A temática em que vai incidir esta
exposição é relativa ao Recurso Hierárquico como garantia administrativa dos
particulares. Quando nos referimos a garantias dos particulares, estamos a
falar de instrumentos/meios criados pela ordem jurídica com o destino de evitar
ou sancionar, as ofensas dos direitos subjetivos, as violações do direito
objetivo ou dos interesses legítimos dos particulares. Deste modo, irei também abordar
os temas das Garantias Administrativas, das Garantias Impugnatórias como forma
de contextualização do Recurso Hierárquico.
Começando pelas Garantias Administrativas, também
chamadas de garantias graciosas, são efetivadas através da atuação e decisão de
órgãos da Administração Pública, ou seja, só depois disso é que produzem o seu
respetivo efeito. Dentro da Administração, existem mecanismos de controlo da
sua atividade, como por exemplo, os controlos tutelares e hierárquicos que são
criados por lei, com o intuito de assegurar o respeito pela legalidade (artigo
3º do CPA), a observância do dever de boa administração (artigo 5º do CPA) e,
por fim, o respeito pelos direitos subjetivos e interesses legalmente
protegidos dos particulares.
Por outro lado, podemos definir as
Garantias Administrativas em três maneiras diferentes. Em primeiro lugar as garantias preventivas ou reparadoras, em
segundo lugar as garantias do direito objetivo
ou garantias dos interesses legítimos dos particulares, em último lugar as garantias de legalidade ou de mérito.
No que concerne, às garantias
preventivas ou reparadoras, visam evitar violações por parte da Administração
Pública (garantia preventiva) ou repará-las (garantia reparadora), através da
eliminação dos atos ilegais que sejam praticados, aplicando sanções ou
concedendo indeminizações.
No que respeita, às garantias do
direito objetivo ou garantias dos interesses legítimos dos particulares, têm
como finalidade defender o ordenamento contra os atos ilegais da Administração
(garantias do direito objetivo) ou, por outro lado, defender os direitos
subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares contra a
atuação da Administração Pública que os prejudiquem ou violem (garantias dos
particulares).
No que tange, às garantias de
legalidade ou garantias de mérito, têm como principal objetivo prevenir ou
reparar ofensas à legalidade ou, por outro lado, aos critérios e regras de boa
administração que tenham que ser adotados.
Como referido na breve introdução,
após finalizada a exposição das Garantias Administrativas, incidirei agora
sobre as Garantias Impugnatórias.
Posto isto, quando se fala em Garantias Impugnatórias, podemos
defini-las como os meios de impugnação dos atos administrativos perante órgãos
da Administração Pública. Este tipo de garantias permite aos particulares impugnar um ato praticado pela administração com o objetivo da
sua revogação, anulação administrativa, modificação ou substituição. Importa
referir que este regime se encontra previsto nos artigos 165º e ss. do CPA.
Podemos concluir que, com as
Garantias Impugnatórias, concretiza-se a ideia de uma proteção do particular
contra o poder político, mais propriamente contra o poder administrativo, deste
modo, como meio de fazer valer a ideia de um Estado de Direito, concedendo aos
particulares mecanismos de impugnação dos atos administrativos como expressão da democracia.
No que diz respeito ao Recurso Hierárquico, consiste num meio
de impugnação de um ato administrativo, que tenha sido praticado por um órgão
subalterno, perante o respetivo superior hierárquico, com o objetivo de obter
deste (superior hierárquico) a revogação, modificação ou substituição do ato
recorrido. Podemos encontrar o regime do “Recurso Hierárquico” nos artigos 193º
e ss do Código do Procedimentos Administrativo. Porém, se o órgão subalterno
dispuser de competência exclusiva, apenas pode ser obrigado à prática do ato,
ficando excluída a possibilidade de se proceder ao recurso hierárquico.
O recurso hierárquico é
caracterizado pela sua estrutura tripartida:
- o recorrente - é o particular que interpõe o recurso;
- o recorrido - é o órgão subalterno de cuja decisão se recorre, órgão a quo;
- a autoridade de recurso - é o órgão hierarquicamente superior para o qual se recorre e que pode decidir o recurso, órgão ad quem.
Um dos requisitos necessários para
se proceder a um recurso hierárquico é, exatamente, existir uma hierarquia,
sendo também necessário que, o ato administrativo tenha sido praticado ou
omitido por um subalterno que não goze de competência exclusiva.
Importa referir também que, os
recursos hierárquicos podem ser classificados em recursos hierárquicos de legalidade, ou seja, o particular alega
como fundamento do recurso a ilegalidade do ato, em recursos hierárquicos de mérito, isto é, se o motivo for de mera
inconveniência do ato e, por fim, em recursos hierárquicos mistos, na medida em que o particular alega a ilegalidade e
inconveniência do ato, acaba por concretizar a “regra geral”, presente no
artigo 185º/3 do CPA.
Neste seguimento, os recursos
hierárquicos podem ainda ser classificados em necessários ou facultativos,
como podemos verificar no artigo 185º/1 do CPA. Porém, podemos retirar do nº2
do artigo 185º CPA que a regra geral é a de que os recursos hierárquicos são
facultativos.
Para procedermos à distinção entre
recurso hierárquico necessário ou facultativo, torna-se essencial clarificar a
noção de atos administrativos
verticalmente definitivos. Assim, os atos administrativos verticalmente
definitivos são aqueles que são praticados por autoridades cuja atuação permite,
diretamente, a impugnação perante um tribunal administrativo. Por outro lado,
existem os atos que não são verticalmente definitivos que, consequentemente,
não existe a possibilidade de serem diretamente impugnados junto dos tribunais
administrativos.
Posto isto, o recurso hierárquico
necessário, é aquele que é indispensável para se atingir um ato verticalmente
definitivo que possa ser impugnado contenciosamente. Contrariamnete, o recurso
hierárquico facultativo é o que respeita um ato verticalmente definitivo do
qual já cabe impugnação contenciosa.
O recurso tem que ser apresentado
ao órgão a quo, como refere o artigo
194º/2 de CPA, sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do
ato ou omissão, como nos mostra o artigo 194º/1 do CPA, apresentado a ressalva
da competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada.
A decisão do recurso hierárquico
pode ser de três tipos:
- Rejeição do recurso – verifica-se quando o órgão ad quem recusa receber e apreciar o recurso por questões de forma, como por exemplo a falta de legitimidade, extemporaneidade, entre outros (art. 196º CPA);
- Negação de provimento – verifica-se quando o julgamento do recurso, versando sobre questões de fundo, é desfavorável ao ponto de vista do recorrente. Equivale à manutenção do ato recorrido;
- Concessão de provimento – verifica-se quando a questão é julgada favoravelmente ao pedido do recorrente. Neste caso pode implicar a revogação, modificação ou substituição do ato recorrido, conforme o que tiver sido pedido pelo particular ou, além do pedido o órgão ad quem tiver competência decisória para, na defesa do princípio da legalidade ou prossecução do interesse público, poder ir mais longe. Por exemplo, o particular pede a revogação de um ato desfavorável, mas a Administração não se limita a fazê-lo, procede à sua substituição por um ato favorável, no todo ou em parte, ao recorrente.
Neste seguimento surge a questão de
saber se um recurso hierárquico concretiza um recurso tipo reexame ou um recurso tipo revisão.
Falamos de um recurso hierárquico
do tipo reexame quando se trata de um recurso amplo, em que o órgão ad quem (órgão hierarquicamente superior
- para quem se recorre) se substitui ao órgão a quo (órgão subalterno – recorrido), exercendo a competência
deste, ou idêntica, vai reapreciar a questão implícita ao ato recorrido,
podendo tomar sobre ela uma nova decisão de fundo. Neste tipo de recurso
hierárquico, o órgão ad quem vai
apreciar de novo a questão sobre a qual tinha incido o ato recorrido.
Por outro lado, quando falamos de
um recurso hierárquico do tipo revisão, um recurso mais restrito, o órgão ad quem não pode exercer a competência
do órgão a quo, não podendo exercer a
competência deste. Posto isto, o órgão hierarquicamente superior limita-se a
apreciar se a decisão recorrida foi ou não legal ou conveniente, sem ter a
possibilidade de poder tomar uma nova decisão de fundo. Deste modo, o órgão ad quem, vai apreciar se a decisão recorrida
foi bem ou mal tomada, mas nunca pode ser ele a decidir o caso.
Outra questão é colocada,
relativamente, à natureza jurídica do recurso hierárquico. Assim, trata-se de
saber se o recurso hierárquico é predominantemente
objetivo ou predominantemente
subjetivo, ou seja, saber se o recurso hierárquico é um instrumento
jurídico que visa a proteção da legalidade e do interesse público, ou visa
defender os direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares. Muito
sucintamente, saber se o recurso hierárquico é garantia da Administração ou dos
particulares.
Na opinião do Professor Diogo
Freitas do Amaral, a função do recurso hierárquico no nosso direito é
predominantemente objetiva. Importa referir que se trata de uma questão de
predominância, pois, o recurso hierárquico é, simultaneamente, uma garantia
objetiva (Administração) e uma garantia subjetiva (particulares), previsto no
artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.
No ordenamento Administrativo
português vigora ainda a reformatio in
pejus (reforma para pior). Esta expressão concretiza o seguinte: quando se
interpõem um recurso hierárquico, pode a situação do recorrente ficar agravada
pela decisão que vier a ser proferida sobre o recurso hierárquico. Por exemplo,
um particular interpõe um recurso hierárquico que não o favorece totalmente,
mas que até o favorece em parte. Na tentativa de recorrer para uma solução
melhor, está sujeito a que a decisão do superior hierárquico seja pior do que
aquela que foi tomada pelo órgão subalterno. Contrariamente ao que acontece em
processo penal.
Considera-se que é do interesse
geral fomentar os recursos como meio de aperfeiçoar a administração, bem como
as decisões finais sobre os casos controvertidos. Deste modo, a função
essencial do recurso hierárquico é mais a de garantia objetiva da legalidade e
do interesse público do que a de garantia subjetiva dos direitos subjetivos e
interesses legítimos dos particulares, se fosse ao contrário não faria sentido
que existisse a “reformatio in pejus”.
Em suma, resta-nos saber se o
recurso hierárquico se integra na função
jurisdicional ou na função
administrativa, mais propriamente as suas decisões e procedimentos. Em
primeiro lugar, importa referir que, o recurso hierárquico não é julgado por
nenhum tribunal, mas pelo superior hierárquico, ou seja, por um órgão de
Administração ativa. O recurso hierárquico é um meio utilizado para controlar
tanto a legalidade como as decisões administrativas. Posto isto, a
Administração visa a prossecução do interesse público, respeitando sempre o
princípio da legalidade, por outro lado, o autocontrolo do mérito é uma forma
de exercício da função administrativa.
Perante os argumentos apresentados,
podemos concluir que a decisão e procedimentos do recurso hierárquico se
enquadra no exercício da função administrativa.
Bibliografia:
Bibliografia:
- FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Reimpressão da 3 ed., 2017, Almedina
Pedro Maria Morgado da Conceição
Nº: 56884
No comments:
Post a Comment