Saturday, May 5, 2018

Acórdão 00691/10.4BECBR


Neste acórdão estamos perante uma situação desencadeada por um militar, que no dia 21.09.2009, cerca das 05.25 horas, se deslocava na A17 no sentido Lisboa, conduzindo a viatura militar, e A, o militar, sofreu um acidente de viação. Na origem do acidente esteve a eventual aparição, do lado esquerdo da viatura, de um animal de pequeno porte (coelho), o arguido despistou-se, tendo capotado a viatura que conduzia, tendo esta ficado fora da faixa de rodagem, importa também referir que o arguido circulava em excesso de velocidade, aproximadamente a 140 km/h.

Dito isto, A intentou a ação com objetivo de anular a decisão disciplinar punitiva proferida por S.ª Ex.ª o General «CEME» (ato administrativo), em 17.05.2010, que negando provimento ao recurso hierárquico necessário por si interposto manteve a punição de 10 dias de suspensão de serviço aplicada pelo despacho punitivo de 22.02.2010 do MGEN Comandante da Brigada de Intervenção.

A, fundamentou a sua ação afirmando que não existiam provas suficientes para a decisão, e a mesma não respeitou vários princípios consagrados no CPA.

A decisão final de um determinado procedimento administrativo deve, pois, assentar em pressupostos de facto e de direito corretos e tidos como verificados, e de acordo com A, isso não se verifica neste caso em concreto visto haver um desacerto quanto à análise dos elementos probatórios recolhidos nos autos visto inexistir factualidade/prova suficiente que logre estabelecer uma conduta ilícita e culposa a si imputável. 

Para esta situação importa ter em atenção o regulamento dos militares e o código de processo administrativo.

            O artigo 3/1 do RDM atribui poder de auto-organização ou de autodisciplina e que só pode ser exercido sobre pessoas que se encontrem numa especial situação de sujeição e que, por causa dela, ficam vinculados à observância de certos deveres do bom funcionamento da instituição/serviço, dito isto, o militar tem que se sujeitar aos seus superiores hierárquicos, e estes, em casos de desobediência ou não respeito pelos deveres ou princípios estabelecidos pelo regulamento, podem autonomamente estabelecer sanções a quem infringir os estatutos, visto que a um militar é exigível um comportamento cauteloso visto encontrar-se no quadro duma relação jurídica de vínculo público em que o mesmo é um dos seus sujeitos. Neste caso, A estava a conduzir uma viatura militar quando sofreu o acidente, dadas as circunstancias, e com base na responsabilidade disciplinar, este tinha que adotar certos comportamentos para que não pusesse em perigo a si nem os demais utilizadores da via, e é isso que será analisado pelo acórdão.
             
            De acordo com o artigo 115 do CPA, cabe ao responsável pela direção do procedimento procurar averiguar todos os factos que lhe permitam tomar uma decisão adequada e citando o acórdão do STA de 07.06.2005 (Proc. n.º 0374/05) a “… «prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório». A afirma que não existiram provas suficientemente fortes para se fazer o juízo de censura de forma correta e certeira, e nos casos de incerteza decide-se a favor do arguido, e a isto acrescenta-se o principio “NULLA POENA SINE CULPA”, ou seja, sem culpa não há pena.

            Na verdade, a administração dispunha de documentação carreada, prova periciais efetuadas e as próprias declarações do arguido prestadas e devidamente assinadas nas quais, apesar de alegar que não se considera como responsável ou com qualquer culpa na produção do acidente, afirmou “… que estava um pouco de nevoeiro mas não muito cerrado …” pelo que “… existiam condições visuais para a continuação da viagem …” e que conduzia a uma velocidade de “… 140Km por hora …” sendo que a mesma “… é a velocidade média da sua condução com Coronel P... em autoestrada …”, de acordo com o artigo 117 do CPA, pode ser determinado aos interessados a prestação de informações, que de acordo com o artigo 118/1 do mesmo código tem que ser feito por escrito, coisa que aconteceu pois o arguido assinou.

Dito isto, facilmente se pode presumir que A é culpado, apesar de ele não assumir a culpa temos que considerar o facto de este ser militar e aplica-se um regime mais complexo (regulamento de disciplina militar), no artigo 1 e 2 do RDM, estão definidos os valores e disciplina exigida de um militar, por isso este nas circunstancias que se encontrava (de noite e nevoeiro) tinha que adequar a sua condução para uma condução mais defensiva de forma a conseguir evitar prováveis acidentes que poderiam acontecer, dadas as circunstancias como por exemplo; ser de noite, haver nevoeiro, dois fatores que prejudicam drasticamente a condução, e não foram tomadas nenhumas precauções por parte do militar, afirmando este que estava a uma velocidade média de 140km/h sendo essa velocidade, por si só, uma infração pois o máximo permitido pelo código da estrada é 120km/h, e, para além de excesso de velocidade, devido às circunstâncias, A, também circulava em velocidade excessiva (velocidade que mesmo estando dentro dos limites da lei, é considerada excessiva devido às condições da estrada, do tempo, etc).

Constitui infração disciplinar a conduta ilícita e culposa descrita nuclearmente na lei, sendo que a identificação da sua prática rege-se pelo princípio da tipicidade nuclear que assegura uma correspondência razoável entre as infrações e as sanções disciplinares, podemos assim concluir que estamos perante uma infração disciplinar por parte de A, aplicando o artigo 7 do RDM, “… infração disciplinar o facto, comissivo ou omissivo, ainda que negligente, praticado em violação de qualquer dos deveres militares …” e o artigo 8 do mesmo diploma “… conduta violadora de algum dever militar que seja tipificada como crime é passível de sanção disciplinar, independentemente da punição criminal a que houver lugar …”.

Aplica-se também o artigo 30.º do RDM, sobre a epígrafe de “penas aplicáveis”, estipula-se que as ”… penas aplicáveis pela prática de infração disciplinar são, por ordem crescente de gravidade, as seguintes: a) Repreensão; b) Repreensão agravada; c) Proibição de saída; d) Suspensão de serviço; e) Prisão disciplinar...”, sendo que a pena de suspensão de serviço, por força do disposto no artigo 34.º, se traduz “… no afastamento completo do serviço pelo período que for fixado, entre cinco e 90 dias …

Podemos assim concluir que foram respeitados todos os princípios, o princípio de proporcionalidade também está preenchido porque mesmo parecendo um mero despiste no qual o condutor não se considera culpado, e a suspensão atribuída a A pelo despiste respeita o artigo 7 do CPA pois há um claro incumprimento dos deveres militares (não se pode aplicar a lei nas mesmas circunstancias que se aplica a um mero civil), sendo o despiste motivado principalmente por excesso de velocidade por parte de A, pondo os demais utilizadores da via em perigo.

Na minha opinião, a decisão do tribunal é assertiva em considerar a ação improcedente e manter a sanção aplicada a A, os militares não só tem como o objetivo de manter as pessoas seguras como também lhes incube dar o exemplo aos civis e nenhuma destas coisas foi feita por A. 





Cristian Ghitu
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