Estamos perante um acórdão que tem por objeto
o recurso da decisão judicial do TAF de Viseu de 28/4/2013, no qual foi julgada
procedente a anulação do ato administrativo que revogou o despacho de
26/03/2007.
A recorrente/CGA vem alegar que existe uma
incorreta aplicação do disposto nos artigos 79º/2 e 103º da Lei nº 4/2007, de
16 de janeiro, 102º do Estatuto de Aposentação, 5º/7 do Decreto-Lei nº
229/2005, de 29 de dezembro, incorrendo ainda em erro de julgamento. A
recorrente não se conforma com o entendimento do Acórdão recorrido, uma vez que
admite que a revogação do referido despacho de 26/03/2007 foi efetuada ao
abrigo do artigo 79º/2, da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, que aprovou as
bases gerais do sistema de segurança social, e não – como proferido pelo
Acórdão recorrido – efetuada ao abrigo do artigo 141º CPA 1991.
Mais alega a recorrente que a Autora não
reúne as condições de aposentação previstas no artigo 5º/7b) do Decreto-Lei nº
229/2005, uma vez que apenas foram confirmados 10 anos, 1 mês e 17 dias de
serviço em regime de monodocência, admitindo erros nos pressupostos de facto.
A Recorrida/DRAML vem contra-alegar
contrariamente ao defendido pelo Recorrente, argumentando que a aplicação dos
artigos supra mencionados pelo Acórdão recorrido é feita corretamente. Entende
igualmente que não pode ser violada a natureza dos atos constitutivos de direitos,
no tocante ao despacho da Direção da Recorrente, mediante o qual lhe reconheceu
o seu direito à aposentação e lhe definiu uma pensão de aposentação definitiva.
Sendo um ato constitutivo de direitos, a Recorrida alega que o despacho apenas
poderia ser revogado com fundamento em ilegalidade, e dentro do prazo de um ano,
segundo o artigo 141º CPA 1991. Deste modo, alega a Recorrida que a revogação
do despacho que lhe conferia a pensão de aposentação consubstancia-se num ato
lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos da Autora.
É de notar que a Recorrida encontra-se
protegida pelo regime especial do artigo 5º/7b) do Decreto-Lei nº229/2005.
Assim, deve ser aplicado o artigo 141º CPA 1991 e não o artigo 79º da Lei
nº4/2007, de 16 de janeiro, uma vez que o artigo 103º da mesma lei vem
salvaguardar a aplicação dos regimes especiais dos grupos de trabalhadores
abrangidos, com respeito dos direitos adquiridos, como é o caso da Recorrida.
O Ministério Público veio emitir o seu
Parecer em 7 de outubro de 2013. Foi confirmado que a Autora solicitou à
Entidade demandada a contagem do seu tempo de serviço para efeitos de
aposentação e a que a informação que obteve foi a de que tinham sido apurados,
nos termos das disposições legais aplicáveis, 30 anos, 9 meses e 10 dias de
serviço. Posteriormente, após verificação desse valor, e comunicado à escola, a
Recorrida requereu aos Serviços da Entidade demandada a bonificação do tempo de
serviço, tendo sido reconhecido e comunicado à Autora, por despacho de
26/3/2007 da Direção da CGA, o direito à aposentação e atribuído um valor da
pensão para o ano de 2007 no montante de 2.835,57€, a qual, em 2011 tinha o
valor ilíquido de 2.895,94€.
O Ministério Público vem afirmar que o
Despacho de 26/3/2007, que reconheceu à Recorrida o direito à aposentação e lhe
atribuiu uma pensão de aposentação definitiva, constitui manifestamente uma
resolução final da CGA e, consequentemente, um ato constitutivo de direitos.
Deste modo, o despacho de 26/3/2007 poderia apenas ser revogado com fundamento
em ilegalidade, e dentro do prazo de um ano (artigo 141º/1 CPA 1991). Uma vez
que decorreram 4 anos sobre a data do despacho, a sua revogação revela um ato
lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrida.
Um ato constitutivo é aquele que estabelece
uma nova relação jurídica, criando direitos e obrigações seja para a
Administração seja para os administrados. Assim, é necessário que do ato
resulte a atribuição de um direito, de tal modo que se possa considerar o ato
como causa de direitos constituídos e se possa encontrar no ato o fundamento de
interesse público que levou à atribuição de direitos. Para além de atos
constitutivos, ainda existem atos declaratórios, confirmatórios, modificativos
e desconstitutivos, de acordo com o critério dos efeitos jurídicos.[1]
Mais alega o MP que a Recorrida agiu de
boa-fé, uma vez que solicitou à CGA que fosse confirmado se o seu tempo de
serviço era efetivamente o apurado, sendo que, a verificar-se qualquer erro de
contagem do seu tempo de serviço, o mesmo não lhe poderia ser imputado.
Assim, em conformidade com o precedentemente
expedido, os Juízes deste Tribunal acordaram em negar provimento ao Recurso,
confirmando o Acórdão Recorrido.
No que diz respeito à revogação e anulação
administrativa existem diferenças entre o CPA de 1991 e o CPA de 2015.
A primeira diferença diz respeito à
denominação. Tratam-se de figuras bem diferentes, como é reconhecido na
generalidade da doutrina europeia. Enquanto, ao abrigo do CPA de 1991, a figura
da revogação abrangia duas modalidades – a revogação de atos válidos e a
revogação de atos inválidos – o CPA de 2015 vem transformar esta segunda subespécie
de revogação numa figura autónoma. Assim, a revogação é o ato administrativo
que determina a cessação de efeitos de outro ato, por razões de mérito,
conveniência ou oportunidade (artigo 165º/1 CPA 2015); e a anulação
administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de
outro ato, com fundamento em invalidade. Assim, a revogação propriamente dita
distingue-se, desde logo, da anulação quanto à função, porque naquela está em
causa o exercício de uma atividade da administração ativa, enquanto nesta se
cumpre uma função de autocontrolo.
No que diz respeito ao objeto, o artigo
166º/1 CPA 2015 enuncia quais os atos que não são suscetíveis de revogação nem
de anulação administrativa, à semelhança do CPA 1991. Quanto a atos nulos
(artigo 166º/1a) CPA 2015), a impossibilidade legal de anulação reside no facto
de, atendendo ao desvalor de que possuem, tais atos não produzirem quaisquer
efeitos jurídicos, pelo que não podem ser destruídos. Relativamente aos atos
anulados contenciosamente e os atos revogados com eficácia retroativa (alíneas
b e c, do nº1 do mesmo artigo), não podem ser anulados porque os efeitos que
produziram não só já cessaram como foram expurgados do ordenamento jurídico com
eficácia retroativa, portanto, é como se nem sequer tivessem sido praticados
tais atos.
Mais, enquanto são suscetíveis de anulação
administrativa quaisquer atos, à revogação estão sujeitos apenas alguns tipos
de atos, o que produzem efeitos atuais ou potenciais (não caducados nem
esgotados), designadamente os atos com eficácia duradoura (ou atos de eficácia
instantânea, mas ainda não executados).
Quanto à iniciativa e competência da anulação
administrativa: é uma matéria regulada pelo artigo 169º CPA 2015, sendo que a
mesma pode ser feita oficiosamente, por iniciativa da Administração, ou na
sequência de pedido nesse sentido formulado por interessados. Contudo, nesta última
hipótese, o pedido anulatório deve ser deduzido através de reclamação ou
recurso administrativo. São competentes para anulação administrativa de atos
administrativos o órgão que o praticou e o respetivo superior hierárquico, o
órgão delegante ou subdelegante, bem como o delegado ou subdelegado – quando
praticados atos ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes –, órgãos com
poderes de superintendência ou tutela e o órgão competente para a sua prática,
quando o ato foi praticado por órgão incompetente (artigo 169º nºs 3, 4, 5 e 6
CPA 2015).
Assim,
o poder de revogação pertence a quem possa legalmente praticar o ato, ou seja,
integra uma competência dispositiva,
enquanto a anulação de um ato pode ser competente qualquer órgão que tenha um
poder de controlo, uma competência de fiscalização.
Relativamente à forma do ato de anulação
administrativa ou de revogação, estes devem revestir, salvo o disposto em norma especial, a forma
legalmente prescrita para o ato anulado/ato revogado, sendo que, caso a lei não estabeleça o
requisito de forma ou este tenha revestido forma mais solene
do que a legalmente prevista, o ato de anulação/revogação administrativa deve observar a
mesma forma adotada pelo ato anulado/revogado (artigo 170º CPA 2015)
.
Existem diferenças marcantes na matéria
correspondente aos condicionalismos aplicáveis à revogação (artigo 167º CPA
2015, antigo artigo 140º CPA 1991).
O ponto mais marcante do regime da anulação
administrativa do CPA 2015, comparativamente com o CPA 1991, encontra-se no artigo
168º CPA 2015, que diz respeito aos condicionalismos aplicáveis à anulação
administrativa – contrastando com o artigo 141º CPA 1991. O artigo 168º do novo
CPA consagra uma multiplicidade de prazos nos quais um ato administrativo pode
ser anulado pela Administração. Estes prazos dependem não só do vício que o ato
possa conter, como também pelo facto de, eventualmente, estarmos perante um ato
constitutivo de direitos ou perante a circunstância de o ato ter, ou não, sido
impugnado jurisdicionalmente, ou ainda a boa ou má-fé do beneficiário do ato.
O nº1 do artigo 168º CPA 2015 estabelece como
prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da
causa da invalidade, ou, os casos de invalidade resultante de erro do agente,
desde o momento da cessação do erro, o prazo segundo o qual os atos
administrativos aqui incluídos podem ser objeto de anulação administrativa –
desde que ainda não tenham decorridos 5 anos desde a respetiva prática.
O artigo 168º/3 do novo CPA estabelece ainda
que quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação só
possa ter lugar até ao encerramento da discussão.
Por outro lado, segundo o artigo 168º/2 CPA
2015, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação
administrativa dentro do prazo de um ano, a contar com a data da respetiva
emissão. Contudo, existem exceções – enunciadas no artigo 168º/4 – segundo o
qual, se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os
atos constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa no
prazo de 5 anos, a contar da data da respetiva emissão, nos casos presentes nas
alíneas a, b e c do nº 4 do artigo 168º CPA 2015.
O artigo 168º/6 do novo CPA estabelece ainda
que a anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui aos
beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência de vantagem em que o
ato os colocava, no direito de serem indemnizados pelos danos anormais que
sofram em consequência da anulação.
Quanto aos efeitos (artigo 171º CPA 2015), os
efeitos de uma revogação são, em princípio ex
nunc, isto é, efeitos para o futuro, embora possam em certos casos e em
certas condições, ser retrotraídos a um momento anterior (artigo 171º/1 CPA
2015), enquanto os efeitos da anulação administrativa se produzem ex tunc, reportando-se ao momento da
prática do ato anulado (ou ao da existência do vício, nos casos de invalidade
superveniente), embora possam excecionalmente valer para o futuro (artigos
168º/4b) e 171º/3 CPA 2015).
Para finalizar, fazendo referência à matéria
supra mencionada, ao contraste entre o velho e novo Código de Procedimento
Administrativo acerca da matéria da revogação e anulação administrativas e ao
acórdão analisado, podemos admitir que o que está em questão não é uma
revogação mas uma anulação administrativa, uma vez que o que se pretendia fazer
seria anular o despacho de 26/03/2007, isto é, com fundamento em invalidade –
não preenchimento dos pressupostos de facto –, querendo-se destruir os efeitos
do outro ato (artigo 165º/2 CPA 2015).
Contudo, no que diz respeito ao prazo para
anulação administrativa, ao abrigo do novo CPA, uma vez que se trata de um ato
constitutivo de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma
relação continuada, o prazo é de 5 anos (artigo 168º/4b) CPA 2015). Assim, se à
data estivesse em vigor o CPA 2015 ainda seria possível esse ato constitutivo
ser objeto de anulação administrativa, uma vez que de 2007 a 2011 passaram 4
anos, e o prazo é de 5 anos.
Por último, o artigo 168º/6 CPA 2015 vem
esclarecer que o beneficiário que desconheça a invalidade e tenha tirado
partido da vantagem em que o ato o colocava, se procedeu sem culpa, tem o
direito de ser indemnizado pelos danos anormais que sofreu em consequência da
anulação. Portanto, se à data estivesse em vigor o CPA 2015, a meu ver, o
Despacho de 23/8/2011 seria válido, na medida em que ainda estava dentro do
prazo para a anulação administrativa e tinha como fundamento uma invalidade ao
nível dos pressupostos de facto (168º/4b CPA 2015). Por essa invalidade não ser
proveniente de má-fé por parte da Recorrida, esta teria direito a uma
indemnização pelos danos que poderia sofrer em consequência da anulação
administrativa (artigo 168º/6 CPA 2015).
Bibliografia
1. MOREIA NETO, Diogo; Curso de Direito Administrativo; Editor Borsoi; 1970.
2. Centro de Estudos judiciários; O novo código do procedimento administrativo;
Jurisdição administrativa e fiscal; Outubro de 2016.
3. CALDEIRA, Marco; A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento
Administrativo de 2015.
Beatriz Fernandes Nº 57054
[1] MOREIRA
NETO, Diogo; Curso de Direito
Administrativo; Editor Borsoi, 1970
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