Thursday, November 2, 2017

A miopia no Direito Administrativo e a permanência do Leviatã






A miopia no Direito Administrativo e a permanência do Leviatã

Seguindo uma doutrina contratualista, que pode ser apreciada nas obras de Hobbes, Espinosa, Locke, Rousseau, que encara o Estado como um instrumento de garantia da civilização, da vigência de valores e da continuidade da sociedade, ou mesmo da possibilidade da existência e construção de uma, incluído os elementos território e população, sendo estes imprescindíveis, podemos encara a posição de Thomas Hobbes como uma corrente que se tem, de certa forma, mantido ao longo da história, neste prisma o Estado seria uma organização como “um Deus mortal que assegura, sob o império do Deus imortal, a nossa paz e a nossa defesa”, apesar da contraposição de Carl Schimitt, o qual afirma que “o Estado não é um conceito universalmente válido para todas as épocas e espaços, mas um conceito concreto que apenas surge quando aparece a ideia e prática de soberania”, concluímos que o Estado apear de ter sofrido variadíssimas evoluções ao longa da história, a sua função principal foi e irá sempre ser a de perpetuar a paz e defesa. Sem segurança não existe civilização, mas sim um estado de natureza ou um reino selvático onde impera o mais forte sobre o mais fraco, onde a luta pela sobrevivência é “regulada pela lei da força”[1], onde impera a desordem.
 Cerrámos deste modo que o Estado é uma comunidade humana que se atribui com êxito o monopólio do uso legitimo da força, essa força pode ser empregue tanto por uma coação psicológica e moral (a criação de uma lei que sancione determinada conduta com uma coima) como por uma coação física (ser sancionado a pagar uma coima), está aqui empregue o contrato social, pelo qual é criado o Estado e são cedidos direitos individuais a favor da sua soberania.
Thomas Hobbes expõe-nos o que seria um estádio de sociedade, este comportaria a existência de um pacto social gerador de um poder político forte; a renuncia em favor do Estado de parte dos direitos em favor da salvaguarda efetiva da outra parte, o medo recíproco é a causa desta subversão individual geral ao Estado; a renuncia é permanente e sustentada pelo referido pacto sine qua non; o Estado teria como fim primeiro assegurar a Paz; o poder do Estado é supremo, ilimitado e indivisível (Lara, 2009).
Dos factos expostos por Hobbes o que nos apresenta como contestável na nossa atual civilização seria o ultimo - o poder do Estado é supremo, ilimitado e indivisível. O Estado tem limites e é divisível, pelo menos os poderes que comporta, seguindo a teoria de Montesquieu da tripartição dos poderes como forma de equilíbrio interno do Estado (Liberal), repartindo as competências entre os poderes: Legislativo; Executivo (ou Político onde caberia neste o executivo); Judicial, originando o principio supra summa da separação de poderes, consagrado no nosso ordenamento jurídico através do artigo 2º da CRP, contudo tal teoria não tem tal separação teórica aplicada integralmente em questões da realidade prática, como fonte de exemplo a possibilidade do poder executivo  legitimamente criar atos consagrados ao poder legislativo, como exemplo a criação de DL pelo Governo.
Outras questões relevantes levantadas por Hobbes e inteiramente desatualizadas são a do Estado estar por cima das suas próprias leis, sendo tal facto inconstitucional no nosso ordenamento jurídico por força do principio da legalidade previsto do artigo 3º da CRP; o Direito resultar do Estado e este determinar a justiça, o Direito resulta do Estado, porém do seu poder legislativo e não do Estado como indivisível, já a justiça é ditada pelos Tribunais, órgão independente, ou seja, pelo  poder judicial, que está unicamente sujeito à lei, perante o artigo 203º CRP. A questão do Direito e do estado se apoiarem na força, já é um ponto discutível, analisando esta afirmação aprofundadamente podemos daqui retirar não mais que o próprio princípio da legalidade anteriormente liquidado pelo próprio Hobbes, o Estado apenas consegue ter força e prosseguir os seus fins pela força que o próprio Direito lhe confere, o Direito e o Estado tem de “andar de mão dadas” não só para a prossecução dos fins deste mesmo Estado como para a permanência da vida civilizacional que é conferida aos privados pelo próprio Direito, mas num ramo privado, e neste âmbito igualmente a própria Administração Pública através da criação do ato administrativo.
Desta ótica já se pode retirar a principal função da Administração Pública e por sua vez retirar as linhas condutoras do que o seu direito deva abranger, a execução do monopólio da coação legitima , sem esta o Estado não poderia garantir a paz e a defesa dos seus cidadãos e numa teoria circular, só com esta o poderia realizar, reconhecendo que é o uso legitimo da força que confere a coerência e a qualidade especial que o próprio aparelho do Estado possui, epilogando,  a segurança deve afigurar o principal interesse público a ser prosseguido, e como tal o principal fim não só do aparelho do Estado como em particular da própria Administração Pública, artigo 266º/1 CRP, essa ação coerciva é possível de ser executada desde já pelo ato administrativo (como manifestação da vontade da administração pública que tenha por finalidade adquirir, modificar, extinguir, declarar direitos ou impor obrigações nas suas relações jurídicas, desde logo com os particulares, sempre de acordo com a persecução do interesse público), esse ato aqui analisado por alguns autores como desfavorável.
Defendendo um atualismo “Hobbesiano” e apreendendo estudos de Singmund  Freud, que nos demonstra através da psicanálise que o Homem possui certos sintomas neuróticos e que este, em determinadas circunstâncias, o pode utilizar para obter certos fins ou para satisfazer necessidades instintivas, o individuo transporta em si durante toda a vida uma «ambivalência de sentimentos» que o potencia para ações contraditórias, nestes sentimentos radica a tendência para o exercício do poder nas relações sociais e nos conflitos entre povos. Podemos retirar duas ideias essenciais para a prossecução do Estado e para a execução da Administração publica:
1.      Possuindo o Ser Humano estes sintomas neuróticos e de dominação, nunca em circunstancia alguma podemos defender um Estado absoluto, de centralização de poderes e que esteja a cima das próprias leis, neste ponto a teoria de Hobbes é inconcebível, a separação de poderes fornece a ideal segurança aos cidadãos, não entre os próprios, mas entre estes e a máquina estatal;
2.       Possuindo o Ser Humano estes sintomas neuróticos e de dominação, o Estado como sistema onde está vinculada a separação de poderes, é o único que pode assegurar a segurança geral e a paz, desde modo deve possuir o poder de coação e a execução do mesmo pela Administração Pública através dos atos administrativos, de modo a perpetuar o interesse público fundamental, a segurança.
Após a existência de segurança potencializada pelo Estado e executada pela Administração pública, seguindo a teoria da pirâmide de Maslow numa interpretação lata e incorporando-a no prisma social, passaremos para outras necessidades, as quais o Estado deve garantir para o continuo desenvolvimento social e civilizacional. O Estado atual não só tem como função a prevalência da segurança tal como outros interesses públicos de âmbito social, cultural e económico entre mais, ex vi do disposto do artigo 9º da CRP, onde ainda se retira a particular essência de Estado prestador, na qual a sua administração pública tinha uma execução de atos administrativos, para alguns autores tidos como favoráveis, aliás, é graças a nossa constituição de 1976 que se dá uma  automatização da função administrativa e a jurisdição dos tribunais administrativos.
Nos nossos dias surge-nos um Estado já não só prestador, mas igualmente regulador e fiscalizador com uma Administração de infraestruturas, que tende a ocupar-se praticamente de tudo, desenvolvendo a sua atividade em todos os sectores da vida, visível no artigo a priori mencionado, contudo essa realidade tente a atenuar-se, não só pelo facto de Portugal pertencer a Organizações Internacionais como pelo facto da própria conjuntura económico- financeira, nascendo uma administração pública que executa atos administrativos denominados como ato administrativo com eficácia em relação a terceiros, não sendo mais que uma junção do ato administrativo desfavorável (poder coação) com o ato administrativo favorável (prestador).
Em suma, apesar do Estado apresentar uma estrutura tripartida dos poderes, estes cofundem-se muitas vezes, não sendo nítida a sua distinção, como muitas vezes não é nítida a distinção entre Direito privado e Direito Público, que só se torna mais explicita devido à existência do Tribunal Administrativo.
Ao que concerne à atuação do Estado, não é mais do que como um Leviatã, que tudo domina, não mudou, o Estado interfere em todas as áreas, sociais, culturais, económicas e mesmo pessoais ex. do Casamento, podemos concluir que tal facto é necessário de modo a garantir a civilização, a vigência de valores e da continuidade da sociedade.
A teoria de Thomas Hobbes não se dissipou no tempo, ela meramente sofreu algumas mutações ao longo da história, se não se vislumbra, existe uma clara miopia no Direito administrativo.

Bibliografia
Amaral, Diogo.(2016) Curso de Direito administrativo Vol. I
Fernandes, António. (1988) Os fenómenos políticos – sociologia do poder. Edições Afrontamento
Lara, António. (2009) Ciência politica – Estudo da ordem e da subversão. Editora: ISCSP
Rebelo, Marcelo. Direito administrativo geral -Introdução e princípios fundamentais
Silva, Vasco. (2016). Em busca do ato administrativo perdido. Editora: Almedina
Torres, António. Breve história das instituições e a formação do Direito Português




[1] Lei aqui tem um sentido simbólico, metafórico. Não significando Lei na conceção jurídica.


Discente: Marta Barão nº 57219 
2º ano turma B Subturma 14

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