A
essência da Função Administrativa
A Administração Pública gere
interesses dos quais a titularidade não lhe pertence, mas antes à coletividade.
Assume a satisfação das necessidades como a segurança (individual e coletiva,
interna e externa), o bem-estar económico, social e cultural, sendo essa a sua
tarefa fundamental exercida através de serviços por ela mantidos e organizados.
Porém, para esses fins
serem prosseguidos é necessário que os vários entes jurídicos se encarreguem de
tal (Estado-Aparelho) implicando também o desenvolvimento de atividades
(funções). Essas mesmas funções do Estado estão interligadas entre si (com elos
de primazia e hierarquia).
O poder político estabelece assim as principais estruturas do
Estado, os seus fins, a organização dos entes públicos e as relações com os
cidadãos. As funções do estado desdobram-se em duas espécies:
-Funções
Primárias: enquadram-se aqui a função política e legislativa, ambas com paridade constitucional, com
um carácter essencialmente inovatório. A diferença entre estas estabelece-se no
plano analítico. A função política caracteriza-se pela prática de atos diretos
e imediatos com outros poderes do estado. Alguns atos políticos acabam por ter
relevância não só nacional mas também a nível internacional (ex: celebração de
tratados). Ainda se distinguem aqueles que se projetam de forma
indireta/mediata nos cidadãos por atos legislativos e aqueles com projecção
direta/imediata nas relações com outros órgãos do poder politico (ex: moções de
censura). A função legislativa é uma atividade permanente e de carácter
político, com uma vocação essencialmente direta/imediata na vida dos cidadãos.
Estes atos podem revestir certas formas previstas pela nossa Constituição (art.
112º). Ambas definem as opções de interesse da coletividade e os critérios para
a sua execução.
-Funções
Secundárias: engloba a função jurisdicional e a administrativa. Estão
subordinadas às funções primárias executando-as, sendo que as decisões destas
têm de ir ao encontro com a coerência das decisões politicas, legislativas e
constitucionais (submetidas ao princípio da legalidade e da juridicidade). Porém,
estas funções não se caracterizam por apenas dar execução às funções primárias,
pois atualmente estas determinam o sentido das normas no caso concreto, havendo
espaços de decisões livres (discricionariedade, art.199 g)-alarga o conteúdo da
função administrativa). O poder administrativo tem ainda um espaço próprio de
atuação imune a “invasões” (princípio da separação de poderes). O poder
legislativo planifica a atividade administrativa definindo qual o seu espaço de
autonomia, fixando o grau de liberdade decisória.
A nossa constituição
define a função jurisdicional no seu art.202º nº2. Afonso Queiró reconhece que
esta função resolve uma “questão de direito” e visa a realização da paz
jurídica. Os tribunais caracterizam-se pela imparcialidade, passividade e
independência (art. 203º CRP).
A função administrativa caracteriza-se,
essencialmente, pela interdependência, parcialidade (é parte interessada na
satisfação das necessidades, o que com isto não significa que não tenha de
respeitar o principio constitucional da imparcialidade), continuidade,
permanência, é ainda pró-ativa (sem necessidade de uma iniciativa externa). Satisfaz
as necessidades previamente estipuladas pela função política e legislativa. Pode
ainda resolver uma questão de facto. Ela tem legitimidade constitucional
equiparada à função legislativa e judicial, está subordinada à Lei e ao
controlo dos tribunais (administrativos- Sistema de tipo francês).
Tendo também em consideração os vários
sentidos possíveis para Administração Pública: Administração como atividade,
como organização, como modo de agir próprio que a caracteriza (sentido material/objetivo,
orgânico/subjetivo, ou técnico jurídico/formal, respetivamente). Administração
Pública em sentido material compreende e materializa-se na atividade
administrativa, ou seja, na função administrativa.
Esse mesmo sentido material diz
respeito à atividade de administrar, de tomada de decisões através dos recursos
mais adequados para, como sempre, satisfazer as necessidades coletivas. Porém
há uma exceção de necessidade coletiva que não está integrada na atividade
administrativa e que sem dúvida é uma necessidade coletiva: a justiça (que cabe
ao poder judicial).
A definição da Função Administrativa
predispõe de vários critérios doutrinários, existindo duas óticas para a sua
definição. A ótica tradicional através de um critério negativo, esta função
abrangeria as atividades públicas que não se enquadravam nas outas funções do
estado. Através do critério positivo, seria a atividade pública competente da
satisfação das necessidades coletivas previamente selecionadas pelas opções
constitucionais e legislativas. Para esse objetivo ser assegurado a função administrativa
englobar cinco grupos de tarefas administrativas:
1) Manutenção da Ordem e Segurança
Pública: através da
prevenção de atividades danosas para a coletividade. Também associada à
atividade militar, policial, abrangendo a fiscalização das condições de
segurança seja alimentar (ASAE) seja nos aeroportos. Tenta combater ameaças públicas,
com exercício das suas faculdades sancionatórias. Esta tarefa está associada a
administração agressiva.
2)
Efetivação das Prestações (aos particulares) através de
atribuição direta de benefícios (pensões, bolsas, subsídios) e do funcionamento
dos serviços públicos (escolas, hospitais). É uma atividade típica do estado
social previdencial. Atividade que está ligada à administração prestadora.
3)
Direção (da vida social) através do que é
estabelecido pela Constituição e pela Lei. Estabelece e delimita, por exemplo,
a proteção do ambiente, o ordenamento do território e programas de criação
cultural. Associada também à administração prestadora e infraestrutural.
4)
Obtenção de recursos materiais que são indispensáveis para a
satisfação do interesse público. Engloba sobretudo a administração fiscal
através da cobrança de impostos, taxas ou contribuições efetivas. Com ligação à
administração agressiv
5)
Gestão dos recursos humanos e
materiais através da administração
do património público e da regulação do funcionamento do Estado-Aparelho.
A atividade administrativa
pode assumir vários tipos desde a atividade substancial/processual, a
administração neutral/intervencionista, produtora/reguladora, militar/civil,
visível/invisível, entre outras. A administração pública também é desenvolvida
consoante o procedimento adotado, desde logo se é unilateral/bilateral,
impositiva/concertada, de subordinação/paritária. Quanto aos seus efeitos a sua
atividade pode ser classificada também consoante seja uma administração de
assistência ou agressiva, preventiva ou repressiva, interna ou externa entre
outras.
Conclusão:
O povo acaba por ser
o próprio legislador (através da democracia) e o próprio destinatário dessas
mesmas regras e da atividade administrativa. A Administração Pública versa
sobre realidades que não são imutáveis, variam em função do interesse púbico
considerado em cada momento histórico. Como em Portugal estamos perante um
estado social previdencial ela versará sobre a polícia, Forças Armadas,
tributação, urbanismo, ambiente, saúde, trabalho entre outros. As
características da Administração Pública em sentido material passam sobretudo
pela essência da função administrativa e da sua atividade (art. 266º CRP). Não
poderá nunca seguir interesses particulares sendo que as suas escolhas podem
coincidir com esses interesses particulares mas o seu fim nunca se poderá
cingir a isso. Uma atuação administrativa que prossiga interesses privados é
ilegal. A administração Pública é delimitada pelo princípio da legalidade da
competência no sentido de ser a Lei a estipular quais as necessidades a que ela
dará resposta, tem uma natureza heterónoma. Versa também neste domínio um
princípio da continuidade dos serviços públicos (derivando deste, por exemplo,
a substituição dos órgãos dissolvidos). A administração pública desenvolvendo a
função administrativa poderá exercer a sua função pública através também de
formas privadas. A grande diversidade de necessidades coletivas dá origem a
vários níveis de intervenção decisória, comportando zonas de fronteiras por
vezes difíceis de traçar.
Neuza Felizardo Carreira, Nº 57098,
Turma B, Subturma 14
Bibliografia consultada:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol I,
4ª ed., 2015, Almedina, pp 25-44;
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol I, 2013, Almedina, pp. 171-188, 202-225;
MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGDO
DE MATOS, Direito Administrativo Geral,
Tomo I, D. Quixote, Lisboa, Introdução e
Princípios Fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2004, pp. 25 e ss.
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