Monday, May 28, 2018

Indeferimento tácito

Comentário a um acórdão sobre a evolução da jurisprudência relativamente ao ato de indeferimento tácito

A evolução do Direito Administrativo ao longo das várias épocas, teve como uma das grandes consequências, a mudança no modo de atuação da Administração Pública. Numa perspetiva mais ampla, a Administração deixa de atuar apenas de forma autoritária em matérias circunscritas (no que diz respeito à preservação do direito de propriedade e garantia à liberdade e segurança), para passar também a prestar serviços, devido ao crescimento das suas atribuições, nomeadamente em matérias de questões sociais e económicas.
Esta mudança no paradigma de atuação administrativa é relevante para entender um fenómeno característico da época do ato polícia, modo de atuação caraterístico da Administração agressiva da época liberal. O ato de indeferimento tácito verifica-se sempre que, no decorrer de um procedimento administrativo, a Administração Pública não se pronuncia sobre uma questão que foi colocada por uma das partes do procedimento. A lei em vigor na altura considerava que, perante a omissão da Administração relativamente a uma pretensão formulada por um particular, o pedido feito teria sido indeferido tacitamente.
Todo este paradigma vem ser alterado com a implementação dos princípios procedimentais que foram consagrados na nova versão do Código de Procedimento Administrativo. Para esta questão específica do ato de indeferimento tácito, vem o princípio da decisão, consagrado no art.13º CPA, afastar esta possibilidade que a Administração tinha. O princípio da decisão vem implementar à Administração um dever de conduta, nomeadamente o dever legal de decidir. Esta regra estabelece que perante um pedido elaborado pelos particulares, a Administração tem o dever de exercer os seus poderes, pronunciando a sua decisão. Com o fundamento
Porém este dever de decisão apresenta as suas limitações, visto que não é um dever absoluto. O art.13º/2 estabelece que, passados dois anos após a resposta apresentada pelo órgão administrativo, considera-se que a questão colocada pelo particular foi bem respondida, extinguindo-se o dever de legal de decidir naquele caso concreto. A ratio por detrás deste prazo é a criação de uma medida que impeça que os particulares estejam constantemente a pedir esclarecimentos sobre questões que já foram devidamente respondidas, tendo como consequência o aumento injustificado das tarefas do órgão administrativo. Apesar do que foi anteriormente referido, renasce esta possibilidade de esclarecimento se, no caso em questão se verificar uma alteração das circunstâncias. Existindo uma alteração das circunstâncias da situação em causa ou do direito, volta a existir um dever de decisão da Administração que se contrapõe ao direito de resposta do interessado. Cabe ainda referir que, mediante uma resposta cabal por parte da Administração, finda o direito de resposta que o particular possui. Isto não impede as garantias que administrativas que estão à disposição do particular, como a impugnação e a faculdade de reclamação.
Um dos vários exemplos deste fenómeno é o acórdão de 28 outubro de 2009, processo 0595/09 do Supremo Tribunal Administrativo. O caso em questão é relativo a um recurso apresentado por um particular, que pretende a impugnação de um ato de indeferimento tácito por parte de uma Fazenda Pública, que na realidade não é mais do que uma ficção jurídica. Concretamente, mediante uma liquidação adicional do IRS, o particular procedeu à apresentação de uma reclamação, porém nenhuma decisão foi proferida. Sem entrar em aprofundamentos sobre questões técnicas de matéria processual, a decisão do tribunal foi no sentido de impugnar o ato de liquidação, que foi o ato que gerou a reclamação que não recebeu resposta.
Uma das críticas apresentadas ao legislador, no que diz respeito à medida implementada, é relativa ao facto de este não ter afastado simultaneamente o ato de deferimento tácito. À primeira vista, a perceção que se transpõe é a de que o ato de deferimento tácito é um benefício para os particulares, na medida que, em caso de omissão por parte da Administração Pública, é considerado que existe um despacho favorável. Porém, na verdade, o que se verifica é apenas uma não atuação da Administração. Portanto, se não existe realmente um ato, não há a concessão de direitos aos particulares.   


Álison Costa nº56943

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