Tuesday, November 14, 2017

O encerramento do K Urban Beach por parte do ministério da administração interna.



Na passada madrugada do dia 1 de novembro, ocorreu um incidente junto ao recinto do K urban beach, no qual os seguranças do respetivo local agrediram violentamente dois jovens que nada fizeram para justificar tais atos de violência, despoletando, consequentemente, vários problemas jurídicos sendo o principal da minha análise o encerramento do espaço noturno por parte do ministério da administração interna, por um período que pode ir até seis meses. O encerramento teve como fundamento, não só o ato de violência acima referido, mas também outras 38 queixas de violência e discriminação, feitas pelos frequentadores do espaço. Dito isto, os problemas que caberão na minha análise são: a diferença entre direito público e privado, a atuação da administração pública, e a respetiva competência e por ultimo uma apreciação geral.
            Em primeiro, importa definir se estamos perante uma situação de direito público ou direito privado. À primeira vista, a situação acima referida, afigura-se exclusivamente ao direito privado, visto que os protagonistas são dois privados (critério do sujeito), e na verdade tem um grande componente, como por exemplo a questão da responsabilidade civil entre outras, mas será que vai para além do direito privado e passa para a esfera do direito público?
No caso em concreto, é determinante definirmos se o interesse por detrás da situação será exclusivamente privado? A resposta é, claramente, que não, com base no artigo 4º do CPA, para além do interesse dos agredidos, existem vários interesses da ordem pública legalmente protegidos, como por exemplo, o de segurança para quem frequenta a vida noturna de lisboa, estabilidade social, a discriminação entre outros, e compete aos órgãos da administração pública atuar. A discoteca já esteve alegadamente envolvida em inúmeras situações como esta, não tomando nenhuma medida para combater estes abusos, surgindo constantes reincidências, até ao ponto gravoso que se constatou no vídeo, causando um enorme impacto social.
Ainda neste tema pode surgir a questão de saber se podemos considerar o encerramento do espaço noturno um verdadeiro interesse social, tendo em conta o numero reduzido de pessoas que frequentam esses espaços, mas também isto é de resposta fácil pois não há um numero mínimo de pessoas exigível para se considerar interesse geral da sociedade, há interesses que abrangem mais pessoas e outros menos pessoas, mas não deixam de ser gerais, e neste caso é claramente um interesse social, pois está aqui em causa a segurança da comunidade que é afetada direta ou indiretamente, e mesmo a própria reputação da cidade tendo em conta que também houve vários turistas vitimas dos abusos, podendo assim vir a afetar o turismo.
Em suma, através do princípio do fim, aparentemente, podemos concluir que isto é um problema de ordem pública mas existem outros critérios que devem ser analisados porque este apesar de útil é muito vago, por isso passaremos a análise do princípio da legalidade.
Este princípio tem um enorme relevo nestas situações sendo considerado por muitos professores o critério determinante, eu próprio assim o considero. Os privados gozam de liberdade contratual e é permitido a busca de um interesse particular enquanto o direito público tem o seu poder concentrado na lei, ou seja, com base no artigo 3º do CPA, o poder público apenas pode atuar quando existir uma lei que o permita. É imposta à administração pública um interesse publico mas esta não tem a autonomia para decidir qual é esse interesse, quem tem essa função é o poder legislativo, e a administração não pode ir para além disso. No fundo este critério engloba o outro, pois é na lei que se pode encontrar o verdadeiro interesse publico.
Voltando ao caso em análise, quem encerrou a discoteca foi o ministério da administração interna, e já concluímos que era um interesse geral, mas como foi referido anteriormente, para uma análise mais eficaz, é uma norma que define se o MAI tinha atribuição para tal, que no fundo é o fim que o órgão (ministro da administração interna) tem que seguir. Ao analisar o decreto-lei 126-B/2012, cabe ao ministério da administração interna a formulação, coordenação, execução e avaliação das políticas de segurança interna” e com base no artigo segundo alínea c) e f) podemos concluir que o ministério público tem atribuições para tomar medidas nas situações que ponham em causa a segurança prevenindo estes atos.
A próxima fase é encontrar uma norma de competência ou um princípio para a forma de como a administração deve atuar e as devidas sanções a aplicar. Para o caso em concreto há uma norma que é invocada ao agir. O MAI encerrou o K urban beach ao abrigo do decreto-lei 316/95 artigo 48 que dá competência para atuar e define com extrema clareza as medidas a tomar em casos de violação da ordem ou da tranquilidade pública, situações que se constataram na madrugada de quarta-feira, devendo o direito publico atuar com autoridade, sobrepondo o interesse publico ao interesse privado (principio da supremacia do interesse publico).
Ao analisar o artigo 48 do Decreto-lei acima referido, averiguamos que foram respeitadas todas as exigências do número 1 e do número 2 do artigo pois o despacho declarava o encerramento e as respetivas indicação dos condicionamentos a satisfazer para reabertura do espaço.
A minha análise ao caso é que houve certamente uma violação clara de direitos fundamentais estabelecidos na CRP pondo em causa a segurança pública e apesar da discoteca se tentar legitimar nestas acusações também é uma parte importante e responsável. Mesmo que os delitos não ocorram nas instalações da discoteca, os seguranças prestavam serviços à discoteca e quando a policia chegou refugiaram-se no interior da mesma, para piorar a situação existem mais 38 queixas de violência e discriminação que foram feitas que fundamentam esta acusação, e todo este conjunto, obriga a administração a tomar medidas de prevenção de atos futuros deste cariz visto que a discoteca neste período nada fez, e se não forem tomadas medidas por parte da administração estas condutas continuarão a ser frequente, como tem acontecido, podendo a própria administração vir a ser responsabilizada visto que não tomou as medidas que lhe competiam numa situação em que não se estava a respeitar as licenças atribuídas, o que gera um outro problema que será abordado mais a frente. A empresa de segurança (PSG) também terá de ser fiscalizada por parte da administração publica, pelas mesmas razões, com objetivo de garantir o mesmo fim da situação anterior, mas cabe, exclusivamente, ao direito publico a fiscalização para garantir este cumprimento que refletir-se-á numa maior segurança publica a todos os níveis.
Mas esta é uma situação muito sensível que merece um cuidado redobrado para que não se volte a repetir, não apenas com a discoteca, mas também com a PSG, empresa contratada para garantir a segurança, em ambas as situações existem licenças atribuídas pela administração publica autorizando o funcionamento das empresas nas respetivas atividades pois cumpriram todos os requisitos exigidos para que a licença seja atribuída, e mesmo que, durante o encerramento do K urban beach, esses requisitos sejam novamente cumpridos e o local seja reaberto, há que manter um acompanhamento mais sólido, para que situações destas nem sequer tenham margem para acontecer e não seja necessário chegar outra vez a um ponto tão extremo para ter que tomar medidas devido às empresas deixarem de respeitar a lei, dito isto, situações como estas, exigem uma fiscalização constante e apertada por parte dos serviços competentes que, com base no artigo 50 do Decreto-lei 316-95, são a PSP e a GNR, são considerados serviços do órgão, pois ajudam o órgão a chegar aos seus objetivo visto que é impossível a todos os níveis fazê-lo por si só.
Importa aqui salientar que estas empresas, como já foi referido anteriormente, funcionam ao abrigo das licenças que lhes são atribuídas pelos poderes públicos certificando que cumprem todos os requisitos necessários para que haja um funcionamento do estabelecimento sem qualquer problema nem prejuízo para a população. Dito isto até se pode por a questão de saber até que ponto a própria administração pública não é responsável perante esta situação.
A licença serve como um meio de controlo administrativo de atividades privadas, ao preencher todos os requisitos legais para que a licença possa ser emitida a administração fica com o dever de o fazer atribuindo um direito que até ai era proibido pela lei. Se o processo da emissão da licença respeitar todas os requisitos, a administração publica não ficará responsável por qualquer ato daí resultante porque cumpriu todas as obrigações, sendo depois o seu único dever a fiscalização para manter a segurança visto que nada garante que a empresa continua a respeitar as regras, e se esta for feita em condições, também não se pode responsabilizar por qualquer infração dai resultante, por exemplo, uma pessoa obtém a licença de condução pois mostrou-se apto para tal, mas nada garante que durante o período de validade da licença respeite sempre as regras do código da estrada e é para isso que existe a fiscalização por parte das entidades competentes. E se o singular se mostrar infrator ser-lhe-á retirada a licença temporariamente ou, em casos extremos, definitivamente, com o objetivo de melhorar a segurança dos outros condutores. Por isso, chegamos à conclusão que a administração não é responsável por qualquer atos realizados, supondo que foram tomadas todas as precauções na entrega da licença e depois feita uma fiscalização devida às empresas aqui em causa, ficando com o dever de tomar as respetivas medidas.
Mas claramente não será justo, e, a meu ver, vai contra o princípio de proporcionalidade (artigo 7º do CPA), cessar por completo as licenças de utilização. Estamos perante empresas de grande dimensão com um numero elevado de funcionários e não será correto tomar tal decisão com base apenas no comportamento de três seguranças, é imperativo que se dê oportunidade a uma restruturação da segurança e de medidas para que as empresas voltem a funcionar dentro dos limites das leis, e não à margem da mesma, como se tem observado. As medidas a serem tomadas serão estipuladas pela PSP e depois de estas estarem todas verificadas e voltarem a cumprir as exigências das licenças poderão ter as respetivas licenças de volta, reabrindo o espaço (Artigo 48 nº2).

Cristian Ghitu, 56856

Monday, November 13, 2017

Organização Administrativa- As pessoas coletivas públicas e os órgaos administrativos


Atendendo a uma perspetiva jurídico-administrativa das relações da Administração, interessa centrarmo-nos particularmente nos sujeitos a quem cabe a satisfação das necessidades coletivas e os órgãos que as constituem e que manifestam a vontade que lhes é imputável.
A relevância do estudo das pessoas coletivas públicas prende-se assim, em primeira linha, com o facto de em sistemas jurídicos como o nosso, elas desempenharem um papel fundamental na representação da Administração Pública nas suas relações administrativas. Como tal, um primeiro enquadramento que, a meu ver, importa ser traçado tem precisamente que ver com a definição deste conceito atendendo à forma como este tipo de pessoas coletivas se separa das já conhecidas pessoas coletivas privadas.

Como nos começa por alertar o Professor Diogo Freitas do Amaral, à partida, é importante eliminar algumas conceções erradas acerca da potencial distinção entre as duas figuras. A primeira passa por tornar claro que a base da distinção entre ambas nada tem que ver com o facto de uma atuar sobre o regime de Direito Público e outra sob Direito Privado. Muito pelo contrário, é perfeitamente possível existirem situações em que uma pessoa coletiva pública atue sujeita a regras de Direito Privado e vice-versa, casos em que as privadas também poderão atuar segundo um regime de Direito Público. Consequentemente, a outro aspeto fundamental passa por reconhecer, logicamente, que a pessoa coletiva pública terá assim uma capacidade jurídica tanto pública como privada, sendo que, por semelhança, a pessoa coletiva privada terá capacidade jurídica não só privada mas também pública.
Afastada esta configuração, vários são os critérios propostos pela doutrina a fim de traçar a divisão entre as duas figuras, que se fundam nos seguintes aspetos:
·         Iniciativa de criação
·         Fim prosseguido
·         Capacidade jurídica 
·         Regime jurídico global aplicável
·         Subordinação ao Estado
·         Obrigação de existência
·         Exercício ou não da função administrativa

Analisando a posição sustentada pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, esta centra-se na adoção de um critério misto, conjugando a criação, o fim e a capacidade jurídica da pessoa coletiva enquanto critérios. Assim, serão na sua opinião, pessoas coletivas públicas, as “criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos.”
Em detalhe, significa isto que a pessoa coletiva pública nascerá sempre de uma decisão pública, pelo que a criação de Pessoas coletivas públicas nunca terá iniciativa privada. (critério da Iniciativa da criação)
Adicionalmente, terá uma finalidade exclusiva e necessariamente ligada à prossecução do interesse público, pelo que este interesse jamais poderá estar ausente das suas atribuições. Por oposição, o mesmo já não pode ser dito relativamente às pessoas coletivas privadas uma vez que, ainda que seja possível conceber situações em pessoas coletivas privadas procurem a satisfação do interesse público, essa prossecução far-se-á sempre em termos distintos dos das Pessoas Coletivas Públicas. Essas poderão ou não escolher a satisfação do interesse público como fim, podendo em simultâneo ter em vista interesses privados. Acrescenta-se ainda o facto de muitas vezes essa prossecução de interesses públicos estar sujeita a uma fiscalização por parte da Administração. (critério do fim)
Por fim, as pessoas coletivas públicas serão, em nome próprio, titulares de poderes e deveres públicos. Entidades privadas de interesse público não se enquadram neste critério, por exemplo sociedades concessionárias que apesar de poderem exercer poderes públicos, e serem dotadas de autoridade, fazem-no em nome da Administração e não em nome próprio. (critério da capacidade jurídica)

CATEGORIAS DE PESSOAS COLETIVAS
Tentando agrupar as várias categorias de pessoas coletivas públicas podemos fazê-lo da seguinte forma:
                                 i.            Pessoas coletivas públicas de tipo territorial: correspondem ao Estado, às Regiões autónomas e às Autarquias Locais

                               ii.            Pessoas coletivas de tipo institucional: incluem as diversas espécies de institutos públicos

                              iii.            Pessoas coletivas públicas de tipo associativo: correspondem às Associações públicas

REGIME JURÍDICO
Perante a inexistência de um único regime, uniforme e aplicável a todas as pessoas coletivas públicas, resta-nos concluir que o regime dependerá da legislação especial aplicável a cada caso específico.
Por exemplo, as autarquias locais partilham um regime semelhante que lhes é aplicável nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei da Autarquias Locais (Lei 169/99, de 12 de Setembro). Por sua vez, no caso dos Institutos Públicos, apesar de existir uma Lei-Quadro, é mais relevante observar cada caso isoladamente, havendo variações no regime aplicável conforme as respetivas leis orgânicas.
Por regra e no geral, podemos afirmar que nestes regimes jurídicos são fixados os pressupostos da criação e extinção da pessoa coletiva; a capacidade de direito privado e património próprio; a capacidade de direito público; a autonomia administrativa e financeira; as isenções fiscais; o direito de celebrar contratos administrativos; a possível titularidade de bens de domínio público; os funcionários públicos; a sujeição da pessoa coletiva a um regime administrativo de responsabilidade civil distinta da regulada no Código Civil; a sujeição a tutela administrativa; a sujeição ao controlo pelo Tribunal de Contas e a sujeição à jurisdição dos Tribunais Administrativos.



ÓRGAOS ADMINISTRATIVOS
Sendo a pessoa coletiva destituída de uma existência física, há então que estudar os órgãos administrativos responsáveis pela manifestação e imputação de vontade à pessoa coletiva, a quem cabe tomar decisões em nome dela.
Nas palavras de Jorge Miranda, um órgão “é um centro autónomo institucionalizado de emanação de uma vontade que é imputada à pessoa coletiva pública”[1]
Todavia, a respeito da natureza dos órgãos das pessoas coletivas, duas conceções dividem a doutrina:
           i.            Defendida por Marcello Caetano, considera os órgãos instituições
         ii.            Defendida por Afonso Queiró e Marques Guedes, opõe-se à anterior, sustentando que os órgãos são os indivíduos

Já Freitas do Amaral ultrapassa esta dicotomia, distinguindo para esse efeito órgãos, sob uma perspetiva de teoria de organização administrativa, identificando-as com as instituições, ao passo que órgãos já serão os indivíduos sob uma teoria de atividade administrativa.

Para terminar, para uma mais abrangente compreensão das vicissitudes das pessoas coletivas públicas e dos órgãos que as representam, cumpre ainda fazer uma breve referência às muitas classificações possíveis de órgãos das pessoas coletivas públicas, cingindo-me apenas às mais importantes:
         i.            Singulares e colegiais (número de titulares)
       ii.            Ativos, consultivos e de controlo (tipos de funções exercidas)
      iii.            Permanentes e temporários (quanto à duração)
     iv.            Órgãos representativos e não representativos (quanto à forma de designação)
       v.            Simples e complexos (modo de funcionamento)


Para concluir, temos pois assim razões suficientes para traçar uma linha divisória entre a natureza das pessoas coletivas públicas e as privadas atendendo a uma multiplicidade de critérios, desde a criação aos fins da própria pessoa coletiva, atendendo ainda aos regimes jurídicos distintos aplicáveis respetivamente a uma e outra, observando ainda os órgãos administrativos que as constituem, havendo que reconhecer porém, em certa medida, algumas estruturas básicas de semelhança.




BIBLIOGRAFIA:
DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015
JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, «Introdução ao Direito Administrativo», 12ª edição, Âncora, Lisboa, 2016
JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS/FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «Noções Fundamentais de Direito Administrativo», 2ª Edição, Almedina, 2011




 Ricardo Ferreira
57016








[1] Neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo V

Saturday, November 11, 2017

O abandono da presunção de legalidade do atos administrativos


No presente artigo, iremos abordar a evolução do direito da administrativo, na perspectiva em que se verifica um maior controlo por partes dos tribunais administrativos e tributário relativamente ao controlo da legalidade dos atos da administração e, subsequentemente, o abandono da presunção de legalidade dos atos administrativos.

Cabe então, primeiramente, definir o Princípio da Legalidade. Este princípio basilar do Estado de Direito encontra hoje positivação no art. 266.º nº2 da CRP e no art. 3.º CPA. Da interpretação destes preceitos infere-se que toda a organização administrativa encontra-se vinculada aos termos da Lei, uma vez que os órgãos da Administração Pública devem atuar dentro dos limites estabelecidos da lei, sendo que os seus poderes são conferidos pelas normas de competência que se destinam a prosseguir o interesse público. Este princípio está intimamente ligado à exigência de precedência de lei, de acordo com a qual o exercício de podes administrativos pressupõe a existência de uma base normativa que radica os efeitos jurídicos a introduzir. Assim a lei é o limite, o pressuposto e o fundamente de toda e qualquer atuação administrativa. Para toda e qualquer atuação administrativa é necessário que exista uma norma de habilitação, que legitime a ingerência da administração na vida dos particulares. O princípio da legalidade constitui a principal garantia dos particulares, ao implicar a total submissão da Administração ao tal bloco de legalidade.

No nosso ordenamento jurídico, a fiscalização da constitucionalidade cabe essencialmente aos órgãos jurisdicionais. Porém, a Assembleia da República, nos termos do art. 162.º a) CRP tem também competência genérica para vigiar o cumprimento da Constituição. Mas de facto, é essencialmente aos tribunais que compete o poder-dever de apreciar a inconstitucionalidade, conforme o art. 204.º CRP.  Assim, conforme tudo o que foi anteriormente exposto, sempre que a administração atue fora dos parâmetros concedidos pela norma, o ato administrativo é nulo nos termos do artigo 161.º do CPA. Quando tal sucede, podem os particulares recorrer aos tribunais de forma a assegurarem o controlo da legalidade e cumprimento do ato administrativo devido, nos termos do artigo 268.º nº3 CRP.

É necessário recordar que nem sempre a Administração esteve sujeita a uma fiscalização por parte de outros órgãos. Mais uma vez, denotamos, na presente matéria, um “trauma de infância do Contencioso Administrativo”. Em razão do princípio da separação de poderes, o juiz não poderia anular os atos administrativos devido a uma presunção de legalidade dos atos, corolário de uma Administração autoritária. Surge então uma nova concepção do principio da legalidade e o entendimento do poder discricionário como modo de realização do direito. No Estado Social o principio da legalidade passa a ter duas dimensões: a negativa e a positiva. A dimensão negativa, já anteriormente reconhecida, surgia como a simples limitação da Administração de agredir a esfera privada dos particulares, isto é, a “reserva de lei”. No período do Estado Liberal, esta passa a ter uma dimensão positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa. Assim, a administração fica vinculada não só à Constituição mas também aos princípios gerais de direito, a normas internacionais, a disposições de carácter regulamentar, etc. Com a revisão de 1997, a administração fica sujeita ao controlo de legalidade por parte dos tribunais, sendo a “determinação da pratica de atos administrativos legalmente devidos”, uma componente essencial do principio da tutela jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares na sua relação com a administração (art. 268.º nº3 CRP).

Tradicionalmente, era entendido pela doutrina que a administração beneficiava de uma presunção de legalidade. Tal afirmação resulta historicamente, como refere Rui Chancerelle de Manchete do “labor dos juristas que no seu afã criador de descobrirem e tornarem operacional a estrutura constitucional do Estado Liberal oitocentista”[1] de forma a explicar e dar coerência ao sistema erguido ao longo do século. Contudo, entende-se que esta presunção de legalidade de atos administrativos foi abandonada.

A construção da presunção da legalidade assenta no pressuposto de que os atos anuláveis são desconformes às normas por ele impostas, sendo que o ordenamento jurídico não lhe pode atribuir relevância sem considerar que, primeiramente, estes possam ver válidos. Contudo, entendo que hoje em dia tal afirmação não é procedente. O ordenamento português prevê-se a existência de atos nulos, que não impõem o acatamento de tais atos, visto que se reconhece aos interessados o direito de resistência passiva perante eles. É neste panorama que se entende que os atos administrativos anuláveis não produzam efeitos, quando praticados em desconformidade com os parâmetros de legalidade previstos na norma.

A superação do entendimento que os atos administrativos anuláveis não lhes pode atribuir relevância sem eventualmente considerar que possa ser válidos, reside numa opção deliberada do ordenamento jurídico. Isto é, o ordenamento opta por integra no sistema as situações consideradas menos gravosas de desconformidade, através de uma configuração especifica de relevância jurídica. Só através da anulação é que os efeitos produzidos pelo ato podem ser desconsiderados. Ora a anulação é um efeito que cuja verificação é possível logo desde o início. O que sucede é que a sua verificação encontra-se suspensa ou pendente, uma vez que desde logo surge na esfera jurídica do particular um direito ou interesse legalmente protegido de fazer valer a sua invalidade. Este direito subjetivo ou interesse legalmente protegido, pode e deve ser reconhecido perante os tribunais, uma vez que a atuação da administração, apesar de não ter a conduta mais gravosa (nulidade), está ferida de uma ilegalidade que deve ser assegura nos termos do art. 3.º CPA.

Tenho que concordar quanto ao abandono desta presunção por diversas razões. Primeiramente, penso que esta ideia de presunção de legalidade estava relacionada com a concepção de Administração antes do Estado Social. Sucede que na altura, verificava-se uma Administração fortemente autoritária, cujos os atos não eram, nem podiam ser postos em causa. Primeiro, porque os tribunais descartavam a competência para julgar assuntos de carácter administrativo, visto que proclamavam a sua incompetência em tais matérias. Segundo, pelo postulado do Princípio da Separação de Poderes, não podiam outros órgãos ingerir-se nos poderes e funções da administração.
Ora, como foi anteriormente referido, a Constituição de 1976 vêm atribuir competências aos tribunais no controlo de legalidade e na tutela jurisdicional efetiva plena dos particulares contra administração. É, assim, hoje em dia reconhecido que administração não é o ser omnipotente que tudo faz sem sofrer qualquer consequência.
Quanto à questão em torno dos atos anuláveis, visto que considero que não se levanta qualquer problema no que toca aos atos nulos, concordo com a corrente que refere que desde o início que o atos está ferido de uma ilegalidade e que não é necessário considera-los válidos para que essa desconformidade possa ser em causa. Para além disso, como é que é possível considera-los válidos, quando é algo que inexiste logo à partida?
Desde o seu nascimento que o ato administrativo anulável não corresponde aos pressuposto concretizados pela norma de competências. Assim, desde o momento da prática do ato que os particulares lesados pela administração possuem na sua esfera jurídica um direito subjetivo de forma a obter a vinculação da administração à prática do ato legalmente devido.



Bibliografia

RUI CHANCERELLE DE MACHETE, “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos atos administrativos”, in Estudo de Homenagem ao Professor Doutro Pedro Soares Martinez, vol. I, Coimbra, 1999.


PEREIRA DA SILVA,VASCO, Em busca do Ato Administrativo.

AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Teoria Geral do Direito Administrativo, O novo regime do Código de Procedimento Administrativo, 3ª Edição, 2016, Almedina.



Trabalho Realizado por

Inês Lopes

Nº26710

[1] RUI CHANCERELLE DE MACHETE, “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos atos administrativos”, in Estudo de Homenagem ao Professor Doutro Pedro Soares Martinez, vol. I, Coimbra, 1999.