um poder de controlo exercido por um órgão a Administração
sobre certas pessoas coletivas sujeitas à sua intervenção, para assegurar o
respeito de determinados valores considerados essenciais.
Uma última característica da tutela aponta
para o facto de, apesar de haver controlo dos entes menores, não se trata
de uma relação de subordinação, pois
são duas pessoas colectivas diferentes, e o próprio ente menor conserva uma
autonomia e uma personalidade jurídica distinta do ente tutelar.
Maria Ana Bau, nº56737, Subturma 14, TB
Bibliografia:
CAETANO, Marcello. Manual I;
FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de
direito administrativo;
QUADROS, Fausto. Revista portuguesa de
Filosofia;
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