Thursday, November 2, 2017



A essência da Função Administrativa



A Administração Pública gere interesses dos quais a titularidade não lhe pertence, mas antes à coletividade. Assume a satisfação das necessidades como a segurança (individual e coletiva, interna e externa), o bem-estar económico, social e cultural, sendo essa a sua tarefa fundamental exercida através de serviços por ela mantidos e organizados.
Porém, para esses fins serem prosseguidos é necessário que os vários entes jurídicos se encarreguem de tal (Estado-Aparelho) implicando também o desenvolvimento de atividades (funções). Essas mesmas funções do Estado estão interligadas entre si (com elos de primazia e hierarquia).
      O poder político estabelece assim as principais estruturas do Estado, os seus fins, a organização dos entes públicos e as relações com os cidadãos. As funções do estado desdobram-se em duas espécies:

-Funções Primárias: enquadram-se aqui a função política e legislativa, ambas com paridade constitucional, com um carácter essencialmente inovatório. A diferença entre estas estabelece-se no plano analítico. A função política caracteriza-se pela prática de atos diretos e imediatos com outros poderes do estado. Alguns atos políticos acabam por ter relevância não só nacional mas também a nível internacional (ex: celebração de tratados). Ainda se distinguem aqueles que se projetam de forma indireta/mediata nos cidadãos por atos legislativos e aqueles com projecção direta/imediata nas relações com outros órgãos do poder politico (ex: moções de censura). A função legislativa é uma atividade permanente e de carácter político, com uma vocação essencialmente direta/imediata na vida dos cidadãos. Estes atos podem revestir certas formas previstas pela nossa Constituição (art. 112º). Ambas definem as opções de interesse da coletividade e os critérios para a sua execução.

-Funções Secundárias: engloba a função jurisdicional e a administrativa. Estão subordinadas às funções primárias executando-as, sendo que as decisões destas têm de ir ao encontro com a coerência das decisões politicas, legislativas e constitucionais (submetidas ao princípio da legalidade e da juridicidade). Porém, estas funções não se caracterizam por apenas dar execução às funções primárias, pois atualmente estas determinam o sentido das normas no caso concreto, havendo espaços de decisões livres (discricionariedade, art.199 g)-alarga o conteúdo da função administrativa). O poder administrativo tem ainda um espaço próprio de atuação imune a “invasões” (princípio da separação de poderes). O poder legislativo planifica a atividade administrativa definindo qual o seu espaço de autonomia, fixando o grau de liberdade decisória.
A nossa constituição define a função jurisdicional no seu art.202º nº2. Afonso Queiró reconhece que esta função resolve uma “questão de direito” e visa a realização da paz jurídica. Os tribunais caracterizam-se pela imparcialidade, passividade e independência (art. 203º CRP).
A função administrativa caracteriza-se, essencialmente, pela interdependência, parcialidade (é parte interessada na satisfação das necessidades, o que com isto não significa que não tenha de respeitar o principio constitucional da imparcialidade), continuidade, permanência, é ainda pró-ativa (sem necessidade de uma iniciativa externa). Satisfaz as necessidades previamente estipuladas pela função política e legislativa. Pode ainda resolver uma questão de facto. Ela tem legitimidade constitucional equiparada à função legislativa e judicial, está subordinada à Lei e ao controlo dos tribunais (administrativos- Sistema de tipo francês).
Tendo também em consideração os vários sentidos possíveis para Administração Pública: Administração como atividade, como organização, como modo de agir próprio que a caracteriza (sentido material/objetivo, orgânico/subjetivo, ou técnico jurídico/formal, respetivamente). Administração Pública em sentido material compreende e materializa-se na atividade administrativa, ou seja, na função administrativa.
Esse mesmo sentido material diz respeito à atividade de administrar, de tomada de decisões através dos recursos mais adequados para, como sempre, satisfazer as necessidades coletivas. Porém há uma exceção de necessidade coletiva que não está integrada na atividade administrativa e que sem dúvida é uma necessidade coletiva: a justiça (que cabe ao poder judicial).
A definição da Função Administrativa predispõe de vários critérios doutrinários, existindo duas óticas para a sua definição. A ótica tradicional através de um critério negativo, esta função abrangeria as atividades públicas que não se enquadravam nas outas funções do estado. Através do critério positivo, seria a atividade pública competente da satisfação das necessidades coletivas previamente selecionadas pelas opções constitucionais e legislativas. Para esse objetivo ser assegurado a função administrativa englobar cinco grupos de tarefas administrativas:
1) Manutenção da Ordem e Segurança Pública: através da prevenção de atividades danosas para a coletividade. Também associada à atividade militar, policial, abrangendo a fiscalização das condições de segurança seja alimentar (ASAE) seja nos aeroportos. Tenta combater ameaças públicas, com exercício das suas faculdades sancionatórias. Esta tarefa está associada a administração agressiva.
2)    Efetivação das Prestações (aos particulares) através de atribuição direta de benefícios (pensões, bolsas, subsídios) e do funcionamento dos serviços públicos (escolas, hospitais). É uma atividade típica do estado social previdencial. Atividade que está ligada à administração prestadora.
3)    Direção (da vida social) através do que é estabelecido pela Constituição e pela Lei. Estabelece e delimita, por exemplo, a proteção do ambiente, o ordenamento do território e programas de criação cultural. Associada também à administração prestadora e infraestrutural.
4)    Obtenção de recursos materiais que são indispensáveis para a satisfação do interesse público. Engloba sobretudo a administração fiscal através da cobrança de impostos, taxas ou contribuições efetivas. Com ligação à administração agressiv
5)    Gestão dos recursos humanos e materiais através da administração do património público e da regulação do funcionamento do Estado-Aparelho. 
A atividade administrativa pode assumir vários tipos desde a atividade substancial/processual, a administração neutral/intervencionista, produtora/reguladora, militar/civil, visível/invisível, entre outras. A administração pública também é desenvolvida consoante o procedimento adotado, desde logo se é unilateral/bilateral, impositiva/concertada, de subordinação/paritária. Quanto aos seus efeitos a sua atividade pode ser classificada também consoante seja uma administração de assistência ou agressiva, preventiva ou repressiva, interna ou externa entre outras.

Conclusão: O povo acaba por ser o próprio legislador (através da democracia) e o próprio destinatário dessas mesmas regras e da atividade administrativa. A Administração Pública versa sobre realidades que não são imutáveis, variam em função do interesse púbico considerado em cada momento histórico. Como em Portugal estamos perante um estado social previdencial ela versará sobre a polícia, Forças Armadas, tributação, urbanismo, ambiente, saúde, trabalho entre outros. As características da Administração Pública em sentido material passam sobretudo pela essência da função administrativa e da sua atividade (art. 266º CRP). Não poderá nunca seguir interesses particulares sendo que as suas escolhas podem coincidir com esses interesses particulares mas o seu fim nunca se poderá cingir a isso. Uma atuação administrativa que prossiga interesses privados é ilegal. A administração Pública é delimitada pelo princípio da legalidade da competência no sentido de ser a Lei a estipular quais as necessidades a que ela dará resposta, tem uma natureza heterónoma. Versa também neste domínio um princípio da continuidade dos serviços públicos (derivando deste, por exemplo, a substituição dos órgãos dissolvidos). A administração pública desenvolvendo a função administrativa poderá exercer a sua função pública através também de formas privadas. A grande diversidade de necessidades coletivas dá origem a vários níveis de intervenção decisória, comportando zonas de fronteiras por vezes difíceis de traçar.

Neuza Felizardo Carreira, Nº 57098, Turma B, Subturma 14
Bibliografia consultada:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol I, 4ª ed., 2015, Almedina, pp 25-44;
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol I, 2013, Almedina, pp. 171-188,  202-225;

MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGDO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, D. Quixote, Lisboa, Introdução e Princípios Fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, 2004, pp. 25 e ss.

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