A miopia no Direito Administrativo e
a permanência do Leviatã
Seguindo uma doutrina
contratualista, que pode ser apreciada nas obras de Hobbes, Espinosa, Locke,
Rousseau, que encara o Estado como um instrumento de garantia da civilização,
da vigência de valores e da continuidade da sociedade, ou mesmo da
possibilidade da existência e construção de uma, incluído os elementos
território e população, sendo estes imprescindíveis, podemos encara a posição
de Thomas Hobbes como uma corrente que se tem, de certa forma, mantido ao longo
da história, neste prisma o Estado seria uma organização como “um Deus mortal
que assegura, sob o império do Deus imortal, a nossa paz e a nossa defesa”,
apesar da contraposição de Carl Schimitt, o qual afirma que “o Estado não é um
conceito universalmente válido para todas as épocas e espaços, mas um conceito
concreto que apenas surge quando aparece a ideia e prática de soberania”, concluímos
que o Estado apear de ter sofrido variadíssimas evoluções ao longa da história,
a sua função principal foi e irá sempre ser a de perpetuar a paz e defesa. Sem
segurança não existe civilização, mas sim um estado de natureza ou um reino
selvático onde impera o mais forte sobre o mais fraco, onde a luta pela
sobrevivência é “regulada pela lei da força”[1], onde impera a desordem.
Cerrámos deste modo que o Estado é uma
comunidade humana que se atribui com êxito o monopólio do uso legitimo da
força, essa força pode ser empregue tanto por uma coação psicológica e moral (a
criação de uma lei que sancione determinada conduta com uma coima) como por uma
coação física (ser sancionado a pagar uma coima), está aqui empregue o contrato
social, pelo qual é criado o Estado e são cedidos direitos individuais a favor
da sua soberania.
Thomas Hobbes expõe-nos o
que seria um estádio de sociedade, este comportaria a existência de um pacto
social gerador de um poder político forte; a renuncia em favor do Estado de
parte dos direitos em favor da salvaguarda efetiva da outra parte, o medo
recíproco é a causa desta subversão individual geral ao Estado; a renuncia é
permanente e sustentada pelo referido pacto
sine qua non; o Estado teria como fim primeiro assegurar a Paz; o poder do
Estado é supremo, ilimitado e indivisível (Lara, 2009).
Dos factos expostos por
Hobbes o que nos apresenta como contestável na nossa atual civilização seria o
ultimo - o poder do Estado é supremo, ilimitado e indivisível. O Estado tem
limites e é divisível, pelo menos os poderes que comporta, seguindo a teoria de
Montesquieu da tripartição dos poderes como forma de equilíbrio interno do
Estado (Liberal), repartindo as competências entre os poderes: Legislativo;
Executivo (ou Político onde caberia neste o executivo); Judicial, originando o
principio supra summa da separação de poderes, consagrado no nosso ordenamento
jurídico através do artigo 2º da CRP, contudo tal teoria não tem tal separação
teórica aplicada integralmente em questões da realidade prática, como fonte de
exemplo a possibilidade do poder executivo
legitimamente criar atos consagrados ao poder legislativo, como exemplo
a criação de DL pelo Governo.
Outras questões
relevantes levantadas por Hobbes e inteiramente desatualizadas são a do Estado
estar por cima das suas próprias leis, sendo tal facto inconstitucional no
nosso ordenamento jurídico por força do principio da legalidade previsto do
artigo 3º da CRP; o Direito resultar do Estado e este determinar a justiça, o
Direito resulta do Estado, porém do seu poder legislativo e não do Estado como indivisível,
já a justiça é ditada pelos Tribunais, órgão independente, ou seja, pelo poder judicial, que está unicamente sujeito à
lei, perante o artigo 203º CRP. A questão do Direito e do estado se apoiarem na
força, já é um ponto discutível, analisando esta afirmação aprofundadamente
podemos daqui retirar não mais que o próprio princípio da legalidade
anteriormente liquidado pelo próprio Hobbes, o Estado apenas consegue ter força
e prosseguir os seus fins pela força que o próprio Direito lhe confere, o Direito
e o Estado tem de “andar de mão dadas” não só para a prossecução dos fins deste
mesmo Estado como para a permanência da vida civilizacional que é conferida aos
privados pelo próprio Direito, mas num ramo privado, e neste âmbito igualmente
a própria Administração Pública através da criação do ato administrativo.
Desta ótica já se pode
retirar a principal função da Administração Pública e por sua vez retirar as
linhas condutoras do que o seu direito deva abranger, a execução do monopólio
da coação legitima , sem esta o Estado não poderia garantir a paz e a defesa
dos seus cidadãos e numa teoria circular, só com esta o poderia realizar,
reconhecendo que é o uso legitimo da força que confere a coerência e a
qualidade especial que o próprio aparelho do Estado possui, epilogando, a segurança deve afigurar o principal
interesse público a ser prosseguido, e como tal o principal fim não só do
aparelho do Estado como em particular da própria Administração Pública, artigo
266º/1 CRP, essa ação coerciva é possível de ser executada desde já pelo ato
administrativo (como manifestação da vontade da administração pública que tenha
por finalidade adquirir, modificar, extinguir, declarar direitos ou impor
obrigações nas suas relações jurídicas, desde logo com os particulares, sempre
de acordo com a persecução do interesse público), esse ato aqui analisado por
alguns autores como desfavorável.
Defendendo um atualismo “Hobbesiano”
e apreendendo estudos de Singmund Freud,
que nos demonstra através da psicanálise que o Homem possui certos sintomas
neuróticos e que este, em determinadas circunstâncias, o pode utilizar para
obter certos fins ou para satisfazer necessidades instintivas, o individuo
transporta em si durante toda a vida uma «ambivalência de sentimentos» que o
potencia para ações contraditórias, nestes sentimentos radica a tendência para
o exercício do poder nas relações sociais e nos conflitos entre povos. Podemos
retirar duas ideias essenciais para a prossecução do Estado e para a execução
da Administração publica:
1. Possuindo
o Ser Humano estes sintomas neuróticos e de dominação, nunca em circunstancia
alguma podemos defender um Estado absoluto, de centralização de poderes e que
esteja a cima das próprias leis, neste ponto a teoria de Hobbes é inconcebível,
a separação de poderes fornece a ideal segurança aos cidadãos, não entre os
próprios, mas entre estes e a máquina estatal;
2. Possuindo o Ser Humano estes sintomas
neuróticos e de dominação, o Estado como sistema onde está vinculada a
separação de poderes, é o único que pode assegurar a segurança geral e a paz,
desde modo deve possuir o poder de coação e a execução do mesmo pela
Administração Pública através dos atos administrativos, de modo a perpetuar o
interesse público fundamental, a segurança.
Após a existência de
segurança potencializada pelo Estado e executada pela Administração pública,
seguindo a teoria da pirâmide de Maslow numa interpretação lata e
incorporando-a no prisma social, passaremos para outras necessidades, as quais
o Estado deve garantir para o continuo desenvolvimento social e civilizacional.
O Estado atual não só tem como função a prevalência da segurança tal como
outros interesses públicos de âmbito social, cultural e económico entre mais,
ex vi do disposto do artigo 9º da CRP, onde ainda se retira a particular
essência de Estado prestador, na qual a sua administração pública tinha uma
execução de atos administrativos, para alguns autores tidos como favoráveis, aliás, é graças a nossa
constituição de 1976 que se dá uma automatização
da função administrativa e a jurisdição dos tribunais administrativos.
Nos nossos dias surge-nos
um Estado já não só prestador, mas igualmente regulador e fiscalizador com uma
Administração de infraestruturas, que tende a ocupar-se praticamente de tudo,
desenvolvendo a sua atividade em todos os sectores da vida, visível no artigo a
priori mencionado, contudo essa realidade tente a atenuar-se, não só pelo facto
de Portugal pertencer a Organizações Internacionais como pelo facto da própria
conjuntura económico- financeira, nascendo uma administração pública que
executa atos administrativos denominados como ato administrativo com eficácia
em relação a terceiros, não sendo mais que uma junção do ato administrativo
desfavorável (poder coação) com o ato administrativo favorável (prestador).
Em suma, apesar do Estado
apresentar uma estrutura tripartida dos poderes, estes cofundem-se muitas
vezes, não sendo nítida a sua distinção, como muitas vezes não é nítida a
distinção entre Direito privado e Direito Público, que só se torna mais
explicita devido à existência do Tribunal Administrativo.
Ao que concerne à atuação
do Estado, não é mais do que como um Leviatã, que tudo domina, não mudou, o
Estado interfere em todas as áreas, sociais, culturais, económicas e mesmo
pessoais ex. do Casamento, podemos concluir que tal facto é necessário de modo
a garantir a civilização, a vigência de valores e da continuidade da sociedade.
A teoria de Thomas Hobbes
não se dissipou no tempo, ela meramente sofreu algumas mutações ao longo da
história, se não se vislumbra, existe uma clara miopia no Direito
administrativo.
Bibliografia
Amaral,
Diogo.(2016) Curso de Direito administrativo Vol. I
Fernandes,
António. (1988) Os fenómenos políticos – sociologia do poder. Edições
Afrontamento
Lara,
António. (2009) Ciência politica – Estudo da ordem e da subversão. Editora:
ISCSP
Rebelo,
Marcelo. Direito administrativo geral -Introdução e princípios fundamentais
Silva,
Vasco. (2016). Em busca do ato administrativo perdido. Editora: Almedina
Torres,
António. Breve história das instituições e a formação do Direito Português
[1] Lei aqui
tem um sentido simbólico, metafórico. Não significando Lei na conceção
jurídica.
Discente: Marta Barão nº 57219
2º ano turma B Subturma 14
No comments:
Post a Comment