Assim como se aprende no Direito Civil, a principal função do
instituto da responsabilidade civil é ressarcir ou indemnizar os prejuízos que,
segundo o curso normal dos acontecimentos, não deviam ter ocorrido. Indemnizar significa eliminar o dano
real sofrido, através da reconstituição in
natura. Não sendo possível a reconstituição, haverá que proceder à
reparação do dano por um sucedâneo ou equivalente pecuniário.
O caso em análise prende-se com uma realidade factual
ocorrida em novembro de 2017: a ocorrência de um surto de Legionella proveniente de uma das torres de
arrefecimento do Hospital São Francisco Xavier (HSFX), em Lisboa. Assim,
importa referir que a Legionella é
uma bactéria omnipresente em meio aquático, altamente contagiosa através da inalação de gotículas de água suspensas no ar que a
contenham e,
de acordo com a Direção-Geral de Saúde (DGS), “pode
existir em reservatórios naturais, rios e lagos, em reservatórios artificiais
como sistemas de água doméstica, humidificadores, torres de arrefecimento de sistemas de condicionamento de ar, jacuzzis,
piscinas, instalações termais […] locais onde se produzam aerossóis com
facilidade”. Como consequência deste surto, cerca de 60 pessoas
foram infetadas e cinco delas acabaram por falecer.
Uma
vez que o Ministério da Saúde se integra na Administração direta do Estado
(artigo 3º do Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro,
a Lei Orgânica do Ministério da Saúde), cabe averiguar se os lesados (os doentes
infetados) podem ou não pedir uma indemnização à Administração por todos os
danos suportados, quer patrimoniais (despesas com o tratamento), quer não patrimoniais
(as dores, o sofrimento), derivados da infeção contraída no HSFX.
Já no âmbito do Direito Administrativo, o princípio
da responsabilidade da Administração está previsto no artigo 16º CPA. Por sua
vez, o Professor DIOGO
FREITAS DO AMARAL define a responsabilidade da Administração como “a obrigação jurídica que recai sobre
qualquer pessoa coletiva pública de indemnizar os danos que tiver causado aos
particulares, seja no exercício da função administrativa, seja no exercício de
atividades de gestão privada”.
Apesar de todas as modalidades de responsabilidades civil a
que está sujeita a Administração Pública, este é um caso de responsabilidade
civil por atos de gestão privada, uma vez que o Presidente do Instituto
Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Fernando Almeida, afirmou que “deve ter havido uma falha técnica [que
originou o surto], não por
desinvestimento do hospital, mas alguém falhou. Não me compete dizer qual foi a
falha”. Também a Diretora-Geral da Saúde, Graça Freitas seguiu o mesmo tom,
dizendo que “aconteceu uma falha na
vigilância, monotorização e controlo e, havendo uma empresa responsável, terá
de ser investigada noutra sede que não na da saúde pública”.
Servem as presentes transcrições para perceber que o controlo
e manutenção das torres de arrefecimento do HSFX estavam a cargo de uma empresa
privada, motivo pelo qual esta é uma responsabilidade civil por atos de gestão
privada. Apesar do contrato que deve ter sido celebrado entre o Estado e a dita
empresa, analisarei esta modalidade de responsabilidade no âmbito
extracontratual, uma vez que não tenho acesso ao negócio jurídico bilateral em
causa para poder analisar a questão do ponto de vista da responsabilidade civil
contratual por atos de gestão privada.
Finda a introdução, começarei, de seguida, a analisar o
regime da responsabilidade civil extracontratual da Administração por atos de
gestão privada.
Este tema é regulado pelo Direito Civil, mais precisamente
nos artigos 500º e 501º do Código Civil. Da conjugação destes dois preceitos
resulta que o Estado é solidariamente responsável com os seus órgãos, agentes e
representantes, pelos danos por estes causados aos particulares no exercício
das suas funções.
Aqui, não seria necessário aos lesados (os doentes que foram
infetados com Legionella), provar a
existência de culpa da pessoa coletiva; bastava que fossem responsabilizados os
indivíduos que agiram ao serviço da pessoa coletiva pública. Neste caso, culpa sob
a forma de omissão dos funcionários ou titulares dos órgãos da dita empresa,
que não praticaram os atos necessários nem adotaram a diligência adequada à
correta manutenção da torre de arrefecimento, provocando o contágio de dezenas
de utentes.
Desta forma, a lei parte da responsabilidade dos órgãos,
agentes ou representantes para a responsabilidade da Administração,
considerando esta solidariamente obrigada à indemnização sempre que aqueles,
tendo atuado ao serviço desta, sejam responsáveis nos termos gerais.
Efetivamente, a Administração, depois de pagar a indemnização devida ao lesado,
goza do direito de regresso contra o autor do facto danoso (a empresa), podendo
reaver tudo o que tiver sido pago. A Administração funcionará apenas como
garante da obrigação de indemnizar que recai sobre os seus órgãos, agentes ou
representantes. A lei estipula esta solidariedade de forma a garantir que os
lesados recebem verdadeiramente a indemnização.
Consequentemente, estamos perante uma responsabilidade
objetiva da Administração pelos atos dos seus órgãos, agentes ou
representantes, que assentará sobre a responsabilidade subjetiva dos autores do
facto danoso. Isto significa que a empresa, enquanto pessoa coletiva, que atua
ao serviço da Administração, responde pelos danos que causou aos particulares
nos mesmos termos em que qualquer particular responde perante outro particular,
mas com a particularidade de que a Administração, mediante a via da
responsabilidade solidária, garantirá aos lesados o cumprimento do dever de
indemnizar a cargo da empresa.
Serve o presente para concluir que, de facto, os lesados
poderiam intentar uma ação judicial de responsabilidade civil contra a
Administração, mais concretamente exigindo uma indemnização em valor
pecuniário.
BIBLIOGRAFIA
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo – Volume
II, 3ª Edição, Almedina, 2016.
JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 11ª Edição,
Âncora Editora, 2013.
NOTÍCIAS
CONSULTADAS
Beatriz Oliveira
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