Neste
acórdão estamos perante uma situação desencadeada por um militar, que no dia
21.09.2009, cerca das 05.25 horas, se deslocava na A17 no sentido Lisboa,
conduzindo a viatura militar, e A, o militar, sofreu um acidente de viação. Na
origem do acidente esteve a eventual aparição, do lado esquerdo da viatura, de
um animal de pequeno porte (coelho), o arguido despistou-se, tendo capotado a
viatura que conduzia, tendo esta ficado fora da faixa de rodagem, importa
também referir que o arguido circulava em excesso de velocidade, aproximadamente
a 140 km/h.
Dito
isto, A intentou a ação com objetivo de anular a decisão disciplinar punitiva
proferida por S.ª Ex.ª o General «CEME» (ato administrativo), em 17.05.2010,
que negando provimento ao recurso hierárquico necessário por si interposto manteve
a punição de 10 dias de suspensão de serviço aplicada pelo despacho punitivo de
22.02.2010 do MGEN Comandante da Brigada de Intervenção.
A,
fundamentou a sua ação afirmando que não existiam provas suficientes para a
decisão, e a mesma não respeitou vários princípios consagrados no CPA.
A
decisão final de um determinado procedimento administrativo deve, pois,
assentar em pressupostos de facto e de direito corretos e tidos como
verificados, e de acordo com A, isso não se verifica neste caso em concreto visto
haver um desacerto quanto à análise dos elementos probatórios recolhidos nos
autos visto inexistir factualidade/prova suficiente que logre estabelecer uma
conduta ilícita e culposa a si imputável.
Para
esta situação importa ter em atenção o regulamento dos militares e o código de
processo administrativo.
O artigo 3/1 do RDM atribui poder de auto-organização ou de
autodisciplina e que só pode ser exercido sobre pessoas que se encontrem numa
especial situação de sujeição e que, por causa dela, ficam vinculados à
observância de certos deveres do bom funcionamento da instituição/serviço, dito isto, o militar tem que se sujeitar
aos seus superiores hierárquicos, e estes, em casos de desobediência ou não
respeito pelos deveres ou princípios estabelecidos pelo regulamento, podem
autonomamente estabelecer sanções a quem infringir os estatutos, visto que a um
militar é exigível um comportamento cauteloso visto encontrar-se no
quadro duma relação jurídica de vínculo público em que o mesmo é um dos seus
sujeitos. Neste caso, A estava
a conduzir uma viatura militar quando sofreu o acidente, dadas as
circunstancias, e com base na responsabilidade disciplinar, este tinha que
adotar certos comportamentos para que não pusesse em perigo a si nem os demais
utilizadores da via, e é isso
que será analisado pelo acórdão.
De acordo com o artigo 115 do CPA,
cabe ao responsável pela direção do procedimento procurar averiguar todos os
factos que lhe permitam tomar uma decisão adequada e citando o acórdão do STA de 07.06.2005
(Proc. n.º 0374/05) a “… «prova dos factos integrantes da infração disciplinar
cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder
disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de
certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes
para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança
na aplicação do direito sancionatório». A afirma que não existiram provas
suficientemente fortes para se fazer o juízo de censura de forma correta e
certeira, e nos casos de incerteza decide-se a favor do arguido, e a isto
acrescenta-se o principio “NULLA POENA
SINE CULPA”, ou seja, sem culpa não há pena.
Na
verdade, a administração dispunha de documentação carreada, prova periciais
efetuadas e as próprias declarações do arguido prestadas e devidamente
assinadas nas quais, apesar de alegar que não se considera como responsável ou
com qualquer culpa na produção do acidente, afirmou “… que estava um pouco
de nevoeiro mas não muito cerrado …” pelo que “… existiam condições
visuais para a continuação da viagem …” e que conduzia a uma velocidade de
“… 140Km por hora …” sendo que a mesma “… é a velocidade média da sua
condução com Coronel P... em autoestrada …”, de acordo com o artigo 117 do
CPA, pode ser determinado aos interessados a prestação de informações, que de
acordo com o artigo 118/1 do mesmo código tem que ser feito por escrito, coisa
que aconteceu pois o arguido assinou.
Dito
isto, facilmente se pode presumir que A é culpado, apesar de ele não assumir a
culpa temos que considerar o facto de este ser militar e aplica-se um regime
mais complexo (regulamento de disciplina militar), no artigo 1 e 2 do RDM,
estão definidos os valores e disciplina exigida de um militar, por isso este
nas circunstancias que se encontrava (de noite e nevoeiro) tinha que adequar a
sua condução para uma condução mais defensiva de forma a conseguir evitar
prováveis acidentes que poderiam acontecer, dadas as circunstancias como por
exemplo; ser de noite, haver nevoeiro, dois fatores que prejudicam
drasticamente a condução, e não foram tomadas nenhumas precauções por parte do
militar, afirmando este que estava a uma velocidade média de 140km/h sendo essa
velocidade, por si só, uma infração pois o máximo permitido pelo código da
estrada é 120km/h, e, para além de excesso de velocidade, devido às circunstâncias,
A, também circulava em velocidade excessiva (velocidade que mesmo estando
dentro dos limites da lei, é considerada excessiva devido às condições da
estrada, do tempo, etc).
Constitui
infração disciplinar a conduta ilícita e culposa descrita nuclearmente na lei,
sendo que a identificação da sua prática rege-se pelo princípio da tipicidade
nuclear que assegura uma correspondência razoável entre as infrações e as
sanções disciplinares, podemos assim concluir que estamos perante uma infração
disciplinar por parte de A, aplicando o artigo 7 do RDM, “… infração disciplinar o facto, comissivo ou
omissivo, ainda que negligente, praticado em violação de qualquer dos deveres
militares …” e o artigo 8 do mesmo diploma “… conduta violadora de algum dever militar que seja tipificada como
crime é passível de sanção disciplinar, independentemente da punição criminal a
que houver lugar …”.
Aplica-se
também o artigo 30.º do RDM, sobre a epígrafe de “penas aplicáveis”, estipula-se que as ”… penas aplicáveis pela prática de infração disciplinar são, por ordem
crescente de gravidade, as seguintes: a) Repreensão; b) Repreensão agravada; c)
Proibição de saída; d) Suspensão de serviço; e) Prisão disciplinar...”,
sendo que a pena de suspensão de serviço, por força do disposto no artigo 34.º,
se traduz “… no afastamento completo
do serviço pelo período que for fixado, entre cinco e 90 dias …”
Podemos
assim concluir que foram respeitados todos os princípios, o princípio de
proporcionalidade também está preenchido porque mesmo parecendo um mero
despiste no qual o condutor não se considera culpado, e a suspensão atribuída a
A pelo despiste respeita o artigo 7 do CPA pois há um claro incumprimento dos
deveres militares (não se pode aplicar a lei nas mesmas circunstancias que se
aplica a um mero civil), sendo o despiste motivado principalmente por excesso
de velocidade por parte de A, pondo os demais utilizadores da via em perigo.
Na
minha opinião, a decisão do tribunal é assertiva em considerar a ação
improcedente e manter a sanção aplicada a A, os militares não só tem como o
objetivo de manter as pessoas seguras como também lhes incube dar o exemplo aos
civis e nenhuma destas coisas foi feita por A.
Cristian Ghitu
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